Publicado em 30 de agosto de 2024 às 10:40
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o bloqueio das contas bancárias da Starlink, empresa de internet via satélite do bilionário Elon Musk.>
A medida foi estabelecida pelo ministro para garantir o pagamento de multas estipuladas pelo descumprimento de decisões sobre o bloqueio de perfis de investigados pela Corte na rede social X (antigo Twitter), que também pertence a Musk.>
A decisão veio à tona após Moraes determinar na quarta-feira (28) que Musk indicasse, no prazo de 24 horas, novo representante legal do X no Brasil, sob risco de suspensão da rede social no país. O prazo venceu na noite desta quinta-feira (29) e a plataforma anunciou que não vai cumprir as ordens do ministro. >
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O bloqueio determinado pelo STF terá efeito nas contas da Starlink no Brasil. A medida não deve não afetar o contrato com o governo federal, mas coloca em risco a atividade da empresa em solo brasileiro. >
A empresa fornece serviço de internet para áreas rurais do país e tem contratos com órgãos públicos, como as Forças Armadas e tribunais eleitorais.>
Em postagem no X, a Starlink chamou as decisões de Moraes de "inconstitucionais" e alegou que pretende recorrer na Justiça.>
"Esta ordem é baseada em uma determinação infundada de que a Starlink deve ser responsável pelas multas cobradas — inconstitucionalmente — contra o X. Ela foi emitida em segredo e sem dar à Starlink qualquer um dos devidos processos legais garantidos pela Constituição do Brasil. Pretendemos abordar o assunto legalmente", diz o texto.>
Musk afirmou ainda que sua empresa fornecerá serviços de internet para seus usuários no Brasil de forma gratuita até que o assunto seja resolvido. >
"Muitas escolas e hospitais remotos dependem da Starlink da SpaceX! A SpaceX fornecerá serviço de Internet para usuários no Brasil gratuitamente até que esse assunto seja resolvido, pois não podemos receber pagamento, mas não queremos cortar o serviço de ninguém", escreveu no X.>
A Starlink é um braço da SpaceX, a companhia de exploração espacial de Elon Musk.>
A empresa fornece serviços de internet por meio de uma enorme rede de satélites. Ela é voltada para pessoas que vivem em áreas remotas, onde não há infraestrutura local como cabos e postes — caso de boa parte da Amazônia. >
Estima-se que mais de 6 mil satélites Starlink já foram lançados no espaço, segundo especialistas que monitoram satélites.>
Segundo a própria empresa, trata-se da maior constelação de satélites do mundo, com uma base de usuários em 37 países.>
Os satélites da Starlink foram colocados em órbita baixa ao redor da Terra para tornar as velocidades de conexão entre os satélites e o solo o mais rápidas possível.>
Quem lança os satélites é a própria SpaceX, que usa seu foguete Falcon 9 para isso.>
No Brasil, a Starlink diz ter mais de 250 mil clientes, incluindo pequenas empresas, escolas e socorristas. >
Segundo a Agência Brasil, ligada ao governo federal, órgãos públicos, como as Forças Armadas e tribunais eleitorais, têm contratos com a companhia. >
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo também afirma que a Marinha brasileira usa a internet da empresa em alguns dos principais navios da frota, alegando interesse experimental na tecnologia de Elon Musk.>
A Starlink recebeu sinal verde da Anatel para operar no Brasil em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A concessão vai até 2027.>
Lançada na região em setembro de 2022, a Starlink já é líder isolada entre os provedores de banda larga fixa por satélite na Amazônia legal. Segundo um levantamento exclusivo da BBC News Brasil, até julho de 2023 a empresa tinha antenas instaladas em 90% municípios da região.>
A maior parte destes clientes estão em regiões de difícil acesso na Amazônia, onde não há infraestrutura tradicional de internet de banda larga.>
A Starlink possibilita avanços importantes, como a possibilidade de uso de cartões de crédito e débito e Pix em cidades que não tinham internet de alta velocidade. >
Mas a expansão da tecnologia de Musk também impulsiona atividades ilegais, apontaram autoridades brasileiras à BBC News Brasil.>
"O Ibama informa que se tornou recorrente encontrar antenas Starlink nos garimpos", afirmou o órgão em meados de 2023. >
Imagens obtidas com exclusividade pela BBC mostram antenas da empresa de Musk junto a armas, munição e ouro recolhidos em operações da Polícia Federal e do Ibama.>
Ainda segundo especialistas, o acesso à internet de alta velocidade facilitou o trabalho de garimpeiros e traficantes de madeira e drogas da região. Até a chegada da empresa, o principal meio que eles tinham em locais isolados para se comunicarem sobre a chegada de carregamentos ou operações de repressão da Polícia Federal era o rádio.>
Segundo uma reportagem do jornal O Globo, a Advocacia-Geral da União (AGU) teria apresentado em abril ao STF um pedido para que a Corte emitisse uma liminar exigindo que a Starlink e pelo menos outras sete empresas que fornecem acesso à internet móvel via satélite dentro da terra indígena yanomami suspendessem seus serviços para todos os tipos de equipamentos, com exceção daqueles usados por órgãos de Estado.>
O objetivo do governo seria combater a atuação do garimpo ilegal na terra ocupada pelos povos yanomami, segundo o jornal. >
O domínio da empresa na conexão de regiões isoladas ainda levanta questões sobre segurança e soberania nacional, segundo especialistas brasileiros e estrangeiros ouvidos pela reportagem, especialmente depois da controvérsia recente sobre a dependência ucraniana de antenas da Starlink na guerra contra o Exército russo (veja mais abaixo).>
