Publicado em 15 de novembro de 2025 às 10:43
Uma análise do DNA do sangue de Adolf Hitler — com novas tecnologias — revelou descobertas extraordinárias sobre a ancestralidade do ditador alemão e também sobre possíveis problemas de saúde.>
Testes científicos minuciosos realizados por uma equipe internacional de especialistas conseguiram desmentir um boato sobre se Hitler tinha ascendência judaica (ele não tinha) e determinar que ele possuía uma condição genética que afeta o desenvolvimento dos órgãos sexuais — tudo isso a partir de um antigo pedaço de tecido manchado de sangue.>
Embora manchetes sensacionalistas tenham se concentrado sobre se o ditador nazista teria um "micropênis" e apenas um testículo, houve descobertas mais sérias na análise do seu DNA.>
O material genético de Hitler apresentou pontuações "muito altas" — no percentil superior de 1% — para predisposição ao autismo, esquizofrenia e transtorno bipolar.>
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Isso significa que ele tinha esses problemas neurológicos? Absolutamente não, dizem os especialistas. Não é um diagnóstico.>
Para muitos, surgiram preocupações sobre a estigmatização e a ética da pesquisa, o que leva à pergunta: será que ela deveria ter sido feita?>
"Eu sofri muito com isso", diz a professora Turi King nos primeiros minutos do novo documentário do canal britânico Channel 4 sobre a pesquisa, intitulado Hitler's DNA: Blueprint of a Dictator.>
A especialista em genética disse à BBC que, quando foi abordada pela primeira vez para participar do projeto há alguns anos, estava muito consciente das potenciais implicações de estudar o DNA de alguém como Adolf Hitler: "Não tenho interesse em sensacionalizar as coisas".>
Mas, segundo ela, era provável que alguém o fizesse em algum momento, e pelo menos sob sua supervisão ela poderia garantir que a pesquisa fosse feita com rigor acadêmico e com todas as "ressalvas e salvaguardas em vigor".>
A professora King conhece bem projetos de grande repercussão e sensíveis. Ela liderou a investigação genética para estabelecer a identidade do esqueleto de Ricardo 3º, após este ter sido descoberto enterrado sob um estacionamento em Leicester, em 2012.>
O pedaço de tecido ensanguentado — agora com 80 anos — foi retirado do sofá no bunker subterrâneo de Hitler, onde ele se suicidou quando as forças aliadas invadiram Berlim no final da Segunda Guerra Mundial.>
Ao inspecionar o bunker, o Coronel Roswell P. Rosengren, do exército americano, viu a oportunidade de obter um troféu de guerra singular e guardou o tecido no bolso. Agora, ele está emoldurado e em exposição no Museu de História de Gettysburg, nos EUA.>
Os cientistas estão confiantes de que se trata realmente do sangue de Hitler, porque conseguiram encontrar uma correspondência perfeita entre o cromossomo Y e uma amostra de DNA de um parente do sexo masculino, coletada uma década antes.>
Os resultados, que agora estão sob revisão por pares, são realmente fascinantes.>
Esta é a primeira vez que o DNA de Hitler foi identificado e, ao longo de quatro anos, os cientistas conseguiram sequenciá-lo para ver a composição genética de um dos tiranos mais horríveis da história.>
O que é certo, dizem os especialistas, é que Hitler não tinha ascendência judaica — um rumor que circulava desde a década de 1920.>
Outra descoberta fundamental é que ele tinha síndrome de Kallmann, uma doença genética que, entre outras coisas, pode afetar a puberdade e o desenvolvimento dos órgãos sexuais. Em particular, pode levar ao micropênis e à criptorquidia (uma condição médica nos testículos) — o que, se você conhece as músicas britânicas da época da guerra, era outro rumor que circulava sobre Hitler.>
A síndrome de Kallmann também pode afetar a libido, o que é particularmente interessante, afirmou o historiador e professor da Universidade de Potsdam, Alex Kay, que é entrevistado no documentário.>
"Isso nos diz muito sobre sua vida privada — ou, mais precisamente, que ele não tinha vida privada", explica ele.>
Os historiadores debatem há muito tempo por que Hitler era tão completamente dedicado à política, "excluindo quase totalmente qualquer tipo de vida privada", e isso poderia ajudar a explicar tal fato.>
Segundo os especialistas, esse tipo de descoberta é o que torna esses estudos fascinantes e úteis. Como afirma King: "a união da história e da genética".>
Mais complexos e controversos são os resultados que sugerem que Hitler pode ter tido uma ou mais condições neurodivergentes ou de saúde mental.>
