• Rachel Martins

    Uma jornalista que ama os animais, assim é Rachel Martins. Não é a toa que ela adotou duas gatinhas, a Frida e a Chloé, que são as verdadeiras donas da casa. Escreve semanalmente sobre os benefícios que uma relação como essa é capaz de proporcionar

Por que crianças devem aprender desde cedo a respeitar os animais?

Publicado em 14/03/2023 às 18h23
Estudos demonstram que o desenvolvimento de sentimentos positivos sobre animais na infância pode contribuir para a autoestima e a autoconfiança de uma criança

Estudos demonstram que o desenvolvimento de sentimentos positivos sobre animais na infância pode contribuir para a autoestima e a autoconfiança de uma criança. Crédito: Shutterstock

Quem tem filhos e animais de estimação em casa sabe como essa relação faz bem às crianças e adolescentes. Agora, imagine se a causa animal entrasse para a grade curricular das escolas desde o ensino básico? Afinal, é notório o grande poder da educação e sua enorme contribuição para formar cidadãos de bem. Mas é algo que precisa ser feito desde cedo, conscientizando-os quanto à importância de respeitar qualquer ser vivo.

A psicóloga, especializada em desenvolvimento adulto e felicidade, Angelita Corrêa Scardua, explica que vários estudos demonstram que o desenvolvimento de sentimentos positivos sobre animais na infância pode contribuir para a autoestima e a autoconfiança de uma criança. Isso acontece porque ao criar percepções positivas em relação aos animais, ela desenvolve maior disposição para estabelecer relacionamentos de confiança com outras pessoas.

“Aprender a respeitar os animais ajuda a criança a entender que eles são seres que merecem consideração porque em alguns aspectos são parecidos conosco – pois assim como nós, sentem fome, frio, dor, prazer, alegria, tristeza… Mas que sendo de espécies diferentes também possuem necessidades que lhes são próprias. Conseguir olhar para o outro ser e perceber suas necessidades específicas, ao mesmo tempo em que reconhecemos as similaridades que há entre ele e nós, é a base do comportamento empático. É por isso que educar as crianças para respeitar os animais pode ajudar também no desenvolvimento da comunicação não-verbal, que é essencial para o aprendizado da compaixão e da empatia”, ressalta.

Segundo ela, ter um animal de estimação estimula o senso de responsabilidade infantil à medida que essas crianças vão desenvolvendo sentimentos e comportamentos associados à empatia e à compaixão.

"Esses sentimentos ajudam a entender que o animal precisa de cuidados, assim como ela também. Ou seja, há um aprendizado sobre o que é a vida, o que é necessário para mantê-la, sobre o trabalho que dá nutrir, limpar, cuidar de um ser vivo. Fornece lições essenciais, incluindo reprodução, nascimento, doenças, acidentes, morte e luto, necessárias para o desenvolvimento emocional, contribuindo para que a criança desenvolva a capacidade de lidar com a frustração, a perda e a aceitação de limite"

"Esses sentimentos ajudam a entender que o animal precisa de cuidados, assim como ela também. Ou seja, há um aprendizado sobre o que é a vida, o que é necessário para mantê-la, sobre o trabalho que dá nutrir, limpar, cuidar de um ser vivo. Fornece lições essenciais, incluindo reprodução, nascimento, doenças, acidentes, morte e luto, necessárias para o desenvolvimento emocional, contribuindo para que a criança desenvolva a capacidade de lidar com a frustração, a perda e a aceitação de limite"

Angelita Corrêa Scardua

Além disso, Angelita explica que a força do vínculo afetivo criado entre a criança e o animal incentiva a capacidade de cooperação, que vai se desenvolvendo nas brincadeiras, nos momentos de aconchego, nas muitas aventuras reais ou imaginárias vividas entre a criança e seu amigo de quatro patas.

“É por isso que o animal de estimação, em muitos momentos, atua para a criança como suporte afetivo, podendo se tornar destinatário seguro de segredos e pensamentos privados. É um ouvinte solícito, que não emite julgamentos ou opiniões, não briga, não interrompe, apenas ouve, dando a ela a chance de elaborar pensamentos e emoções que muitas das vezes ainda não são claros. Vemos isso nos diálogos que as crianças estabelecem com seus animais de estimação, da mesma forma que fazem com as bonecas ou bichinhos de pelúcia”, garante.

