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Tecnologia vira arma de combate à corrupção

Tecnologia vira arma de combate à corrupção

Órgãos públicos contam com robôs e sistemas para cruzar dados

Publicado em 3 de março de 2018 às 22:21

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Uma mala é aberta ao lado de um computador, fios são conectados, alguns botões pressionados e pronto. A contabilidade paralela de uma empresa sonegadora passa para as mãos de fiscais da Receita. Em outro lugar, diversos bancos de dados financeiros e pessoais são cruzados e, em poucos minutos, suspeitas de fraudes em contratos e conluios saltam na tela do computador do investigador.

Esses são exemplos de estratégias inovadoras e, ao mesmo tempo, obrigatórias em tempos de informatização extrema: tecnologia de ponta sendo usada para combater crimes, inclusive corrupção. Como as novas tecnologias também são usadas para o mal, órgãos de controle, fiscalização e investigação têm levado conceitos de "big data", "robôs", "mineração e cruzamento de banco de dados" para dentro das rotinas.

A Operação Lava Jato, a maior de combate à corrupção da história do país, por exemplo, não teria resultados tão vultosos se não fosse o auxílio de softwares aprimorados ao trabalho da força-tarefa.

"É uma questão inevitável. Todas as partes dos negócios e as transações estão indo para o lado digital e o volume de informações tem crescido muito", afirmou o especialista em segurança da informação Gilberto Sudré.

Na Secretaria estadual da Fazenda (Sefaz), tecnologia implementada no início do ano para vasculhar dados ocultos e não declarados em HDs e celulares está sendo usada em seis operações em andamento. A pasta tem o seu laboratório forense.

De acordo com o chefe da Fazenda, Bruno Funchal, já ficou no passado a fiscalização que demandava muito tempo gasto revirando papéis de poucas empresas. Na tela de um computador estão as compras feitas com cartões, compras e vendas de produtos, notas fiscais e balanços. A máquina filtra comportamentos suspeitos automaticamente.

"Boa parte da sonegação ou da burla não vai ser transmitida via balanço contábil. É feita no caixa da empresa, no computador da empresa. E essa informação não é transmitida para a Sefaz. E na hora de auditar, com novos equipamentos, a gente pega informações que não foram transmitidas", disse.

Há também tecnologia útil para combater a corrupção indiretamente. O Tribunal de Contas do Estado (TCES), por exemplo, desenvolveu o Sistema de Avaliação dos Portais (SAPo) de Transparência das prefeituras, usado desde 2015. O programa foi abastecido com um complexo critério de pontuação para cada item presente ou ausente nos sites.

O SAPo elabora um ranking de problemas, o que pressiona gestores a providenciar melhorias, como disponibilizar dados públicos para consulta e fiscalização popular.

"O que queremos avaliar e as possíveis respostas são cadastradas com um determinado peso e automaticamente um índice é gerado", explicou o coordenador do Núcleo de Tecnologia da Informação do TCES, Pedro Busatto.

"Agiliza. A gente trabalha com duas telas. Numa a gente abre o portal e na outra, o SAPo", disse o Coordenador do Núcleo de Tecnologia do TCES Pedro Busatto. (Marcelo Prest)

DINHEIRO

No Ministério Público, uma tecnologia relevante tem sido eficaz para alcançar criminosos de colarinho branco. É o Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro (LAB), capaz de mapear movimentações financeiras suspeitas e dar agilidade e eficiência aos promotores de Justiça que investigam organizações criminosas que lavam dinheiro e sonegam impostos. A estrutura analisa tecnicamente informações coletadas e pode mapear transações financeiras.

O Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas, da Polícia Civil, também deve lançar o próprio LAB em breve. "Hoje, temos que pedir informações à Receita Federal, aos bancos estaduais e federais. O LAB tem uma linha direta com todos os bancos. Não precisaremos tramitar documentos físicos e algo que demoraria três ou quatro dias poderá ser resolvido em uma hora", disse o chefe da Polícia Civil, Guilherme Daré.

