Publicado em 23 de agosto de 2023 às 05:13
Eleitora de Jair Bolsonaro no segundo turno em 2022, uma técnica administrativa de 42 anos que mora no Pará opinou sobre o que pensa que aconteceu no escândalo de suposto desvio e comércio ilegal de presentes de ouro e pedras preciosas dados ao Brasil no governo passado. >
"Quem se beneficiou da venda dessas joias foi o atual governo do PT, haja vista que quando se trata de dinheiro eles sempre dão um jeito de tomar as coisas das pessoas!", escreveu ela. >
Mas outro eleitor do "capitão" no ano passado, um gerente de 54 anos que mora no mesmo Estado, pensa de maneira bem diferente. >
"Apesar de ter votado no Bolsonaro, está mais claro que nunca que ele foi o beneficiado, assim sendo deve responder penalmente por esse crime. Pois está muito claro a sua participação no devido delito", assinalou.>
>
Opiniões de bolsonaristas com percepções tão opostas sobre o ex-presidente no caso já não surpreendem os pesquisadores do Monitor da Extrema Direita (MED) que monitoram 36 eleitores de Bolsonaro por meio de grupos de WhatsApp divididos em dois grupos: os convictos e os moderados. >
O projeto abrigado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) colheu suas opiniões sobre estes acontecimentos entre 14 e 17 de agosto. >
Bolsonaro nega ter cometido quaisquer irregularidades.>
Isso não o isenta de críticas, que embora ainda sejam minoritárias, são agora externadas sem constrangimento por eleitores que, no ano passado, digitaram 22 nas urnas da eleição presidencial. >
É um sinal de que fissuras já se formam no eleitorado bolsonarista, assim como vem sendo apontado por sondagens com um maior número de participantes.>
Mas a pesquisa do MED aponta um divisor claro entre eles: os mais críticos são em geral os apoiadores mais moderados. >
Diferentemente dos eleitores mais devotos, que seguem fechados com ele e buscam explicações para o caso das joias.>
A dona de um salão de beleza na Bahia atribuiu crimes a outras pessoas - não ao ex-presidente.>
"Eu confio totalmente na inocência de Bolsonaro", escreveu a cabeleireira. >
"O que ocorre é que durante um período de governo não tem como policiar todas as pessoas e saber seus pensamentos e atitudes. Resumindo: sempre tem traidores e ladrões nos domicílios de governos, mas quem acaba sendo prejudicado é o chefe de Estado, principalmente na questão do jogo do poder!" >
Isentar Bolsonaro de responsabilidade pelo desvio e venda das joias e atribui-los a supostos "traidores" tem sido apontada por analistas como uma possível estratégia do ex-presidente para se defender das acusações e atribuir a situação até a pessoas tratadas, pouco tempo atrás, como leais ao ex-presidente. >
O ex-ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid, foi citado como um destes traidores por alguns dos bolsonaristas do grupo.>
Cid é apontado pela Polícia Federal como um dos principais articuladores das vendas das joias. Sua defesa diz que ele teria cumprido ordens.>
No entanto, os bolsonaristas mais radicais não recuam, apontam os pesquisadores, mesmo se confrontados de que Cid era assessor direto e de confiança do ex-presidente.>
"A gente vê que, entre os convictos, esse assunto (das joias) não pega", diz a cientista política Carolina de Paula, doutora em Ciência Política pelo IESP-UERJ e coordenadora, com o colega João Feres Júnior, do projeto no Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da instituição, com apoio do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT). >
"É o que a gente chama de 'efeito teflon', não gruda nada.">
Ao analisar as interações dos eleitores mais radicais no WhatsApp, o relatório do MED afirma que "o grupo demonstrou acreditar piamente na inocência de Bolsonaro, argumentando que os presentes eram pessoais e não de Estado ou que ele havia sido traído por seus aliados". >
"Muitos falaram que se tratava de perseguição ao ex-presidente", aponta ainda. >
"A investigação seria mais uma tentativa fracassada de incriminá-lo.">
