Publicado em 22 de dezembro de 2024 às 16:43
US$ 3,1 milhões (cerca de R$ 18,7 milhões).>
O magnata do sushi Kiyoshi Kimura pagou este valor extraordinário por um atum-rabilho (bluefin) em 2019, durante um leilão em Tóquio, no Japão. O atum de 278 kg (o mesmo peso de um urso-cinzento) foi o peixe mais caro da história.>
O atum é a família de peixes com maior valor comercial do mundo. E o atum-rabilho, tipicamente utilizado em sushis e sashimis, é o mais caro deles, segundo Sarah Glaser, diretora da equipe de futuro dos oceanos da ONG ambiental WWF nos Estados Unidos.>
Um único atum-rabilho atinge o preço de mais de uma tonelada de atum-bonito, a menor e mais abundante espécie de atum. O alto preço levou à pesca excessiva e a enorme demanda global por sushi reduziu gravemente a população da espécie, que chegou à beira da extinção em 2010.>
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Existem três espécies de atum-rabilho, ou bluefin: o do Atlântico, do Pacífico e do Sul.>
O atum-rabilho-do-atlântico se alimenta em águas do litoral da América do Norte, da Europa e da África. Eles desovam no Golfo do México e no mar Mediterrâneo.>
O atum-rabilho-do-pacífico desova no oeste do Oceano Pacífico e migra por mais de 8 mil quilômetros para se alimentar no litoral da Califórnia. E o atum-rabilho-do-sul se alimenta nas águas temperadas em volta da Austrália e migra para o sudeste de Java para desovar.>
Mas, nos últimos anos, os países criaram quotas de pesca mais sustentáveis e combateram a pesca ilegal. Com isso, a população de bluefins passou por uma extraordinária recuperação.>
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Em 2021, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) reduziu a classificação do atum-rabilho-do-atlântico de "ameaçado" para "menor preocupação". Paralelamente, o atum-rabilho-do-pacífico se recuperou, atingindo níveis superiores aos objetivos internacionais com uma década de antecedência.>
Já o atum-rabilho-do-sul continua ameaçado, mas não está mais "criticamente ameaçado" na lista vermelha da IUCN.>
"É uma grande história de sucesso", comemora o gerente do projeto de pesca da WWF, Alessandro Buzzi, especialista na pesca do atum.>
"Conseguimos reverter esta tendência de pesca excessiva e colapso iminente das populações em menos de 20 anos. Estamos agora em uma situação em que a pesca excessiva deixou de ser uma ameaça.">
Mas a espécie agora enfrenta outro desafio importante: as mudanças climáticas.>
Estudos demonstram que o atum-rabilho é altamente sensível às mudanças de temperatura. Mesmo pequenos aumentos afetam seu metabolismo, reprodução e hábitos alimentares.>
Os cientistas alertam que estas alterações causar impactos a outros animais marinhos e às comunidades de pescadores.>
Medindo entre 1,8 e 3 metros, o bluefin é o maior atum do mundo. Ele pode viver até 40 anos.>
Estes peixes são superpredadores. Eles caçam visualmente diversas espécies de peixe, como arenques e cavalinhas.>
Eles são peixes de sangue quente e estão entre os nadadores mais rápidos do planeta. Os atuns-rabilho migram por milhares de quilômetros todos os anos para desovar e caçar, mas seus padrões de migração, agora, começam a se alterar.>
Com o aumento das temperaturas dos oceanos, os atuns-rabilho estão se mudando para águas mais frias.>
Um estudo recente do Serviço Nacional de Pesca Marinha dos Estados Unidos concluiu que os atuns-rabilho-do-atlântico, grandes e pequenos, estão se mudando mais para o norte, até o litoral do Estado americano de Massachusetts, à velocidade de 4 a 10 km por ano.>
Cientistas irlandeses descobriram, em 2019, seis atuns-rabilho-do-atlântico gigantes que se afastaram das suas rotas de migração, estabelecidas entre a Irlanda e o golfo de Biscaia, entre a Espanha e a França, ou o Dorsal do Atlântico Norte, e se moveram mais para o norte, em direção à Islândia. Acredita-se que esta nova rota se deva a uma onda de calor marinho.>
"Estamos observando atuns-rabilho se alimentando em regiões incomuns, como o mar do Norte [entre a Escandinávia e o Reino Unido], em torno da Escandinávia e na Islândia", explica Buzzi. "Já estamos observando mudanças dos padrões de migração.">
Existem também preocupações com o impacto do aumento das temperaturas sobre os campos de desova, segundo Buzzi. Em junho e julho, os atuns-rabilho-do-atlântico migram para o Mediterrâneo para desovar, o que faz do mar Mediterrâneo o mais importante local de pesca de atum-rabilho do mundo.>
Mas o Mediterrâneo também é um foco da crise climática. As projeções indicam que, até o final do século, as temperaturas médias da superfície do Mediterrâneo irão aumentar em 1 a 3 °C.>
"Com restrições tão estreitas e sem muita circulação e renovação, em comparação com as grandes bacias oceânicas, o mar Mediterrâneo irá [sofrer] impactos muito maiores e mais rápidos com as mudanças climáticas", afirma Glaser.>
O aumento das temperaturas pode afastar os jovens atuns do Mediterrâneo nos próximos 50 anos, segundo um estudo da Universidade de Southampton, no Reino Unido. O estudo concluiu que temperaturas do mar acima de 28 °C prejudicam o metabolismo e o crescimento dos jovens atuns-rabilho.>
Para descobrir este limite crítico de temperatura, o professor de ecologia geoquímica Clive Trueman, da Universidade de Southampton, desenvolveu um método pioneiro, que analisa o metabolismo do atum-rabilho pelos seus ouvidos.>