A tecnologia, ao mesmo tempo, trouxe transformações positivas a cidades e comunidades distantes dos grandes centros.>
No ano passado, indígenas yanomami instalaram uma antena Starlink que agora permite a comunicação em alta velocidade entre profissionais de postos de saúde e familiares de doentes em comunidades isoladas da Terra Indígena.>
"Nossa internet está funcionando perfeitamente", disse à BBC News Brasil Junior Yanomami, presidente da associação yanomami Urihi, na época. >
"Tem ajudado de forma excepcional, tanto para equipe de saúde, que diariamente repassa informações e solicitações de resgate, como para os yanomami, que nos comunicam sobre tudo que acontece na região em que está instalada a internet", completou o líder indígena.>
Em cidades em Roraima e no Acre, moradores também passaram a poder usar cartões de débito ou crédito — e até mesmo fazer pagamentos via Pix —, graças à estabilidade e velocidade da conexão à internet via Starlink.>
Em abril deste ano, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) desmentiu informações veiculadas de que o ministro da pasta, Paulo Pimenta, teria falado em rever contratos do governo federal com a Starlink.>
Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, um procurador do Ministério Público de Contas teria pedido ao Tribunal de Contas da União (TCU) a suspensão. A representação teria afirmado que os vínculos deveriam ser desfeitos por causa de “afronta à soberania nacional” por parte de Musk, após críticas do bilionário sul-africano ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). >
Neste ano, com as enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul, Musk anunciou que a Starlink iria doar mil terminais para as equipes de emergência, disponibilizando gratuitamente o uso de todos os terminais da região até sua recuperação.>
Em 2022, o bilionário chegou ainda a anunciar o lançamento da Starlink para 19 mil escolas desconectadas em áreas rurais e monitoramento ambiental da Amazônia. O empresário declarou estar "super animado" para o projeto depois de apertar as mãos do então presidente Jair Bolsonaro em um resort de luxo no interior de São Paulo em maio daquele ano. >
Mas a promessa não saiu do papel. Os Ministérios de Comunicações e Educação negaram, em abril deste ano, terem acordos firmados com a Starlink ou negociações em curso.>
A atuação da empresa é foco de controvérsia, com especialistas alertando que ela pode colocar decisões importantes sobre países e governos nas mãos de Elon Musk. >
A Starlink virou alvo de debates sobre segurança de dados no mundo em setembro de 2023, quando Musk admitiu não ter permitido que o governo da Ucrânia tivesse acesso à rede Starlink para evitar relação com o que definiu como um “grande ato de guerra”.>
"Se tivesse concordado com o pedido, a SpaceX (empresa que envia os satélites usados pela Starlink para o espaço) seria explicitamente cúmplice de um grande ato de guerra e escalada de conflitos", disse Musk, que foi criticado por autoridades ucranianas.>
Na época, o professor T.S. Kelso, ex-chefe do Instituto de Tecnologia e da Divisão de Análise Espacial do Comando Espacial da Força Aérea dos Estados Unidos, disse à BBC News Brasil que o debate sobre soberania nacional é "especialmente significativo".>
"Sistemas de comunicação são frequentemente mantidos sob controle governamental por vários motivos, da prevenção de comportamentos ilícitos à supressão de dissidências", disse naquele momento. >
"É de vital importância para a segurança nacional, por exemplo, para a Defesa, ter sistemas de comunicação seguros e confiáveis. Permitir que qualquer empresa – ou indivíduo – decida unilateralmente estas questões parece ter sérias implicações para a segurança nacional", continuou. >
O especialista em antropologia da tecnologia David Nemer, professor da Universidade da Virginia (EUA), concordou. >
"Quando a gente fala de internet, não está falando só de Twitter ou Facebook. Falamos de serviços vitais para o funcionamento de uma cidade. Dar esse poder à Starlink é muito preocupante", avaliou naquele momento. >
Colocar satélites em órbita baixa ao redor da Terra também pode levar a problemas de superlotação no espaço, afirmam especialistas>
"Os satélites podem atingir outras embarcações e criar fragmentos de destroços e estes, por sua vez, podem causar muito mais danos ao voar em altas velocidades", afirmou Sa'id Mosteshar, professor do Instituto de Política e Direito Espacial da Universidade de Londres, à BBC News. >
Diversos episódios de risco envolvendo satélites Starlink foram registrados, incluindo um incidente em que um deles quase colidiu com a estação espacial da China.>
"Se houver muitos fragmentos, isso pode tornar a órbita baixa da Terra inutilizável no futuro", diz Lucinda King, Gerente de Projetos Espaciais na Universidade de Portsmouth.>
"E podemos não ser capazes de sair da órbita baixa da Terra para órbitas mais altas, onde nossos satélites de navegação e satélites de telecomunicações estão situados.">
Em seu site, a empresa afirma estar profundamente comprometida "em manter um ambiente orbital seguro, proteger os voos espaciais humanos e garantir que o ambiente seja sustentável para futuras missões na órbita da Terra e além". >
Segundo a Starlink, seus satélites se movem automaticamente para evitar colisões com lixos espaciais. Também há sensores de navegação para que os equipamentos possam encontrar a melhor localização, altitude e orientação para envio de sinal de internet.>
A empresa também afirma que possui operadores de prevenção de colisões disponíveis 24 horas por dia para proprietários e operadores de satélites. >
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