ANÁLISE

Parte das instituições está no passado

"Nem todos os órgãos públicos reagem da mesma forma. Só alguns, com planejamento e visão de futuro, têm adotado ferramentas tecnológicas, como com big data (manejo de quantidades impressionantes de dados). A grande parte continua no século passado. Geralmente, as alternativas vêm de colaboradores mais jovens, que passaram recentemente em concursos e têm intimidade com a tecnologia. Do mesmo jeito que o uso das informações foi modernizado, os criminosos também se modernizaram. Eles até se sentem mais seguros para cometer fraudes no mundo digital porque acham que é mais difícil serem pegos. Na internet, muitas vezes, acham que passarão anônimos, o que é um mito", explicou o especialista em segurança da informação e computação forense, Gilberto Sudré.

NO MESMO NÍVEL DE SOFISTICAÇÃO DAS FRAUDES

Ágora. Do grego, a praça das cidades gregas antigas, palco das assembleias do povo. Do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, um sistema de informática que fará a sociedade cearense conhecer as contas dos gestores públicos do Estado em poucas horas após a entrega das informações.

Até o final de março, o Ágora entra em funcionamento no tribunal nordestino. A promessa é de economia de meses no trabalho de análise das prestações de contas.

"O Ágora recebe todas as informações de forma estruturada. Todas as prestações de contas serão feitas de forma automática. Uma análise que era feita em seis meses será feita em uma virada de noite. Pela manhã, quando chegarmos, os relatórios estarão prontos", explicou o secretário-geral de controle externo do TCE-CE, Raimir Holanda Filho.

Outro mecanismo que o tribunal apresenta como exitoso é o SAS Fraud Framework. Um conjunto de computadores e de servidores capazes de cruzar “gigantescas bases de dados” sobre atividades da administração pública. Mas quanto mais elevada e potente é a tecnologia, mais caro ela custa. Essa, por exemplo, custou R$ 1,2 milhão aos cofres públicos. Segundo Holanda Filho, é um gasto que vale a pena. Na primeira auditoria do sistema, foi detectada suspeita de fraude de R$ 500 milhões, com 7 mil casos de possíveis acumulações de cargos.

Após o framework fazer a "parte difícil", o auditor recorre a outro programa para consultar o que o sistema organizou. "Consigo saber se o proprietário de uma empresa é proprietário de outra, se uma empresa participou de licitação com outra ou se empresas estão sempre juntas em licitações. Demora coisa de dois minutos. E são milhões de dados, de todas as empresas", comentou Holanda.

Na avaliação do secretário, a alta tecnologia é necessária para fazer frente à complexidade dos crimes cometidos. "Se o trabalho é com detecção de fraude e corrupção, sem meios sofisticados não é possível. Não tem como identificar com métodos convencionais de fiscalização. A sofisticação das fraudes é grande. Se não formos no mesmo ritmo delas, não conseguimos pegar. O crime é organizado, sofisticado. Sem os meios adequados, ficamos para trás", afirmou.

Raimir Holanda Filho, do Tribunal de Contas do Ceará, explica novos mecanismos. (Divulgação/TCE-CE)

FERRAMENTAS USADAS NO ESTADO

Laboratório

O Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro do Ministério Público do Estado é um sistema que permite acesso ágil a informações sobre movimentações financeiras. Auxilia na investigação contra organizações criminosas e na recuperação de recursos públicos desviados. A Polícia Civil se prepara para ter o próprio LAB.

Extração

A Receita Estadual tem equipamentos capazes de extrair dados de dispositivos eletrônicos com rapidez. A tecnologia é útil para localizar contabilidades paralelas de empresas sonegadoras. É capaz de localizar arquivos suspeitos, ocultos ou criptografados. Há seis investigações em andamento nas quais o sistema é utilizado.

SAPo

Gerencia índice dos Portais da Transparência. A partir do acesso aos sites, o Sistema de Avaliação de Portais atribui notas a cada quesito. Se um portal não apresenta contratos e licitações de uma prefeitura, por exemplo, a avaliação cai e o município é provocado a se adequar.

Mapa de rede

A Polícia Civil está montando uma estrutura para combater crimes cibernéticos. A proposta é conseguir mapear a internet com alguma precisão e identificar, por exemplo, criadores e propagadores de fake news (notícias falsas).

QRUEL

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