Ao analisar seu genoma e compará-lo com pontuações poligênicas, os cientistas descobriram que Hitler tinha uma alta predisposição para autismo, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, esquizofrenia e transtorno bipolar.>
É aqui que a ciência se torna complexa.>
A análise poligênica examina o DNA de uma pessoa e calcula a probabilidade de ela desenvolver uma doença. Pode ser útil para detectar a predisposição de um indivíduo a doenças como problemas cardíacos e tipos comuns de câncer. No entanto, ela compara o DNA da pessoa com uma grande amostra populacional e, portanto, os resultados podem ser muito menos precisos quando se trata de um indivíduo específico.>
Ao longo do documentário, que a BBC assistiu, os especialistas fazem questão de reiterar que a análise de DNA não é um diagnóstico, mas sim uma indicação de predisposição — não significa que Hitler tivesse alguma dessas condições.>
No entanto, alguns geneticistas manifestaram preocupação com o fato de as conclusões terem sido simplificadas demais.>
Denise Syndercombe Court, professora de genética forense no King's College London, diz que os cientistas que estudaram o DNA de Hitler "foram longe demais em suas suposições".>
"Em termos de caráter ou comportamento, eu diria que isso é praticamente inútil", disse Court, que analisou a mesma amostra de sangue em 2018, à BBC.>
Ela disse que não gostaria de fazer nenhuma previsão sobre se alguém tinha uma doença específica com base nos resultados, devido à "penetrância incompleta".>
Simplificando, nas palavras de Sundhya Raman, também cientista genética: "Só porque você tem algo codificado em seu DNA, não significa que você o expressará.">
Isso foi expresso no documentário por Simon Baron-Cohen, diretor do Centro de Pesquisa do Autismo da Universidade de Cambridge, que disse: "Passar da biologia para o comportamento é um grande salto", afirma ele.>
"Ao analisar resultados genéticos como esses, corre-se o risco de estigmatizar. As pessoas podem pensar: 'Será que meu diagnóstico está sendo associado a alguém que cometeu atos tão monstruosos?'">
"O risco é um reducionismo com a genética", diz ele, quando há tantos outros fatores a serem considerados.>
A Sociedade Nacional de Autismo do Reino Unido reagiu à pesquisa, classificando as descobertas como um "golpe barato".>
"Pior do que a ciência de má qualidade, estamos chocados com o descaso insensível [do documentário] pelos sentimentos das pessoas autistas", disse Tim Nicholls, diretor assistente de pesquisa.>
"Pessoas autistas merecem algo melhor do que isso.">
A BBC levou essas preocupações ao Channel 4 e à Blink Films, a produtora que realizou o documentário.>
Em um comunicado, a produtora destacou que especialistas como Baron-Cohen "explicam que o comportamento de uma pessoa é produto de muitos fatores, não apenas da sua genética, mas também, e muito importante, do seu ambiente, desde a infância e as experiências de vida, a forma como foi criada, o acesso à educação e aos recursos, e os fatores culturais que a rodeiam".>
"O programa enfatiza que as informações genéticas reveladas nos filmes lançam luz sobre Hitler, mas não nos dizem que ele estava biologicamente predestinado a se comportar de uma maneira específica.">
O próprio título do documentário, especialmente a segunda parte: Blueprint of a Dictator (algo como "o mapa de um ditador", em português), também causou estranheza.>
A professora King disse que esse não é um nome que ela teria escolhido, e o historiador professor Thomas Weber, que aparece no programa, disse à BBC que ficou surpreso com o título, visto que eles haviam enfatizado que "não existe um gene ditador".>
O professor, que não tinha visto o documentário antes de falar com a BBC, disse que achou a análise de DNA ao mesmo tempo empolgante e preocupante.>
"Empolgante porque confirmou muitas coisas que eu já suspeitava sobre Hitler... mas eu tinha receio de que as pessoas não interpretassem demais a genética, como se estivessem tentando encontrar o 'gene do mal'.">
Ele também se preocupa com a forma como o programa está sendo recebido, especialmente por pessoas com autismo e outras síndromes mencionadas.>
Existem muitas dificuldades e armadilhas quando se tenta produzir um programa preciso sobre ciência complexa para o público em geral.>
"É televisão – às vezes as coisas são simplificadas demais", disse King, que tem muita experiência em equilibrar suas responsabilidades como cientista com as realidades da mídia.>