Entres os moderados, porém, o quadro é diferente. Há um sentimento generalizado de que é necessário investigar o escândalo para saber o que de fato aconteceu. >
"Por unanimidade, o grupo foi favorável à investigação, para que os fatos fossem prontamente esclarecidos e os reais envolvidos no caso julgados e punidos", apontou o relatório.>
"O grupo ficou dividido entre os que acreditavam na inocência de Bolsonaro e os que aguardavam mais informações sobre o caso. Alguns retomaram os discursos do ex-presidente estar sendo perseguido pelo PT.">
Há cinco meses, o MED acompanha os grupos de bolsonaristas por meio do Painel On-Line de Monitoramento de Tendências. >
Para participar da pesquisa, as pessoas devem revelar ter votado em Bolsonaro, ser de diferentes Estados e regiões do país e responder à pergunta-filtro: apoiaram ou se opuseram à suposta tentativa de golpe de 8 de janeiro? >
Os apoiadores foram então divididos entre radicais e moderados.>
Os participantes da pesquisa são remunerados, não se conhecem, e há alguma rotatividade: periodicamente, alguns saem e são substituídos por outros.>
Os temas de debate, não apenas de política (também se fala de costumes, por exemplo), são introduzidos por moderadores. >
Os participantes também são selecionados por critérios de sexo, raça, idade e outros, para dar maior diversidade aos grupos.>
Os temas são apresentados de três a quatro vezes por semana para debate, desde abril, mas todo dia há manifestações dos participantes.>
"Não é uma pesquisa estatística, que permita generalizações", diz Carolina de Paula, explicando que não se trata de um levantamento quantitativo.>
"É sobre o comportamento e a vida no país hoje. Não é só política. A gente trata de temas de costumes para tentar esse perfil também do eleitor bolsonarista.">
O trabalho gera relatórios periódicos, sobre vários assuntos.>
Carolina de Paula ressalta que, entre os moderados, é possível perceber que o caso das joias começou a gerar questionamentos e cobranças por apuração dos fatos.>
"Eles acreditam mais nas instituições da Justiça. Então, existe uma primeira, digamos assim, abertura. É um eleitor que pode ser mais flutuante", diz a pesquisadora. >
"A gente tentou algumas questões, por exemplo, sobre arcabouço fiscal, que eles apoiam. A gente vê que um eleitor que fica mais solto, então é um eleitor em disputa.">
Uma autônoma do Distrito Federal, de 28 anos, citada no relatório da pesquisa, parece se enquadrar nesse caso.>
"Também concordo com meus colegas, (o caso das joias) é algo que falta uma investigação melhor e mais detalhada, deve se averiguar, se foi mesmo a mando do presidente essa venda deve sim devolver e ser punido pela lei", disse ela.>
"Mas creio que se estava tanta gente tentando vender, então, todos eles citados no texto estavam sendo beneficiados, mas isso só cabe à Justiça investigar.">
Carolina de Paula considera "impressionante" a resiliência de Bolsonaro entre os eleitores mais radicais, apesar de a agenda anticorrupção seguir forte no segmento bolsonarista como um todo.>
Segundo a pesquisadora, alguns pontos chamam a atenção no discurso dos bolsonaristas mais radicais.>
Um é a repetição de falas muito ligadas ao PT, como se o caso das joias fosse uma orquestração de membros da legenda que hoje está no governo federal.>
Os discursos são muitas vezes parecidos, como se estivessem sendo replicados do que foi lido em outras fontes, como as redes sociais, segundo os pesquisadores.>
"Por exemplo, (a suposta existência de) contêineres com joias que o Lula teria, torna a narrativa única", avalia Carolina de Paula.>
"É uma mistura de fake news com visão limitada sobre as regras (legais).">
A pesquisadora vê duas possíveis consequências do escândalo.>
Uma é que Bolsonaro, em sua opinião, tenderia a perder apoio. As pessoas, lembra ela, não foram em massa às redes sociais para defender Bolsonaro, o que sinaliza, ao seu ver, um certo isolamento do ex-presidente.>
Outra consequência possível seria o impacto das suspeitas sobre a agenda anticorrupção, que continuou muito relevante para o bolsonarismo na campanha de 2022.>
