Publicado em 4 de dezembro de 2024 às 05:44
O dólar não para de bater recorde atrás de recorde e ultrapassou pela primeira vez a barreira dos R$ 6.>
A disparada começou na quarta-feira (27/11) em antecipação ao anúncio do pacote de corte de gastos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
O dólar só aumentou desde que o plano do governo foi anunciado, superando dia após dia o maior valor histórico.>
Passou de R$ 6 na sexta-feira (29/11), subiu ainda mais, para R$ 6,06, na segunda-feira (2/12) e fechou na terça-feira a R$ 6,07.>
>
A moeda americana não chegava a esse patamar pelo menos desde maio de 2020, durante a pandemia de covid-19, quando a cotação atingiu R$ 5,90. >
A subida da cotação do dólar não deu até agora sinal de que vai arrefecer.>
Seria então o dólar a R$ 6 o novo normal? Que fatores estão impactando esta alta?>
Economistas e analistas do mercado ouvidos pela BBC News Brasil apontam que este aumento se deve principalmente às medidas econômicas anunciadas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). >
Além do corte de gastos, o governo Lula incluiu no pacote a isenção de imposto de renda (IR) para pessoas que recebem até R$ 5 mil por mês.>
Há dúvidas sobre o custo e o impacto da medida e até a interpretação de que seu objetivo é eleitoreiro.>
Outro fator é a incerteza no cenário internacional, principalmente relacionado ao futuro governo do presidente eleito nos Estados Unidos, Donald Trump, que tem prometido medidas protecionistas.>
Na avaliação dos entrevistados, ainda é difícil cravar que o câmbio vai se manter assim no longo prazo.>
Mas eles avaliam que a moeda pode ficar neste patamar ou até acima por algum tempo.>
>
Haddad anunciou, em entrevista coletiva na quinta-feira (28/11) uma série de medidas que buscam economia de R$ 327 bilhões em gastos públicos até 2030. Essas mudanças ainda dependem de aprovação no Congresso Nacional.>
Dentre as medidas, estão a limitação da valorização real do salário mínimo e no pagamento de abono salarial, extinção de certos benefícios na aposentadoria de militares, dentre outros.>
Mas o que tomou, de fato, as atenções do mercado, foi outro anúncio, de mudanças na tabela do imposto de renda a partir de 2026, isentando todos aqueles que recebem até R$ 5 mil por mês — atualmente, o limite é de R$ 2.824, ou dois salários mínimos.>
O governo prevê que o impacto da medida será de R$ 35 bilhões e propõe, como compensação, que aqueles que receberem acima de R$ 50 mil por mês paguem mais imposto — uma alíquota mínima de 10%.>
Em uma declaração pública feita após o anúncio do pacote, Haddad disse que houve uma "confusão muito grande" em relação à isenção do imposto de renda e que houve "ruído".>
"Sabíamos que o debate da renda ia exigir um aprofundamento da questão", disse Haddad.>
"Não é uma coisa que vai ser votada este ano. Nem deveria, pelo fato de ser uma matéria que tem que contar com o debate da opinião pública. Não é um assunto que vai ser resolvido em três semanas.">
O ministro também afirmou que a medida é “neutra”, ou seja, que não tem como objetivo aumentar ou diminuir a arrecadação, mas sim buscar promover uma maior justiça tributária.>
Na sexta-feira (29/11), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), divulgou uma nota em que disse que não haveria reforma tributária da renda sem haver condições fiscais.>
"A questão de isenção de IR, embora seja um desejo de todos, não é pauta para agora e só poderá acontecer se (e somente se) tivermos condições fiscais para isso", disse Pacheco.>
"Se não tivermos, não vai acontecer. Mas essa é uma discussão para frente, que vai depender muito da capacidade do Brasil de crescer e gerar riqueza, sem aumento de impostos.”>
Economistas e agentes do mercado ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que um dos motivos para a alta do dólar é a frustração com o pacote anunciado por Haddad.>
Seja porque se esperava mais dos cortes, seja pelo fato de este ter vindo acompanhado de uma proposta de isenção do imposto de renda.>
Para Josilmar Cordenonssi, professor de ciências econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), há uma desconfiança do mercado financeiro em relação ao governo Lula.>
"O mercado financeiro vê que o governo não tem intenção de resolver o problema fiscal", diz Cordenonssi.>
"O governo acha que o mercado é muito exigente, quer ganhar dinheiro com juros altos. O mercado é muito ressabiado de que a política fiscal do governo seja voltada à política eleitoral, populista, de diminuir impostos e aumentar transferências para as camadas mais pobres, que dão mais votos", prossegue. >
"Esse conflito de visões de mundo faz com que o mercado fique arredio em embarcar nessa política do governo.">
Na avaliação de Victor Gomes, professor no departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), o pacote tem pontos "bons" e "justos".>
"Mas quando você tem a necessidade de fazer restrição fiscal, não pode querer, ao mesmo tempo, fazer junto uma expansão fiscal. E sem colocar as coisas no papel. Você frustra demais todas as expectativas", diz Gomes.>
Tiago Sbardelotto, economista da consultoria XP, diz que há no mercado ainda muitas dúvidas de como será feita a mudança no IR e uma preocupação com seu impacto.>
"O governo fala em R$ 35 bilhões de impacto, mas nossa estimativa é de R$ 40 bilhões a 45 bilhões, podendo ser um valor maior, principalmente em como isso será compensado", afirma Sbardelotto.>
"Essa incerteza é muito grande e vai continuar nos próximos dias, trazendo bastante volatilidade e pressionando o preço do dólar.">
Outro ponto comentado por analistas ouvidos pela reportagem foi de que o pacote anunciado pelo governo ficou aquém do que era esperado, frustrando as expectativas do mercado.>
"Atualmente, a gente tem incerteza pelo lado fiscal. O pacote deveria sanar isso, enfrentar incertezas fiscais com algum tipo de resposta. O governo mandou um sinal ruim", avalia Gomes.>
"O mercado está procurando ativos mais seguros, e grande parte desses ativos estão no exterior.">
Cordenonssi ressalta que o câmbio reflete a falta de confiança do mercado financeiro na política fiscal do governo. >
“O mercado estava esperando há um bom tempo esse anúncio de corte de gastos, muito necessário para o equilíbrio das contas públicas, mas se decepcionou com o tamanho e a qualidade desses cortes, ainda mais acompanhado de uma desoneração”, diz o professor do Mackenzie.>
Na sua avaliação, faltou também um avanço mais significativo em se buscar uma maior eficiência dos gastos públicos. >
"São boas intenções que se fala, mas nenhuma medida efetiva nesse sentido", diz Cordenonssi.>
"Se a paciência [do mercado] estava bastante curta em relação à boa vontade do governo, o resultado não está agradando mais. A ala política está pesando mais nas decisões, e a reação do mercado não está sendo nada positiva.">
Para ele, "o mercado está vendo é que são questões mais para empurrar com a barriga para um próximo mandato.">
Sbardelotto diz que o pacote é "modesto" e avalia que há o risco de haver necessidade de uma nova reforma daqui a dois ou três anos. >
"O governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste mais profundo para manter o arcabouço fiscal", diz o analista da XP.>
Desde o que ex-presidente Donald Trump foi eleito nos Estados Unidos, no início de novembro, já havia a expectativa de valorização da moeda americana. >
A agenda prometida por Trump inclui deportação em massa de imigrantes sem documentos, tarifaço de importados e aumento de subsídios, o que pode elevar a dívida pública americana, alimentar inflação e reduzir a corrente de comércio global. >
No Brasil, a combinação pode ter efeitos negativos no curto prazo para a economia, com um ciclo de dólar mais alto e possível redução das exportações.>
Cordenonssi lembra que a economia americana e o dólar já vinham se fortalecendo antes das eleições americanas, mas que as medidas anunciadas pelo presidente eleito americano devem valorizar ainda mais a moeda no curto prazo.>
"Trump está prometendo reduzir impostos para as empresas americanas. Pode atrair mais empresas estrangeiras para investir nos Estados Unidos, portanto maior fluxo de capitais em direção ao país, fortalecendo o dólar", diz o professor. >
"Ao mesmo tempo, quer impor tarifas em importação de outros países, inclusive de parceiros, como Canadá e México. Isso pode ter um impacto inflacionário — e está todo mundo antevendo que haverá aumento da taxa de juros, o que aumenta a remuneração para quem aplica em dólar.">
A visão sobre a "incerteza" do novo governo Trump é compartilhada por André Roncaglia, diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor licenciado da UnB.>
Se o Banco Central americano, o FED, aumentar a taxa de juros diante das medidas de Trump, "o resultado seria atrair capitais do restante do mundo, o que, por sua vez, mantêm países de moedas mais voláteis com pressão constante sobre câmbio".>
Para Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, é difícil supor que o nível de câmbio será o novo normal no longo prazo.>
Mas Honorato ressalta que o dólar pode ficar como está ou até mesmo em um patamar ainda mais alto "até que haja uma percepção mais clara sobre a dinâmica futura da dívida pública".>
Ou seja, como o governo Lula vai lidar com o aumento do endividamento do país.>
Por isso, o economista avalia que é difícil fazer qualquer previsão para as próximas semanas. >
"Como as incertezas sobre a tramitação do pacote da renda irão prevalecer, o mercado tende a seguir bastante volátil", diz ele. >
Honorato destaca que o real segue bastante depreciado em relação ao seu histórico e também em relação aos pares emergentes.>
Roncaglia, do FMI, explica que o real pode ser encaixado na categoria de uma "moeda-commodity" — ou seja, é "muito usada como especulação no comércio e mercado financeiro internacional".>
Isso faz com que a moeda brasileira seja mais sensível às incertezas externas, explica o economista.>
Ele avalia que a combinação entre Trump, a agenda fiscal do Brasil e as desconfianças globais sobre a economia da América Latina "tendem a manter nossa moeda desvalorizada, à medida que essas incertezas externas não se dissiparem".>
Já na avaliação de Josilmar Cordenonssi, do Mackenzie, um fator crucial na conta será o sucesso do Banco Central do Brasil em controlar a inflação. >
"Se for bem-sucedido, o dólar tende a cair num cenário de médio prazo", diz Cordenonssi, prevendo a moeda americana mais perto de R$ 5 do que de R$ 6 nessa situação. >
Se ficar acima de R$ 6, explica o economista, é porque o Banco Central não vai conseguir segurar a inflação, mesmo subindo a taxa de juros: "Um cenário preocupante que temos que evitar ao máximo". >
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta