Publicado em 14 de janeiro de 2019 às 22:39
Um dia histórico para a república italiana. Foi em tom triunfalista, e com calorosos acenos ao novo governo brasileiro, que a Itália recebeu Cesare Battisti após 38 anos de fuga do terrorista condenado à prisão perpétua pelo homicídio de quatro pessoas no final dos anos 1970.>
Para o italiano de 64 anos, a epopeia que se estendeu por países como França, México, Brasil e Bolívia, onde foi preso no final de semana, terminou na manhã desta segunda-feira no aeroporto de Ciampino, em Roma.>
No ato final de um dos mais longos e complexos casos da diplomacia italiana, o governo populista de direita, no poder há sete meses, aproveitou o embalo do midiático evento para reforçar a imagem de linha-dura também presente no Brasil de Jair Bolsonaro.>
Giuseppe Conte, o discreto premiê, foi efusivo nos agradecimentos a Bolsonaro no pronunciamento que fez horas depois da chegada de Battisti. "A mudança de governo no Brasil foi determinante para esse resultado. Eu falei com Bolsonaro e o agradeci muito", disse.>
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Matteo Salvini, ministro do Interior e líder da Liga, partido de extrema direita, também conversou com o brasileiro por telefone e o exaltou em entrevistas e nas redes sociais.>
Os dois se aproximaram em setembro, durante a campanha eleitoral, quando começaram a trocar afagos no Twitter e o então candidato declarou apoio à extradição do terrorista -as agendas dos políticos são parecidas em temas como críticas à globalização e à imigração e na defesa de mais armamento para a população.>
Sobre o governo do autodeclarado socialista Evo Morales, que por fim autorizou a expulsão de Battisti e abreviou o seu retorno, também houve agradecimento, mas o nome do boliviano nem sequer foi mencionado pelos ministros do governo italiano.>
"Nosso objetivo foi fazer o voo mais rápido e seguro para a Itália", acrescentou Giuseppe Conte, sobre o fato de Battisti não ter passado pelo Brasil, como queria o governo Bolsonaro.>
A expulsão também desobrigou a Itália a cumprir os termos do processo de extradição determinados pelo Supremo Tribunal Federal. A corte autorizou a extradição do italiano, mas a condicionou ao cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro que veta a prisão perpétua e estabelece 30 anos como a pena máxima.>
"Ele ficará preso pelo resto dos seus dias", declarou Salvini. O Ministério da Justiça italiano confirmou que Battisti cumprirá a pena de prisão perpétua. Como escapava da Justiça havia 38 anos, ele não terá direito aos benefícios de regressão da pena -que no seu caso começaria após cumprir dez anos- nem a possíveis acordos de colaboração premiada, instrumento que possibilitou a sua condenação.>
Battisti vai passar os primeiros seis meses em isolamento, também previsto para os condenados à prisão perpétua. Ele foi transferido na tarde desta segunda-feira para um presídio em Oristano, na Sardenha, ilha italiana a 45 minutos de voo de Roma.>
Inaugurada pelo estado italiano em 2012, a penitenciária de segurança máxima abriga em cinco alas cerca de 250 presos condenados por crime organizado (máfia) e terrorismo.>
No futuro, não é improvável a sua transferência para Milão. Um dos magistrados responsáveis por condená-lo, baseado na cidade, já avisou que pretende interrogar Battisti numa ação que acaba de abrir para apurar a rede de italianos que deu proteção a ele nas últimas décadas.>
Sua chegada a Roma envolveu uma forte esquema de segurança e até desviou o trânsito em algumas ruas da capital. Battisti desceu do avião com um leve sorriso que logo conteve -não tão escancarado como na sua prisão no Rio de Janeiro, em 2007.>
Segundo os agentes de polícia que o acompanharam desde a Bolívia, o italiano estava tranquilo, contou detalhes de sua fuga do Brasil e dormiu boa parte das 15 horas de voo até a Itália. Depois, agradeceu o tratamento recebido.>
Apesar de ter se transformado num grande evento para o governo, a oposição de centro-esquerda também saudou o retorno do terrorista.>
A única manifestação pró-Battisti foi vista numa faixa estendida ao lado do Coliseu, em Roma (não se sabe por quem), que pedia sua liberdade e anistia.>
Cesare Battisti reconhece ter feito parte do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), um dos grupos responsáveis pelos crimes do período conhecido como "anos de chumbo", entre os anos 70 e 80 -período democrático em que o governo eleito enfrentou grupos armados de direita e esquerda.>
O italiano, contudo, nega os crimes e diz ser vítima de uma perseguição, sendo condenado à revelia por uma delação firmada por um antigo companheiro do PAC.>
Após fugir da prisão em 1981, ele se refugiou na França, onde viveu alguns anos antes de se mudar para o México. Ele voltou para Paris na década seguinte, onde viveu até 2004 protegido por uma legislação aprovada pelo governo François Mitterrand, que não reconhecia a lei italiana antiterrorismo.>
Naquele ano seu status de refugiado foi revertido por decisão do então presidente francês, Jacques Chirac. No Brasil, onde ele foi preso em 2007 e depois receberia refúgio, sua condição também foi alterada com a mudança do governo.>
Com a prisão de Battisti, comemorada na Itália por políticos de diferentes colorações, o governo anunciou que continuará a trabalhar pela extradição de outros condenados por terrorismo nos "anos de chumbo" que continuam no exterior -pelo menos 50 pessoas continuam refugiadas em países como França, Suíça,>
Argentina e Nicarágua, segundo centro de pesquisa dedicado à luta armada dos anos 70.>
DÉCADA DE 1970>
Envolve-se com grupos de luta armada de extrema esquerda. Entre 1977 e 1979, o grupo PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), ao qual ele era ligado, comete os assassinatos do agente penitenciário Antonio Santoro, do joalheiro Pierluigi Torregiani, do açougueiro Lino Sabadin e do agente policial Andrea Campagna. Battisti é condenado pelos crimes.>
DÉCADA DE 1980>
Foge da Itália e passa a maior parte do tempo no México. É condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, acusado de quatro homicídios.>
DÉCADA DE 1990>
Exila-se em Paris (França), protegido por legislação do governo Mitterrand.>
2004
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Sem Miterrand, França aprova extradição para Itália; foge em direção ao Brasil, onde vive clandestino.>
2007>
É preso no Rio.>
2009>
Ministério da Justiça dá a ele status de refugiado político. STF aprova extradição, mas condiciona decisão ao presidente da República.>
2010>
Lula, então presidente, decide pela permanência de Battisti no Brasil.>
2011>
STF valida decisão de Lula, e Battisti é solto. Governo concede visto de permanência a ele.>
2017>
Em setembro, defesa entra com habeas corpus preventivo no STF para evitar extradição. Caso fica sob relatoria de Luiz Fux. No começo de outubro é detido em Corumbá (MS) por evasão de divisas e, dias depois, recebe habeas corpus. Temer decide extraditá-lo, mas espera decisão do STF sobre o habeas corpus. Fux concede liminar impedindo a extradição até que a corte decida sobre o habeas corpus. Em dezembro, Battisti se torna réu no caso da evasão de divisas.>
2018>
Em dezembro, o ministro do STF Luiz Fux decide de forma monocrática pela prisão. Em seguida, Temer assina a extradição. Battisti foge.>
2019>
Em 12 de janeiro, o terrorista é preso na Bolívia.>
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