Senador Marcos do Val (PPS), prefeito Audifax Barcelos (Rede), deputada federal Alê Silva (PSL-MG), a ministra Damares Alves e ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Todos eles, além de envolvimento com a política, têm outro ponto em comum: sofreram ameaças recentemente. Especialistas acreditam que o momento seja favorável para o comportamento violento devido à descrença da sociedade nas instituições públicas, à intolerância à opinião contrária e à falta de perspectiva econômica.
E a intimidação sofrida ocorre com políticos e pessoas públicas de diferentes partidos ou posições ideológicas. O parlamentar capixaba, por exemplo, recebeu e-mails com ameaças de morte a ele e à própria família. Consequência? A irmã precisou mudar de Estado. Já Jean Wyllys, por difamação e também ameaças de morte a pessoas próximas, abriu mão do mandato e mudou-se do país. E, na campanha eleitoral do ano passado, houve a facada desferida no presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Para o doutorando em História e professor de Relações Internacionais, Comunicação e Direito da Universidade Vila Velha (UVV) Rafael Simões, a ameaça a qualquer cidadão por opiniões e posicionamentos públicos é algo inaceitável. Mas, quando trata-se de políticos, põe em risco também a democracia.
"Quando um político é ameaçado, você fere todos os eleitores que votaram nele e toda a sociedade que ele passa a representar", afirma.
E por que isso está ocorrendo justamente com políticos? O professor de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Júlio Pompeu observa que o meio político alimenta a agressividade como método. "Não se contesta pelas ideias. Geralmente é algo ofensivo ou difamatório." As críticas, segundo ele, muitas vezes recaem sobre quem discursa, e não sobre o conteúdo. Por isso, para ele, em vez de discutir temas, a sociedade acaba por debater pessoas.
Pompeu acrescenta que isso é comum em relação aos políticos também por ocuparem posições de influência, são alvos e autores. E Simões destaca que a política, nos últimos tempos, se transformou em elemento de escândalo. "Os políticos ficaram como a face ruim da nossa democracia", analisa.
RETROCESSO
Ao longo da História a violência e a política sempre estiveram vinculadas, afirma o historiador Fernando Achiamé. "Em Roma, Júlio César foi morto por um grupo de senadores em um contexto político extremado", relembra. E em um período não muito distante, em 1963, o Senado Federal teve até morte. O pai do ex-presidente Fernando Collor, Arnon de Mello, matou a tiros outro senador. "Ele errou os tiros, que eram contra um inimigo político do próprio Estado."
As intimidações recentes acontecem em todas as esferas e, inclusive, entre membros do mesmo partido. A deputada federal Alê Silva (PSL-MG) acusou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que também é do PSL, de tê-la ameaçado. A parlamentar diz que o ministro estava com "ódio mortal" após descobrir que ela foi a denunciante de candidaturas laranjas do partido e disse, por meio de intermediários, que acabaria com a carreira política dela. O ministro nega as acusações.
AMBIENTE ATUAL DESPONTA VIOLÊNCIA
Especialistas acreditam que as instituições públicas serem colocadas em xeque o tempo todo propicia o ambiente de intimidações. "O Congresso é mal visto, assim como o Poder Executivo, o meio acadêmico e a própria ciência. Isso gera inseguranças", avalia Pompeu.
Simões complementa que as instituições precisam levar mais a sério as ameaças. "Para que se concretizem, é um passo. Elas precisam debater isso publicamente, para mostrar a não aceitação desse tipo de comportamento", afirma.
O primeiro passo das grandes crises políticas e morais é sempre a crise econômica, na opinião de Pompeu. A violência aparece como justificativa, segundo ele, quando os cidadãos não enxergam regularidade na economia e esperança nas instituições públicas e policiais.
"Quando as pessoas empobrecem, não veem perspectiva no futuro e aderem com facilidade a discursos autoritários e salvadores da pátria", opina Pompeu.
Outro fator, apontam especialistas, é a intolerância com quem pensa diferente. "Que garantia temos nós, cidadãos comuns, que teremos nosso direito garantido ao expormos nossa opinião?", questiona Simões. Para ele, a sociedade vive em um perigoso período de intolerância. "E isso se manifesta em vários comportamentos: feminicídio, racismo, homofobia", exemplifica.
REDES SOCIAIS REFORÇAM COMPORTAMENTO
A internet é definida, por muitos, como "terra sem lei". Por lá, são disparados comentários de ódio diariamente. Para Pompeu, redes sociais disseminam os comportamentos violentos. "Se sentem à vontade para serem truculentos, pois têm a ilusão do anonimato. Há pessoas que reforçam os comentários racistas, machistas, misóginos. Ameaçam de morte as outras pessoas e encontram quem aplauda, critica Pompeu.
Um dos casos mais recentes de ameaças via redes sociais é o de Jean Wyllys. A Polícia Federal informou, em janeiro, que abriu cinco inquéritos para apurar as ameaças de morte ao ex-deputado, entre 2017 e 2018. O ex-parlamentar optou, este ano, por não assumir o mandado e mudar-se do Brasil. O motivo, segundo ele, foram as constantes intimidações e o conteúdo falso na internet.
PERIGO PARA DEMOCRACIA
Voltar a discutir ameaças de morte no meio político, para Simões, é um grande risco à democracia. Para ele, é um sinal de que a sociedade volta para os tempos em que a violência contra o adversário era algo aceitável. "Se acha que justifica do ponto de vista pessoal, vai achar razoável o uso da violência para tomada de poder. E aí é o fim da democracia", opina.
E qual o rumo disso? Para Pompeu, as pessoas aprendem que a vida é melhor sem conflitos. E, para ele, o problema é que aprende-se mais pela razão ou pela dor. "Infelizmente, a História mostra que aprende-se mais pela dor. Resta saber quantos serão agredidos atacados até aprendermos que a vida é compartilhada com quem pensa e sente de forma diferente de nós", diz o professor.
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