Especificamente, Trueman e sua equipe procuraram uma característica chamada otólito – uma estrutura de carbonato de cálcio encontrada no ouvido interno dos peixes, responsável pelo seu equilíbrio e pela percepção de ruídos e vibrações.>
Da mesma forma que os anéis das árvores, os otólitos revelam a idade dos peixes e contêm isótopos que descrevem suas condições ambientais no passado, segundo Trueman.>
O professor explica que os isótopos de oxigênio revelam a temperatura da água onde os peixes viveram e os isótopos de carbono indicam a rapidez com que o peixe transformava alimento em energia – ou seja, seu metabolismo.>
"Estas duas informações em conjunto nos fornecem a temperatura à qual vivia o peixe e sua velocidade metabólica", explica Trueman.>
O nível de detalhes revelados pelos ossos sobre as condições de vida dos peixes não tem precedentes. "É surpreendente. Basicamente, é como ter um smart watch", diz o professor.>
Os atuns-rabilho precisam de água quente para desovar. Seus ovos se desenvolvem quando as temperaturas atingem 20 °C. Mas, se a água se aquecer acima de um certo limite, seu metabolismo começa a cair. "Este limite é de 28 °C", segundo Trueman.>
A temperatura do mar Mediterrâneo ultrapassou este limite crítico em agosto de 2024, quando a temperatura média diária da superfície chegou ao nível recorde de 28,45 °C.>
Segundo Trueman, estudos demonstram que a espécie passa a maior parte do tempo nos 20 metros superiores da coluna de água. "Por isso, é provável que as temperaturas da água da superfície no Mediterrâneo sejam realmente críticas para os atuns jovens (com menos de um ano de idade)", explica ele.>
À medida que aumentam as temperaturas dos oceanos, espera-se que o atum-rabilho mude suas áreas de criação para longe do Mediterrâneo até águas mais frias, como o golfo de Biscaia, segundo Trueman. "Se o habitat dos jovens realmente começar a mudar, eles serão forçados a [migrar para] locais com outros tipos de pesca tradicionais.">
A preocupação é que os jovens atuns acabem sendo pescados em locais de desova de anchovas e sardinhas no golfo de Biscaia. "É preciso pensar em como alterar o monitoramento ou as regulamentações de pesca para se adaptar a essa mudança de distribuição", explica o professor.>
A mudança dos padrões de migração também irá afetar as comunidades pesqueiras que dependem da pesca do atum para sua sobrevivência, segundo Alessandro Buzzi.>
"No Mediterrâneo, muitas comunidades pesqueiras dependem historicamente da passagem do atum pela sua região do litoral em determinada época do ano", explica ele.>
"O atum traz trabalho com base nessas migrações. Se as mudanças climáticas alterarem os padrões migratórios, este sistema pode deixar de ser confiável.">
"[Estas comunidades] não observam a mudança das temperaturas dos oceanos e os modelos ecológicos. O que eles veem é que precisam ir mais longe para pescar", segundo Sarah Glaser. "Eles veem que os peixes estão se mudando, que eles estão alterando seus hábitos migratórios.">
Buzzi destaca que comunidades pesqueiras menores já estão sofrendo os impactos das medidas rigorosas introduzidas para evitar a pesca excessiva do atum-rabilho nas últimas duas décadas.>
No início dos anos 2000, "costumava haver centenas de barcos de pesca de atum-rabilho na Itália... não havia regras", relembra ele. "Era possível pescar bluefin sem restrições, de qualquer idade, mesmo antes que eles atingissem a maturidade sexual.">
A livre pesca beneficiou barcos de pesca grandes e pequenos, mas também fez com que a população da espécie chegasse perto do colapso em 2007.>
As novas quotas de pesca rigorosas levaram ao colapso de grande parte do setor de pesca de atum-rabilho. "Agora, apenas 12 [barcos] estão autorizados a pescar bluefin", segundo Buzzi.>
Este sistema de quotas fortemente regulamentado favorece os barcos maiores, com observadores a bordo, em detrimento dos menores, explica ele. Em outras palavras, as restrições ajudaram a restabelecer a população de peixes, mas nem sempre priorizaram as necessidades das comunidades pesqueiras menores.>
Para Buzzi, "este é o próximo desafio que precisa ser enfrentado".>
Mesmo com a recuperação da população da espécie nos últimos anos, "o risco de extinção, infelizmente, nunca desaparece", segundo Glaser. "Se conseguirmos mudar nossas políticas e regulamentações e tornar a pesca muito mais sustentável, muitos peixes conseguirão se adaptar às mudanças climáticas.">
Mas isso é mais difícil para espécies de vida longa como o atum-rabilho – que não desova antes de cerca de oito anos de idade – do que para pequenos peixes pelágicos, como as sardinhas e as anchovas. Estes peixes menores se reproduzem com muita rapidez, de forma que suas populações têm maior capacidade de reação às mudanças de temperatura, segundo Glaser.>
Para Clive Trueman, "estamos a caminho da recuperação. Precisamos simplesmente garantir que não iremos afundar com o próximo problema à nossa frente. Outras questões estão surgindo.">
Por fim, Glaser destaca que os esforços globais para salvar a espécie não estão perdidos.>
"Eu diria cautelosamente que estamos observando avanços científicos importantes na população de atuns-rabilho em todo o mundo", afirma ela. "E isso me dá esperança.">
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.>
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