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Alta no gás obriga capixabas a cozinharem com madeira e carvão

Alta no gás obriga capixabas a cozinharem com madeira e carvão

Reajustes no preço do botijão de gás têm estrangulado receita de famílias, que buscam alternativas para poder comer e pagar as contas

Publicado em 29 de outubro de 2021 às 17:00

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Gás de cozinha teve reajuste de 35,8% somente este ano. (Freepik)
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Cleumirlene Leite, de 37 anos, moradora da Serra, se divide entre o gás de cozinha e a lenha para fazer comida para uma família de sete pessoas. Desempregada desde o início da pandemia, ela e o marido, que só recentemente conseguiu um emprego, passam sufoco na hora de pagar as contas. Depois de quitar a água e a energia, sobra pouco dinheiro para o gás.

Pensando em economizar, o marido construiu um fogão a lenha improvisado, usado de modo geral para cozinhar. Quando é para esquentar algum alimento, a família usa o fogão a gás. “Assim, a botija de gás dura dois meses. Mas com o preço alto do gás, a gente quase não acha mais lenha, porque muitas pessoas aqui no bairro estão usando lenha para cozinhar no lugar do gás. No fogão a lenha usamos usamos galhos de árvore e madeira de reaproveitamento”, conta.

Com o preço da botija de gás custando, em média, de R$ 75,99 a R$ 110 no Espírito Santo, causando um impacto negativo tanto na economia quanto nos bolsos dos capixabas, famílias estão vivendo situações críticas, já que é necessário fazer escolhas, uma vez que o gás de cozinha já custa quase 10% do salário mínimo (atualmente em R$ 1.100). Somente neste ano, o Gás Liquefeito de Petróleo, conhecido pela sigla GLP teve reajuste de 35,8% nos postos de vendas e de 48% nas refinarias. Com isso, cada vez mais pessoas se arriscam no Estado e se veem obrigadas a usar madeira, carvão e até mesmo álcool para cozinhar.

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Raquel de Jesus de Souza improvisou um fogão a lenha para conseguir economizar o gás. (Arquivo pessoal)

Como tem sido a opção de Raquel de Jesus de Souza, 51, também moradora da Serra. Com a pandemia, Raquel, que trabalha como ambulante na porta de escolas, teve de mudar algumas rotinas dentro de casa com a queda na renda, agravada pelo alto preço do gás de cozinha. Com um fogão improvisado, ela e a família utilizam madeira e carvão para fazer quantidades maiores de comida que levam mais tempo para cozinhar, como o feijão.

“Tenho três botijas de gás aqui em casa, mas não tenho como encher as três. Então, cozinho tudo o que precisa de mais tempo no fogo com carvão ou lenha. Eu gostaria que congelassem o preço do gás, para dar uma parada no aumento dos preços”, diz.

Já Laura Barbosa Oliveira, 64, moradora de Vila Velha, recorreu à ajuda do irmão quando o gás acabou. Ela também recebe cestas básicas doadas por meio da comunidade. “Meu irmão comprou o gás para mim, mas está tudo muito caro. Quando vou cozinhar com o gás, já faço uma quantidade um pouco maior para não ter que gastar mais. A gente vai levando, mas creio em Deus de que ele não vai me desamparar”, afirma.

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Laura Barbosa Oliveira recorreu à ajuda do irmão quando o gás acabou. (Arquivo pessoal)

AUMENTOS SUCESSIVOS

Os sucessivos aumentos, tanto dos combustíveis quanto do gás de cozinha, têm causado uma alta de preços em alimentos, transportes e outros itens essenciais para a população. Tanto que o Boletim Focus divulgado pelo Banco Central (BC) no dia 4 de outubro fez uma estimativa da inflação oficial do país, que passou de 8,45% para 8,51%. Esta é a 26ª elevação consecutiva na projeção.

“O aumento dos derivados do petróleo causa um impacto muito grande para as famílias, principalmente por conta do aumento do diesel, que causa reajuste nos preços do transporte, locomoção. E isso é repassado para o consumidor final. O gás subiu mais do que o reajuste dos salários. O trabalhador fica muito prejudicado, mas o impacto é sempre maior entre os mais pobres”, destaca o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clovimar Cararine.

Para tentar reduzir o impacto desses aumentos, o governo do Espírito Santo decidiu congelar a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incide sobre derivados de petróleo, como gasolina e diesel. No entanto, o gás de cozinha já tinha passado por esse congelamento desde julho, ou seja, os aumentos ainda continuam acontecendo por conta da Política de Preços de Paridade de Importação (PPI) praticada pela Petrobras desde 2016.

Para calcular o preço dos derivados de petróleo que chegam para o consumidor final, são levados em conta elementos como a variação internacional do barril do petróleo, cotação do dólar, custos de transporte e uma margem para evitar prejuízos. De acordo com o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES), Valnísio Hoffmann, com o real desvalorizado, os preços ficam elevados, impactando o dia a dia da população.