"Eles [os documentaristas] poderiam ter adotado uma abordagem diferente e optado por um sensacionalismo, mas não o fizeram; tentaram captar algumas nuances... e nós estabelecemos os limites.">
O Channel 4 defendeu o nome do programa dizendo que "DNA é coloquialmente conhecido como 'blueprint of life' (ou o 'mapa da vida')". Além disso, seu objetivo é "produzir programas que alcancem um público amplo, e este programa visa tornar ideias científicas complexas e pesquisas históricas acessíveis a todos os telespectadores".>
Existem muitas questões sobre a ética do projeto.>
O DNA de Hitler deveria ter sido examinado sem que fosse possível obter sua permissão — ou a de um descendente direto?>
E como isso se relaciona com o fato de ele ter sido responsável por uma das piores atrocidades da história? Isso anula o seu direito à privacidade?>
"Este é Hitler — ele não é um personagem místico sobre o qual ninguém possa realizar pesquisas de DNA. Quem toma essa decisão?", argumenta King.>
A historiadora Subhadra Das concorda: "É isso que os cientistas fazem. Existem centenas de pessoas que morreram há muito tempo e que tiveram seu DNA analisado; é uma prática comum na ciência e na arqueologia — o problema começa na forma como interpretamos esses dados.">
O historiador Alex Kay disse que não estava preocupado com o aspecto ético, "desde que os fatos estivessem presentes e nos certificássemos de que tudo seja verificado e revisado".>
E sobre se o DNA de Hitler deveria ter sido analisado: "Hitler está morto há 80 anos. Ele não tem descendentes diretos e não teve filhos. Ele foi responsável por um sofrimento incalculável — temos que ponderar isso em relação ao dilema ético de analisar seu DNA.">
Curiosamente, vários laboratórios na Europa se recusaram a participar do projeto. Foi um laboratório nos EUA que realizou os testes.>
Os documentaristas disseram à BBC que a pesquisa "passou pelo processo padrão de revisão ética para trabalhos acadêmicos", que inclui revisões realizadas em dois países.>
Então, essa pesquisa deveria ter sido realizada? A BBC conversou com diversos cientistas da área de genética e historiadores, e a resposta depende de quem você pergunta.>
Os participantes do documentário, naturalmente, dizem que sim. Isso ajuda a construir um perfil mais completo de Hitler, uma figura que ainda fascina e aterroriza na mesma medida, segundo eles.>
"Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para compreender o extremismo do passado", acredita Weber.>
"Sejamos honestos", diz Kay, "esses assuntos já existiam... não plantamos essa ideia na cabeça das pessoas de repente. Há décadas que se especula se Hitler tinha certos distúrbios.">
Nem todos os historiadores concordam.>
"Acho que é uma maneira muito duvidosa de tentar explicar o que motivou as ações de Hitler", diz Iva Vukusic, professora assistente de história internacional na Universidade de Utrecht.>
Vukusic, cujos estudos se concentram na perpetração de violência em massa, disse à BBC que entende o interesse das pessoas, mas "quaisquer que sejam as respostas que buscamos, elas não serão encontradas por meio de um teste de DNA".>
E embora a pesquisa seja interessante, corre o risco de obscurecer as verdadeiras lições da história, afirma Anne van Mourik, historiadora do Instituto NIOD em Amsterdã.>
A lição é que "pessoas normais, em certos contextos, podem cometer, instigar ou aceitar atos de violência horríveis".>
Ela afirma que focar no (possível) micropênis de Hitler não nos ensina nada sobre como a violência em massa e o genocídio funcionam e por que ocorrem.>
Com o estudo concluído e a pesquisa em processo de revisão por pares, os resultados completos estarão disponíveis em algum momento.>
Weber diz que elas devem ser usadas "com extrema cautela e sobriedade", mas tem esperança de que sejam úteis de alguma forma.>
"Essa é a grande vantagem dos resultados de pesquisa: eles podem se concretizar daqui a cinco, 150 ou 500 anos. Essa pesquisa estará disponível para a posteridade e tenho certeza de que pessoas inteligentes a utilizarão no futuro.">
Mas todos nós temos uma responsabilidade em relação à forma como utilizamos esses resultados.>
Kay afirma que todos devem "seguir a ciência" e deixar claro o que sabemos e o que não sabemos.>
Isso inclui a mídia e a forma como as notícias são divulgadas.>
"Qualquer pessoa que assista a este documentário tem a responsabilidade de escrever sobre ele com precisão, para garantir que não esteja contribuindo para a estigmatização.">
"Um documentário como este não existe isoladamente.">
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