Publicado em 12 de maio de 2024 às 09:34
O governo brasileiro deve tirar do papel nos próximos meses o projeto de uma ponte que vai ligar Rondônia ao território da Bolívia. O empreendimento é uma demanda histórica que contemplará, ao menos em parte, os acordos previstos no Tratado de Petrópolis, firmado em 1903 durante a compra do Acre pelo Brasil.>
A Ponte Internacional de Guajará-Mirim terá 1,2 km de extensão e será construída sobre o rio Mamoré, conectando as cidades de Guajará-Mirim, em Rondônia, e Guayaramerín, na Bolívia. A obra faz parte do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e, segundo o governo brasileiro, fortalecerá a integração na América do Sul.>
Trata-se de mais uma conexão terrestre do Brasil com seus vizinhos. No total, segundo o governo, o país tem 12 pontes binacionais --duas estão em construção e outras três são planejadas.>
A mais conhecida é a Ponte Internacional da Amizade, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Existem também estruturas que conectam cidades brasileiras a Guiana Francesa, Guiana, Peru, Uruguai, Argentina, além da própria Bolívia>
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A última inauguração de uma ponte binacional aconteceu em 2017, sob o governo de Michel Temer. Mas a construção da estrutura, que liga Brasil à Guiana Francesa, tinha sido determinada pelo governo Lula, à época em seu segundo mandato, em 2008, após acordo com o então presidente francês, Nicolas Sarkozy.>
No lançamento do edital da ponte de Guajará-Mirim, em 2023, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que a nova estrutura facilitará o acesso do Brasil ao oceano Pacífico, uma vez que mercadorias vão atravessar a Bolívia para alcançar portos no Peru e no Chile. Em tese, a produção brasileira poderia ser escoada para outros continentes com custos menores. O processo de licitação foi lançado em novembro.>
Do lado boliviano, os produtores passarão a contar com um corredor logístico para o oceano Atlântico, uma das promessas do Tratado de Petrópolis. "É uma dívida de mais de cem anos do governo brasileiro com a Bolívia. E ao permitir a integração dos países, a ponte também vai desenvolver a região", afirmou a secretária nacional de Transportes Terrestres, Viviane Esse.>
A previsão é de que as obras comecem em 2025 e sejam concluídas em 2027, após 36 meses, com custo inicial de R$ 300 milhões para o governo brasileiro --além da ponte, também estão previstos a instalação de uma aduana e a construção de acessos viários.>
O acordo firmado para a construção da estrutura é de 2007, durante o governo Lula 2, mas nunca saiu do papel. O projeto foi elaborado em 2015 pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e atualizado em 2023.>
O Tratado de Petrópolis assegurou no começo do século 20 a anexação do Acre pelo Brasil. Em troca, o governo brasileiro teve de pagar dois milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 2 bilhões, em valores atualizados), construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que facilitaria o escoamento das exportações bolivianas, além de ceder áreas do Mato Grosso ao país vizinho.>
Mais de cem anos depois, ainda reverbera na Bolívia a sensação de que as autoridades da época fizeram um mau negócio. Em 2006, o então presidente Evo Morales chegou a dizer que lamentava o fato de que o Acre havia sido trocado por um cavalo, valendo-se de um mito para criticar o acordo.>
Mais do que consolidar o Tratado de Petrópolis e aparar rusgas históricas, a construção da ponte pode alavancar negócios e ainda sinaliza esforços concretos para aproximar e fortalecer a região, afirma Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em integração da América Latina.>
"Não existe vácuo nas relações internacionais. Se o Brasil não tomar esse espaço, outro país poderia fazê-lo. A China, por exemplo, está cada vez mais presente na região, inclusive com investimentos em infraestrutura", diz ela. "É de interesse de Pequim ter acesso às matérias-primas da Bolívia.">
Segundo o ministro de Obras Públicas boliviano, Edgar Montaño, a obra facilitará a importação de lítio, usado em baterias, e de produtos para a agricultura pelo Brasil. Já as mercadorias brasileiras poderão ter como destino o complexo portuário de Chancay, no Peru, que está sendo construído a 80 km da capital Lima com capital chinês em sua maior parte.>
Investimentos do tipo ainda ajudam a aliviar tensões na região, acrescenta Bressan. Nos últimos meses, a América Latina tem enfrentado um momento turbulento, com atritos entre governos de diferentes países.>
O atual presidente boliviano é Luis Arce, que virou alvo de críticas de Morales, ainda que ambos sejam do mesmo partido.>
Para Roberto Rodolfo Georg Uebel, professor de relações internacionais da ESPM que pesquisa negócios internacionais, o governo Lula tem uma visão pragmática acerca da obra. "O atual governo mantém relações com Javier Milei [presidente da Argentina], com Nicolás Maduro [ditador da Venezuela] e com aquele que for eleito na Bolívia", diz. "E tenta retomar a integração sul-americana, algo que praticamente havia se perdido desde o governo de Dilma 2 [2015 e 2016].">
Ainda que possa impulsionar o comércio, a Ponte Internacional de Guajará-Mirim é alvo de críticas e de questionamentos. De acordo com o site InfoAmazônia, a ponte será construída em uma das regiões mais desmatadas da Amazônia, próxima de terras indígenas e de unidades de conservação.>
Em nota, o DNIT disse que novos estudos ambientais ainda vão ser elaborados e que, a partir do material, serão conhecidos os impactos e definidas medidas para mitigação deles.>
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