Publicado em 22 de junho de 2020 às 18:00
Estados Unidos e Rússia iniciaram nesta segunda (22) uma rodada de negociações para tentar estender o prazo do seu principal acordo de limitação de armas nucleares, que expira em 5 de fevereiro de 2021. >
As chances de sucesso para a empreitada, contudo são limitadas pelo desinteresse do governo de Donald Trump no Novo Start (sigla inglesa para Tratado de Redução de Armas Estratégicas).>
O primeiro dos dois dias de conversa foi emblemático. O enviado de Trump, Marshall Billingslea, fez uma encenação, mostrando cadeiras vazias com bandeirinhas chinesas na sala em que reuniria com o vice-premiê russo, Serguei Riabkov, no prédio do Ministério das Relações Exteriores da Áustria, em Viena.>
"Negociações em Viena estão para começar. A China está ausente. Pequim ainda se esconde atrás da Grande Muralha do Segredo sobre o incremento de seu arsenal nucelar, e também sobre tantas outras coisas. Vamos proceder com a Rússia, de todo modo", escreveu.>
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O problema é que Pequim não faz parte do Novo Start, acordo assinado em 2010 por Barack Obama e Dmitri Medvedev, então presidente russo indicado por Vladimir Putin.>
Trump, que vive com os chineses uma versão 2.0 da Guerra Fria que seu país já travou com a Rússia enquanto União Soviética, quer os asiáticos num novo acordo.>
Pequim já disse que não participaria da renovação de um arranjo do qual não fez parte, até porque seu arsenal nuclear é uma fração daquele operado pelas antigas superpotências atômicas.>
Pequim tem 320 ogivas nucleares, todas estocadas, segundo a Federação dos Cientistas Americanos, referência no setor. Os EUA, 1.750 prontas para uso e os russos, 1.572, embora o estoque de bombas de Moscou seja maior que o americano.>
O Novo Start previa um teto de 1.550 ogivas operacionais para cada lado, e de 700 meios de transportá-las ao alvo, sejam aviões, submarinos ou mísseis lançados de silos em terra.>
Ao estilo mais incisivo de sua nova diplomacia, Pequim respondeu duramente. O chefe da área de controle de armas do Ministério das Relações Exteriores, Fu Cong, criticou o uso indevido de bandeiras chinesas e tuitou: "Boa sorte pela extensão do Novo Start! Me pergunto o quão baixo você pode ir".>
Já a representação chinesa em Viena, cidade que sempre hospeda negociações sobre o tema nuclear por ser sede da Agência Internacional de Energia Atômica, ironizou a foto de Billingslea: "Arte performática americana?".>
Os russos mantiveram a fleuma e se limitaram a postar uma foto da sala de reunião, sem a instalação americana.>
Troca de farpas à parte, a negociação tem tudo para dar errado, a começar pela ausência de China e outras potências como França e Reino Unido.>
A administração Trump tem dado repetidos sinais de abandono do arcabouço que manteve os dois principais arsenais nucleares do mundo sob algum tipo de escrutínio desde o primeiro acordo do gênero, de 1972.>
Há questões militares subjacentes às políticas. Os EUA temem que a modernização do arsenal russo de armas estratégicas, com a introdução de mísseis hipersônicos e até de um "torpedo do Juízo Final", tenha colocado o país atrás no campo, e veem os acordos egressos da Guerra Fria como limitadores dessa percepção.>
Especialistas não concordam com a assertiva integralmente, sem de todo modo inocentar Putin de buscar expandir suas capacidades nucleares enquanto publicamente se mantém disposto a obedecer aos mecanismos bilaterais de controle.>
A iniciativa, contudo, é de Trump. Ele já deixou um importante tratado para limitação do uso de mísseis de alcance intermediário na Europa e suspendeu a participação em outro que permitia voos mútuos de verificação de instalações militares, o chamado Céus Abertos.>
Ao mesmo tempo, revisou sua política nuclear para facilitar o emprego de armas de menor potência e ampliar o escopo de seu uso. Colocou em operação uma bomba desse tipo a bordo de submarinos neste ano, levando a Rússia a ameaçar com retaliação total caso qualquer míssil seja lançado das embarcações.>
Putin já alertou, na linha de especialistas no assunto, que os movimentos americanos levam o mundo a um patamar perigoso de confrontação nuclear. Washington ainda deixou o acordo nuclear que visava tolher capacidades bélicas dos iranianos e está com as negociações com a Coreia do Norte, que já tem a bomba, paralisadas.>
Tanto Billingslea quanto Riabkov deram declarações genéricas sobre as conversas.>
"A falta de limites verificáveis de armas nucleares russas traz um grande risco para a segurança nacional dos EUA e seus aliados, potencialmente disparando uma renovada corrida armamentista", afirmou em nota o Boletim dos Cientistas Atômicos, organização americana dedicada à não proliferação.>
"Tal estado das coisas tornaria ainda mais improvável a entrada a China em discussões de controle de armas", completa o texto, reforçando que Trump poderá conseguir exatamente o contrário do que diz querer com sua posição.>
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