• Joana Pellerano

    Joana Pellerano é professora e pesquisadora dos estudos da alimentação. Aqui, serve contos e crônicas para acompanhar bolo com café (ou a dupla favorita do seu estômago).

Um conto de Natal

Publicado em 27/12/2023 às 12h42
Rabanadas da Monte Líbano

Rabanada. Crédito: Monte Líbano/Divulgação

Supermercado, 22 de dezembro, 19h30. Acotovelamento na sessão de congelados. Filas minhocando em todos os caixas. Carrinhos tão abarrotados quanto. Entre a Simone que bomba no alto-falante e o barulhinho dos códigos de barras valorizando cara em vez de coração, uma voz destaca-se na multidão.

- EU ODEIO O NATAL!

- Mas, querida, o que houve?

- Eu ODEIO o Natal. Odeio essa música. Odeio essa fila. Odeio essas luzinhas irritantes. E ODEIO ESSA AVE!

O peru voa do carrinho para o chão e ganha um chute tão forte que vai parar no corredor das bebidas. O homem, sem entender, acompanha o voo do pássaro congelado. Os companheiros de fila observam a cena com o canto do olho.

- Há um mês não sei o que é descanso. Não consigo fazer a unha. Saio do trabalho direto para esse PESADELO. É um tal de comprar a árvore, enfeites; enfrentar shopping para escolher presentes. E agora aqui. Eu até perdi o episódio de Grey’s Anatomy e pra quê? Para que não falte essa massaroca de frutas cristalizadas que ninguém vai comer?

Um novo chute derruba a pirâmide de panetones. Agora ninguém disfarça e encara mesmo; até os caixas se levantam nas pontas dos pés para acompanhar a cena.

- Ah, e eu odeio rabanada.

- O que, mulher?

- ODEIO RABANADA.

- Olha, eu entendo que você está sob muita pressão. Essa época do ano faz isso mesmo com as pessoas…

- ODEIO! Sempre odiei.

- OK, calma. É melhor a gente esfriar a cabeça para não dizer nada de que vamos no arrepender depois…

- O-D-E-I-O R-A-B-A-N-A-D-A.

- AH, NÃO, isso já é demais. Era pra todo mundo estar contente com a chance de festejar, abraçar a família. Mas nããão, em todo o canto só tem reclamação. O Natal virou o saco de pancadas do calendário. Eu aguento calado. Mas aí me vem você, VOCÊ, e insulta a única coisa boa e pura dessa época do ano?

- Hein?

- Eu preciso ficar sozinho. Me deixa. Vou pra casa da minha mãe. Só me procura depois do carnaval!

E saiu batendo o pé, deixando a mulher semicatatônica no meio daquele mar de Jingle Bells.

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