Também pode, de acordo com Angelita, ser um veículo importante entre a criança e a natureza, incentivando-a a estar em contato com ambientes naturais, contribuindo, assim, com a sua saúde física e emocional, ajudando a diminuir o estresse, melhorando a qualidade do sono, a capacidade de atenção e, consequentemente, os processos de aprendizagem.

“Uma criança tutora de um animal de estimação tem mais chances de ser ativa. Dados de um estudo longitudinal feito com 4 mil crianças, com idades entre cinco e sete anos, demonstraram que aquelas de dois a cinco anos com um cachorro na família eram mais ativas, passavam menos tempo em telas e tinham melhor qualidade de sono do que as que não tinham animal de estimação”, afirma.

A psicóloga explica que há no cérebro humano uma disposição evolucionária para simpatizar e acolher animais domésticos como cães e gatos, que têm sido companheiros de jornada dos humanos há milhares de anos. “Essa é a razão pela qual, a maioria das crianças tem uma genuína curiosidade em torno deles, tendendo a apresentar comportamentos e sentimentos gentis, carinhosos e entusiasmados em relação aos nossos amigos de outras espécies”.

Mas ela também faz um alerta importante: “Eventualmente, porém, algumas crianças podem ser excessivamente rudes ou até mesmo abusivas no contato com animais. Num primeiro momento, isso pode caracterizar apenas um exercício de curiosidade, de experimentação, principalmente as menores, que não compreendem bem ainda os limites do próprio corpo, e também não compreende os do animal. O problema é se esse comportamento se repetir, persistir, desconsiderando as tentativas de fuga do animal; o grito e o desconforto que ele demonstra conforme vai aumentando a escala desses abusos. Nesses casos, o comportamento da criança ou adolescente pode ser um sinal de problemas emocionais significativos e, sendo assim, deve ser encaminhada a um psiquiatra para uma avaliação abrangente, e necessitará de acompanhamento psicológico. Caso o problema não seja tratado, há chances consideráveis de que essa criança ou adolescente venha a se envolver em comportamentos criminosos quando adulta”.

Por isso, na sua opinião, é altamente recomendável na educação infantil a inserção de conteúdos que propiciem um melhor entendimento sobre a natureza dos animais, de suas necessidades e especificidades”, conclui.

Seres sencientes, não objetos

A médica-veterinária e professora universitária, Priscila Camargo, também acredita que essa conscientização das crianças desde cedo em relação à causa animal é muito importante.

“Viemos de um tempo em que animais eram tidos como coisas e, portanto, se adoecessem ou se ‘funcionassem’ de forma diferente do desejado, eram simplesmente descartados, e até mesmo submetidos a punições e abusos. Hoje, com a evolução da Ciência, são reconhecidos como seres sencientes, não objetos, precisam ser respeitados e cuidados. A mudança desses conceitos na cabeça das pessoas ainda é um processo gradual, mas a lei precisa ser cumprida, afinal maltratar animais é crime. Com certeza essa mudança de consciência será bem mais rápida se houver a difusão de boas informações, seja partindo de órgãos oficiais, seja por meio da mídia (com respaldo técnico) ou nos ambientes educacionais”, garante.

Priscila acredita que quanto mais cedo essa informação e os exemplos positivos chegarem ao indivíduo, nas escolas, nas mídias e, especialmente na família, a criança aprenderá a respeitar os animais e a se responsabilizar por eles, especialmente aqueles que escolherem para viver junto à família. Para ela, as escolas têm papel fundamental nesse processo.

"Mas para que as informações passadas sejam corretas e bem fundamentadas, é primordial o envolvimento de profissionais como médicos-veterinários e biólogos. É um equívoco achar que levar animais para a sala de aula e deixar as crianças tocarem basta. Elas precisam entender, antes de mais nada, que os pets não são brinquedos, que as necessidades básicas desses seres vivos devem ser respeitadas. Além disso, o animal tem instinto e comportamentos típicos da espécie, que não raro podem representar risco ao ser humano quando a exposição a ele não é realizada de forma segura e respeitosa"

"Mas para que as informações passadas sejam corretas e bem fundamentadas, é primordial o envolvimento de profissionais como médicos-veterinários e biólogos. É um equívoco achar que levar animais para a sala de aula e deixar as crianças tocarem basta. Elas precisam entender, antes de mais nada, que os pets não são brinquedos, que as necessidades básicas desses seres vivos devem ser respeitadas. Além disso, o animal tem instinto e comportamentos típicos da espécie, que não raro podem representar risco ao ser humano quando a exposição a ele não é realizada de forma segura e respeitosa"

Priscila Camargo

Para pautar qualquer trabalho na garantia do bem-estar animal, a médica-veterinária explica que as crianças e adolescentes devem conhecer as cinco liberdades básicas de forma clara: livre de sede, fome e desnutrição, com fácil acesso à água fresca e dieta adequada; livre de desconforto, devendo ser garantido ao animal um ambiente adequado, confortável para seu descanso; livre de dor, lesões e doenças, além de ter acesso à prevenção, diagnóstico e rápido tratamento, livre para expressar seu comportamento normal, tendo espaço suficiente, instalações adequadas e podendo estar em companhia de outros da própria espécie; livre de medo e estresse patológico, assegurando a ele condições que evitem o sofrimento mental.

“Tudo que fere as cinco liberdades compromete o bem-estar animal e pode ser caracterizado como maus-tratos. Quando compramos ou adotamos um animal, nós nos tornamos legalmente responsáveis por ele e, automaticamente, por garantir suas cinco liberdades”, ressalta.

Para Priscila, quando a criança recebe essas informações desde bem novinha, as chances de crescer respeitando os animais é muito maior. “Com o tempo, o que se observa é que acaba se tornando tão natural que elas nem precisam se esforçar para agir de forma respeitosa. E acabem também educando os adultos, o que é incrível! Meu segundo filho, na época com 8 anos, uma vez veio com uma ‘pérola’ muito interessante, que ilustra bem o que estou dizendo. Numa noite de lua cheia, minha sogra comentou que o pai dela dizia que aquela era ‘lua de caçar tatu’. Ele rapidamente respondeu: Nossa, vovó! Ainda bem que seu pai já morreu. Ele não era uma pessoa legal’. Para uma criança que cresceu respeitando os animais, vendo os pais médicos-veterinários buscando garantir a vida e o bem-estar deles, a caça é algo impensável”, garante.

E para finalizar sua opinião, a médica-veterinária ressalta que quando se educa as crianças conscientes de que os indivíduos vivem num grande ecossistema, no qual todos são importantes, criam-se adultos melhores e um mundo mais saudável para se viver. “Com o aumento da expectativa de vida, pensar no futuro deixou de ser apenas uma preocupação para as futuras gerações, nós também podemos e queremos estar lá, nesse futuro. Eu pretendo viver minha vida bem lá na frente num mundo mais equilibrado e amoroso, com mais respeito a todas as formas de vida e, consequentemente, com muito mais saúde física e mental”, conclui. .

Alunos aprendem a respeitar os animais

A gestora escolar do Centro Educacional São Geraldo, Maria Bernadete Gobbi Lellis, já trabalha a causa animal com os alunos da educação infantil e do ensino médio. “O projeto da Ong Pra Mia chegou até nós pela colaboradora Maria Lindaura, uma defensora da causa. A partir daí, elaboramos um planejamento que perpassa o contexto didático-pedagógico, o sócio-emocional e as famílias dos alunos, conscientizando-os dos cuidados para com os animais em situação de vulnerabilidade, promovendo campanha de adoção e ensinando as boas práticas de cuidar do meio ambiente, pois o projeto incentiva o recolhimento de tampinhas plásticas que são posteriormente vendidas e cujo valor é revertido para a castração de animais resgatados das ruas”.

Maria Bernadete ressalta que as atividades acontecem durante o ano letivo, contextualizadas em cada área de estudo/séries. 

"Mas o ápice é a gincana solidária que acontece em agosto, pois o projeto estende o cuidar, também, para as instituições carentes do município fazendo doações e promovendo a ação cidadã com os educandos"

"Mas o ápice é a gincana solidária que acontece em agosto, pois o projeto estende o cuidar, também, para as instituições carentes do município fazendo doações e promovendo a ação cidadã com os educandos"

Maria Bernadete Gobbi Lellis

Para ela, é muito importante educar pensando no desenvolver da responsabilidade, do cuidar que fortalece a identidade do ser em formação. “Todos fazemos parte do meio ambiente, então ter mais altruísmo, mais afeição pelos animais, só traz uma melhor qualidade de vida emocional para quem cuida. É uma relação de troca onde ambas as partes ficam bem”, termina.

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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