"Nos debates, ele seguia atacando o Lula com esse assunto, muito pesado. Então, vai ficar mais difícil para esse campo, não só para o Bolsonaro, como para os aliados trazerem isso. Acho que esse é um dos principais reflexos para a próxima eleição.">
Pesquisas quantitativas divulgadas nos últimos dias apontam um desgaste do ex-presidente por causa do escândalo das joias, inclusive entre seus eleitores. >
Outra tendência detectada foi a maior resiliência de Bolsonaro em setores nos quais foi mais votado no ano passado.>
No entanto, essas sondagens não dividiram os eleitores bolsonaristas entre radicais e moderados.>
A última pesquisa Genial/Quaest mostrou que 19% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno opinaram que ele deveria ser preso por causa do escândalo das joias.>
O porcentual equivale a praticamente um em cada cinco eleitores do ex-presidente.>
Entre o eleitorado geral do país, a divisão é diferente. Nesse universo, 41% disseram que o ex-presidente deveria ir para a cadeia, e 43% declararam que não.>
Esse resultado é um empate no limite da margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos.>
A região Sul, onde o ex-presidente teve melhor desempenho, no ano passado, foi a única fora do empate técnico.>
Nela, a maioria (47% a 41%) afirmou que o presidente não deveria ser preso. >
A pesquisa foi feita entre 14 e 18 de agosto, com 2.029 pessoas nas cinco regiões do Brasil. Entre os entrevistados, 66% sabiam do caso das joias, e 34% declararam desconhecê-lo.>
"O resultado da pesquisa mostra mais um Fla-Flu", afirmou Felipe Nunes, diretor da Quaest, no X-Twitter, referindo-se à divisão política do Brasil. "O tema polariza a sociedade.">
Outra pesquisa, do Instituto Atlas Intel, feita por coleta virtual com 700 pessoas em 14 e 15 de agosto mostrou que 54,3% dos eleitores acreditam que Bolsonaro está diretamente envolvido no desvio das joias.>
Outro 35,4% afirmaram não crer nisso; e 10% não responderam.>
Quando foi perguntado se o ex-presidente cometeu crime ou erro no caso, 49,1% dos participantes disseram que ele cometeu crime; 30,8% não lhe atribuíram delito; 11,4% o responsabilizaram por um erro político, não um fato criminoso; e 8,6% não souberam responder.>
A pesquisa apontou que quase três entre quatro entrevistados afirmavam saber do escândalo das joias. A margem de erro da sondagem foi de 4 pontos porcentuais para mais e para menos, e a confiabilidade é de 95%.>
Dedicado a estudar os discursos bolsonaristas, João Cezar Castro Rocha, o professor de Literatura Comparada da Uerj, avalia que "talvez este seja um momento privilegiado para assistir à redução do bolsonarismo a um tamanho real".>
Para ele, é preciso distinguir o bolsonarista do eleitor eventual de Bolsonaro.>
"Um fenômeno similar aconteceu agora na Argentina", explica. >
"Nem todos os que votaram em Javier Milei comungam das ideias do Javier Milei. Mas é um voto de protesto, contra o que se considera um sistema político que existe para preservar os seus privilégios.">
O pesquisador calcula que, dos 58 milhões de votos de Bolsonaro no segundo turno do ano passado, no máximo 20% são bolsonaristas.>
Nada que ocorra os levará a desistir de apoiar o ex-presidente, porque sempre terão mecanismos mentais para justificar o apoio ao ex-presidente, afirma Rocha.>
"Você pode mostrar que o Bolsonaro vendeu o relógio. Eles já admitem, até porque o Frederick Wassef comprou. O que eles dizem? 'Ah, era presente pessoal'.", diz o pesquisador.>
"Imagine-se que fique configurado que não se poderia vender. O que eles dirão? Eles usarão a famosa frase: 'E o PT?' Sempre disporão de uma comparação mental de modo a desculpar o Bolsonaro.">
Os eleitores mais moderados, porém, na avaliação do professor, pode modular seu apoio conforme avancem as investigações do caso.>
"De um lado, haverá uma radicalização dos que já são bolsonaristas, uma radicalização violenta", explica. >
"Quanto mais choques de realidade houver, o núcleo do bolsonarismo vai se reduzir, mas o que ficar vai ser muito violento.">
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta