Publicado em 19 de dezembro de 2024 às 16:45
O Império Romano deixou como legado ao mundo ocidental, entre muitas coisas, os princípios do ordenamento jurídico praticado em dezenas de países, as raízes de línguas como o espanhol, o francês ou o português, e até a lógica com que operam os Corpos de Bombeiros nas cidades.>
Mas talvez haja um elemento menos conhecido desse legado: a festa do Natal.>
Em uma das principais celebrações do cristianismo, hoje marcada por árvores luminosas, papai noel, manjedouras e reuniões familiares, é difícil ver qualquer vestígio da cultura romana.>
Principalmente porque, por mais de cinco séculos, o Império Romano era um povo que acreditava em múltiplas divindades.>
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Mas qual é a ligação entre o Natal que conhecemos e a Roma Antiga?>
A resposta a essa pergunta se refere a uma celebração romana em particular: a Saturnália, o rito com o qual o inverno era recebido no Império Romano.>
"A escolha de 25 de dezembro como a data do nascimento de Jesus não tem nada a ver com a Bíblia; ao contrário, foi uma escolha bastante consciente e explícita de usar o solstício de inverno para simbolizar o papel de Cristo como a luz do mundo", diz Diarmaid MacCulloch, professor de história da Igreja na Universidade de Oxford, no Reino Unido, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.>
"Os costumes festivos e desregrados da Saturnália na mesma época do ano naturalmente migraram para a prática cristã, uma vez que no século 4° o cristianismo estava se tornando mais proeminente na sociedade romana. As novas crenças seriam mais bem aceitas se não entrassem em conflito com antigos costumes não cristãos", acrescentou.>
Mas quando ocorreu esse encontro entre os ritos romanos e as celebrações cristãs e como chegaram aos nossos dias?>
A Saturnália era um festival realizado pelos romanos antigos para celebrar o que chamavam de "renascimento" do ano, para marcar o solstício de inverno no calendário juliano (prevalente no império romano e na Europa durante séculos) que, curiosamente, era celebrado em 25 de dezembro.>
Porém, a festa começava oito dias antes, em 17 de dezembro, quando as normas que ordinariamente regiam a sociedade eram invertidas: os homens se vestiam de mulher e os senhores se vestiam de servos.>
Mas começaram então as semelhanças com o Natal que conhecemos nos dias de hoje: as casas eram decoradas com folhagens, velas eram acesas e... presentes eram trocados.>
"Essa celebração era realizada em homenagem ao deus Saturno (daí o nome) e sempre foi caracterizada pelo relaxamento da ordem social e pelo clima de carnaval", diz a historiadora Marguerite Johnson, da Universidade de Newcastle, na Austrália, em entrevista à BBC News Mundo.>
Johnson enfatiza que a celebração em homenagem a Saturno no início do inverno tinha um significado: Saturno era a principal divindade dos romanos.>
"Ele era o deus do tempo, da agricultura e das coisas sobrenaturais. Como os dias encurtavam e de alguma forma a terra morria de forma simbólica, era necessário que o deus do tempo e da comida ficasse feliz", explica Johnson.>
E como parte dessa tradição de agradar a divindade e outras pessoas, os presentes foram introduzidos.>
"Como parte das festividades, os romanos trocavam presentes: velas, chinelos de lã, chapéus e até meias. E o faziam entre famílias, enquanto os escravos desfrutavam de tempo livre.">
Mas a historiadora lembra que, além da festa da Saturnália, os romanos tinham outra celebração importante: a do "nascimento do sol invicto ou não conquistado" (Natalis Solis Invicti), que era celebrado todo dia 25 de dezembro, segundo diversos documentos dos tempos romanos.>
"No almanaque do século 4, o Calendário de Filocalus, menciona-se uma celebração do Invictus em 25 de dezembro, que é provavelmente uma referência ao 'Sol Invicto'", diz Johnson.>
"E é nesse documento que se faz a primeira menção que 25 de dezembro é o nascimento de Jesus", acrescenta a historiadora.>
A verdade é que, no fim da era romana, o Natal já fazia parte do calendário romano.>
Foi um processo gradual, segundo os historiadores, que teve a ver com uma hibridização ou amálgama de tradições.>
Em meados do primeiro século, os cristãos já haviam chegado a Roma e começaram a moldar a sociedade do império.>
"À medida que o cristianismo se tornou mais arraigado no mundo romano e a antiga religião politeísta ficou para trás, os cristãos se adaptaram a esses ritos estabelecidos e os tornaram seus", observa Johnson.>
"É muito plausível que tenham escolhido essa festa pela sua relação com o renascimento, mas dessa vez com o renascimento de Cristo, a quem ao mesmo tempo foi confiada a missão de os redimir e conduzir à vida eterna", acrescenta.>
Já no século 4° tudo passou a estar escrito: entre 320 e 353, o Papa Júlio 1º fixou a solenidade do Natal em 25 de dezembro, talvez como estratégia para converter os romanos.>
No ano de 449, o Papa Leão 1º estabeleceu a data para a comemoração do nascimento de Jesus como uma das principais festas da Igreja Católica, e finalmente o Imperador Justiniano em 529 a declarou feriado oficial do império.>
Então, começou-se a supor que Jesus havia nascido em dezembro. No entanto, no século 15, o historiador italiano Polidoro Virgilio começou a notar as semelhanças entre vários ritos pagãos e a celebração do Natal.>
"Polidoro Virgilio apontou a conexão entre a tradição predominantemente inglesa, 'The Lord of Misrule', que ocorria no dia de Natal, e o costume equivalente que ocorria durante a Saturnália. Ambos envolviam senhores e servos ou escravos trocando papéis por um dia", observa Johnson.>
Desde então, busca-se a data exata do nascimento de Jesus, que alguns historiadores situam em meados de março ou início de abril.>
Mas a influência é tão forte que continuamos a comemorar com presentes, festas e reuniões familiares no dia 25 de dezembro.>
Este texto foi originalmente publicado em dezembro de 2021.>
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