Publicado em 6 de dezembro de 2025 às 12:44
Há uma grande expectativa. Consigo ver a respiração fria dos meus concorrentes enquanto eles fazem aquele movimento de "prestes a correr" perto na linha de partida.>
Estou numa corrida comunitária de 5 km, em uma manhã de sábado, e quero competir. Três, dois, um...>
Ah, espere. Preciso configurar meu relógio Garmin. O cara ao meu lado faz o mesmo.>
Uma pessoa atrás de nós resmunga. "Não vou sair daqui até que... Isso, GPS pronto! Já posso dar a largada.">
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Na confusão de início de corrida, é difícil ver um pulso sem um smartwatch. E não somos apenas nós, corredores, que os usamos.>
Trata-se de uma indústria em expansão, que movimenta bilhões de reais. >
Marcas como Apple Watch, Samsung Galaxy, Garmin, Huawei Watch e Fitbit, do Google, dominam o mercado, cada uma com uma ampla seleção de modelos diferentes para atender a diversos estilos de vida. >
A depender do nível de tecnologia do modelo escolhido, os preços podem variar de centenas a alguns milhares de reais.>
"Isso [o smartwatch] me deixa louco, não consigo desligar.">
"Ele me conforta... É como um amigo que me apoia.">
"Pare de dizer que eu dormi mal.">
Esses são alguns dos comentários que recebi de outros usuários de smartwatches quando pergunto o que acham dos seus aparelhos.>
Minha opinião sobre o meu? No momento, acho ele irritante. >
Ele está me dizendo que estou fora do ritmo, e me faz pensar se as árvores sob as quais estou correndo bloqueiam a minha conexão GPS.>
Milhões de nós prendemos esses pequenos monitores em nossos pulsos e os usamos 24 horas por dia, 7 dias por semana — aparentemente tranquilos com o fato de que eles estão constantemente nos rastreando.>
Acabou-se o tempo em que dependíamos deles apenas para nos dar uma ideia da nossa contagem de passos. >
Agora, eles podem medir padrões de sono, pressão arterial, frequência cardíaca, variabilidade da frequência cardíaca (VFC), oxigenação, níveis de glicose, VO2 máximo...>
É difícil encontrar uma função corporal que eles não são capazes de rastrear.>
Mas será que eles fazem o que dizem que fazem? >
E as estatísticas que analisamos refletem a realidade? Eles melhoram nosso bem-estar mental e físico? Ou a infinidade de medições e mensagens motivacionais apenas aumentam o estresse diário?>
"Eu fico um pouco obcecada com o meu", me conta Rachael Fairclough.>
Embora adore como o Apple Watch monitora suas corridas, às vezes ela acha algumas de suas outras funções "excessivas" — como descobriu quando engravidou.>
Antes de perceber que podia ativar o modo gravidez, o smartwatch de Rachael ficava dizendo que ela não estava sendo produtiva o suficiente. >
Agora que teve o bebê, o relógio fica dizendo que ela teve uma noite mal dormida.>
"Tenho um bebê de seis meses, não preciso que me digam que não dormi", diz Rachael. >
"Sei disso muito bem", completa ela.>
Mas Rachel não poderia simplesmente tirar o smartwatch do pulso?>
"Eu poderia, mas tenho uma relação de amor e ódio com ele", diz ela. >
"Eu o adoro pelas informações sobre condicionamento físico. Só me pergunto se todas as outras coisas que ele pode fazer agora não são demais para mim.">
Cada modelo de smartwatch tem sua própria maneira inovadora de monitorar sinais vitais e interpretar dados, mas a maioria usa sensores na parte traseira do relógio.>
Eles geralmente emitem pequenas luzes LED verdes no seu pulso, que podem monitorar o fluxo sanguíneo e detectar a frequência cardíaca. >
Dispositivos mais avançados detectam mudanças na corrente elétrica que percorre a pele para dar uma ideia dos níveis de estresse.>
Niels Peek, professor de Ciência de Dados na Universidade de Manchester, no Reino Unido, afirma que, em geral, para os smartwatches, é preciso ter um "equilíbrio delicado".>
Na visão dele, embora a tecnologia em constante evolução possa realmente salvar vidas, "ao detectar doenças antes que os sintomas apareçam", ela também pode transformar nós, os usuários de relógios, em "pessoas demasiadamente preocupadas com a saúde".>
Ele diz que alguns dos modelos mais recentes podem realizar testes como eletrocardiogramas (ECGs), que monitoram constantemente a saúde do coração. Eles podem sinalizar se alguém está com fibrilação atrial (FA), uma atividade elétrica anormal no coração que causa batimentos cardíacos irregulares.>
Isso não significa que a pessoa está prestes a ter um ataque cardíaco, mas pode fornecer um alerta precoce de que ela pode estar mais propensa a sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), um coágulo sanguíneo ou problemas cardíacos no futuro.>
Mas interpretar esses dados é complexo. O professor Peek teme que, à medida que mais funções forem adicionadas a esses aparelhos, as pessoas não consigam entender completamente os dados.>
"Não estou totalmente convencido de que ser capaz de monitorar tantas coisas seja uma boa ideia", diz ele. >
A psicóloga clínica e professora de cardiologia Lindsey Rosman concorda. Ela realizou uma pesquisa sobre o impacto da tecnologia vestível em um grupo de pacientes com doenças cardiovasculares.>
Embora seja um grupo pequeno e específico de pacientes, e não a população em geral, o estudo sugeriu que 20% daqueles que usaram essas tecnologias para monitorar o coração apresentaram ansiedade e eram "muito mais propensos a usar recursos dos sistemas de saúde".>
Ela observou um padrão em seus pacientes: eles viam um número preocupante em seus relógios. Ficavam preocupados. A frequência cardíaca deles aumentava. Isso os deixava ainda mais preocupados. Daí eles verificavam novamente o aparelho. E a frequência cardíaca aumentava de novo.>
"Se vemos estatísticas sobre nós mesmos que não entendemos completamente, é claro que vamos querer saber mais", diz a professora Rosman. >
"Verificamos, verificamos e verificamos novamente. E aquilo se torna uma profecia autorrealizável.">
Algumas pessoas têm uma relação um pouco mais saudável com a tecnologia.>
"Isso não vai me transformar em um atleta olímpico, nem nada do tipo", diz o veterinário Mark Morton sobre o dispositivo Whoop preso ao seu bíceps. >
"Mas realmente me fez pensar sobre minha saúde".>
O pai de dois filhos, atualmente com 43 anos, usa um rastreador de atividades físicas que fornece um relatório diário de como ele dormiu.>
"E isso mudou completamente minha atitude em relação ao sono", diz ele. >
"Eu costumava tomar uma ou duas cervejas perto da hora de dormir para relaxar, mas depois percebi como isso prejudicava a qualidade do meu sono.">
Agora ele usa uma máscara de dormir, dorme em um quarto fresco e tenta não comer ou beber no final da noite.>
Tudo isso contribuiu para que ele se sinta melhor ao acordar — o que, por sua vez, reflete nos dados do dispositivo.>
De volta à minha corrida no parque, vocês ficarão aliviados em saber que aumentei o ritmo. Minhas pernas estão começando a doer, e ainda precisarei encarar aquela pequena subida na esquina. Checo meu relógio novamente.>
Falta 1 km e alguém está tentando falar comigo, perguntando sobre meu ritmo. >
Não tenho tempo para isso, amigo. >
Dou uma olhada rápida no meu relógio pela enésima vez. Será que o que estou vendo está correto?>
"Depende do que você considera correto", responde Kelly Bowden-Davies, professora sênior do Departamento de Ciências do Esporte e do Exercício da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.>
"Eles não vão te dar resultados com a qualidade de um laboratório. Eles não te dão uma leitura precisa da sua velocidade ou do ritmo em um determinado momento.">
Há muitas variáveis — para começar, o GPS nem sempre é confiável, alerta ela. >
Além disso, se o nosso relógio se move no pulso, pode não capturar todos os dados necessários para uma avaliação precisa.>
Bowden-Davies diz que, como não estão sujeitos às mesmas regulamentações que um dispositivo médico, os smartwatches não podem nos dar uma imagem real da nossa saúde. >
Mas o que eles podem nos dar é uma base para trabalhar, segundo ela.>
"Essa base pode não refletir a realidade com precisão de segundos, calorias ou metros, mas é algo pessoal, para você", avalia a especialista.>
"Você pode então descobrir o quão bem está se saindo — se ficou mais rápido, se dormiu melhor ou se queimou mais calorias. Eles são realmente úteis para isso." >
Para muitos de nós, esses relógios são puramente algo pessoal — nos importamos com o nosso desempenho em comparação com o anterior. >
E nem me fale dos relógios que permitem monitorar e competir com os amigos.>
Acabei de cruzar a linha de chegada da corrida e parei meu relógio, que marcava exatamente 22 minutos e 28 segundos.>
Não é meu melhor tempo, mas estou muito contente: meu sprint final foi excepcional, modéstia à parte.>
Com essa informação, me despeço desse texto. Afinal, tenho alguns dados do meu smartwatch para analisar.>
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