“Além da PPI, temos o grande problema da privatização. A Liquigás (distribuição de gás liquefeito de petróleo) foi privatizada com a promessa de que o preço do botijão cairia pela metade. Não aconteceu porque os compradores são investidores e só pensam no lucro. Com o gás natural foi a mesma coisa. A Petrobras vendeu os gasodutos por US$ 36 bilhões (R$ 197 bilhões) e agora paga US$ 3 bilhões (R$ 16,41 bilhões) por ano para alugar esses mesmos gasodutos”, conta.

PROJETO DE LEI “DESCONTO GÁS”

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei para a criação do “Desconto Gás”, subsídio mensal voltado para famílias de baixa renda, que segue agora para o Senado. Pelo texto, o desconto será para as famílias que estão inscritas no Cadastro Único, com renda familiar mensal per capta menor ou igual a meio salário mínimo ou que um de seus integrantes esteja recebendo o benefício de Prestação Continuada (BPC).

Na mesma semana, a Petrobras se manifestou, informando que será criado um programa social para um subsídio de R$ 300 milhões para a compra do gás, em um período de 15 meses. O benefício seria concedido a famílias em situação de vulnerabilidade social. O programa ainda está em fase final de estudos, que incluem o critério de escolha das famílias e na busca de parcerias para ampliar o valor a ser investido.

Por outro lado, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), entidade que representa cerca de 100 mil trabalhadores do setor de petróleo, divulgou, no mesmo dia, uma nota criticando a alta dos reajustes do preço do gás de cozinha e também do valor destinado a atender as famílias. Segundo a nota, os R$ 300 milhões “vão atingir apenas 2% dos atendidos pelo Bolsa Família - uma parcela muito pequena diante das necessidades da população”. A nota ainda pede medidas mais “consistentes de apoio a famílias de baixa renda” e ressalta que “enquanto o PPI não mudar, os preços continuarão a disparar”.

“A intenção de subsídio da Petrobras veio depois das várias ações dos sindicatos, mas o valor envolvido é pífio frente à carestia que estamos vivendo. Ou o abatimento no valor final será pequeno ou vamos abarcar todos em situação de calamidade. Em suma, não resolve. Esperamos soluções mais concretas por parte do Governo Federal”, acrescenta o diretor do Sindipetro-ES Etory Feller.

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Valnísio Hoffmann, diretor do Sindipetro: "Além da política de preços, temos o grande problema da privatização" . (Victor Adams/Sindipetro)

DOAÇÕES E SUBSÍDIO

Enquanto as novas medidas não entram em vigor, entidades como a Central Única das Favelas (Cufa) buscam atender às necessidades das populações em situação de vulnerabilidade. O presidente estadual da Cufa no Espírito Santo, Gabriel Costa Nadipeh, afirma que a situação dentro das comunidades é “cada vez mais catastrófica”.

Enquanto a taxa de desemprego gira em torno de 14% nas comunidades de baixa renda, esse índice pode chegar a 22%, afirma Gabriel, que também aponta a redução das doações, já que anteriormente foi possível, inclusive, realizar uma ação com uma distribuidora de gás, atendendo 8,5 mil famílias. Hoje, o socorro funciona de forma pontual às famílias mapeadas pela entidade.

“A campanha de doações está aberta desde o início da pandemia e arrecadamos de tudo, desde produtos a valores. Já socorremos várias famílias com isso, inclusive no fornecimento de botija de gás. Mas estamos num ponto muito crítico de desestabilização social. Não temos previsão de uma medida eficiente, apenas a dificuldade crescente das pessoas sem perspectiva para mudar esse quadro”, atenta.

O Sindipetro também tem realizado ações, principalmente relacionadas à entrega de gás de cozinha a famílias carentes. Segundo o diretor da entidade, Valnísio Hoffmann, no período de um ano e 10 meses, já foram entregues mais de 1 mil botijões de gás, sempre em parceria com algum movimento social, inclusive a Cufa, que possui mapeamento de várias famílias em situação de risco na Grande Vitória.

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Sindipetro tem realizado ações, principalmente relacionadas à entrega de gás de cozinha a famílias carentes. (Sindipetro/Divulgação)

“Na maioria das ações fazemos subsídios, em que geralmente o preço da botija sai pela metade do preço. Mas em algumas situações, onde as pessoas estão em risco, optamos por entregar a botija integral. Nos três projetos de Cozinha Solidária na Grande Vitória, uma ação realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que distribui almoço gratuito para famílias de periferia nos centros urbanos, nós é que estamos bancando o gás de cozinha que é utilizado para fazer comida para a população”, ressalta Valnísio Hoffmann.

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