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Guerra do tráfico: gangues trocam ameaças pelas redes sociais

Guerra do tráfico: gangues trocam ameaças pelas redes sociais

No meio dos ataques está a população, no histórico conflito de traficantes nos morros da Grande Vitória

Publicado em 6 de setembro de 2018 às 18:37

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Sem medo de mostrar o rosto e exibindo armas, criminosos que disputam os pontos de tráfico na Grande Vitória trocam ameaças em redes sociais sem demonstrar preocupação em serem encontrados pela polícia. No mundo virtual, eles ainda planejam abertamente conflitos armados. Para a polícia, a intenção é amedrontar e impor poder. 

Traficantes do Morro do Alagoano e Caratoíra, em Vitória, por exemplo, prometeram conflitos armados para os próximos dias no Twitter. Na mensagem, um suspeito que usa o nome, seguido do número 182 - identificação utilizada por traficantes para referir-se à linha de ônibus da região, posta a mensagem “os cria tem visão além da quebrada”. A informação, na linguagem do tráfico, quer dizer que o criminoso está vigiando os arredores do morro, para inibir a chegada de inimigos.

Algumas horas depois, um perfil de outro suspeito responde com ameaças. O rival avisa que ele não deve ficar desatento, pois “logo logo” eles estariam no Morro do Alagoano para uma troca de tiros. Revoltado com a provocação, o rival responde que estaria preparado para trocar tiros e completando que o clima estaria “gostosin” para um confronto.

A resposta do rival chega rapidamente, citando uma das facções que comanda o Bairro da Penha - O Trem Bala, afirmando que entraria armado de casa em casa, atirando em quem estivesse pela frente. A troca de ameaças termina com o criminoso do Morro do Alagoano dizendo para eles tentarem e afirmando que seriam recebidos a tiros, um a um.

A conversa foi passada à reportagem por pessoas diretamente afetadas pelo medo dos conflitos. Depois, as mensagens foram apagadas.

Tentativa de invasão

A guerra pelo controle do Morro do Alagoano começou na metade do mês passado, quando bandidos ligados ao Bairro da Penha promoveram confrontos armados e tentaram tomar a região. Segundo relatos de moradores, foram pelo menos cinco dias de trocas de tiros intensas na parte da noite e madrugada. Após a ação da Polícia Militar, que aumentou o patrulhamento no local, o conflito se apaziguou.

Promessa cumprida?

Segundo os moradores, assim que a situação se tranquilizou temporariamente, o clima voltou a ficar tenso. O secretário de Segurança Pública do Estado, coronel Nylton Rodrigues, havia prometido uma base policial na região do campo do bairro, com cerca de 80 policiais atuando 24 horas. Porém, de acordo com a população, nada foi feito até o momento e a situação voltou ao “normal”, termo usado inclusive pelos bandidos para ressaltar a falta de presença da polícia.

Indagado, o secretário Nylton Rodrigues afirmou que a denúncia não condiz com a realidade e que há uma base fixa funcionando na região durante 24 horas. 

Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, coronel Nylton Rodrigues. (Marcelo Prest)

Por nota, a Sesp disse que o secretário informou no dia 16 de agosto a instalação de um ponto-base na região do Alagoano. Segundo a secretaria, a promessa foi cumprida. "O ponto-base consiste na presença de uma viatura, 24 horas por dia, em um local determinado do bairro pelo comando do 1º Batalhão de Vitória, sendo fator inibidor de crimes e de presença ostensiva da polícia", informou.

A nota completa, ainda, que "como há três turnos na jornada da PM, mais de 80 militares, em regime de escala, estão se revezando para a realização do patrulhamento ostensivo no local com o ponto-base. A localidade referida ainda conta com ação dos policiais que atuam no Destacamento de Polícia Militar do bairro Santo Antônio".

Regras na Serra

A atuação de criminosos nas redes sociais não se restringe apenas aos morros da Capital. Traficantes de comunidades da Serra, por exemplo, ditam suas regras no Twitter. O perfil de um traficante de Balneário Carapebus, que se intitula como "soldado", postou uma foto armado com uma pistola e a seguinte legenda: "Se for brotar tu tira o capacete e abaixa o farol". Brotar, na linguagem das gangues, significa "aparecer". Um recado explícito das leis do tráfico para motoristas e motociclistas que entrarem no bairro. 

Em outra foto, o mesmo traficante porta uma foto com vários malotes de dinheiro e uma quantidade de maconha. Na legenda, o traficante faz um convite para um baile funk: "Pode brota (sic) no BC (Balneário Carapebus) dia 22 os cria que administra". 

Impor poder

De acordo com uma fonte da Polícia Federal, que aceitou dar entrevista sem ser identificado, não é novidade a comunicação entre criminosos pelas redes sociais. Mas, para a autoridade da segurança pública, há muito exibicionismo entre os bandidos por um motivo específico:impor poder perante a sociedade e seus inimigos.

"Acredito que esses criminosos mostram o rosto, ostentando armas, dinheiro e joias como uma forma de exibicionismo. Já a comunicação reservada, as negociações, planos, acontece por WhatsApp. Os criminosos são seres humanos e como muita gente, gostam de redes sociais e sentem vontade de mostrar o que estão fazendo. Mas saber que eles estão no Twitter, até para mim é um fato novo".

Aspas de citação

De qualquer forma, as redes sociais são grandes ferramentas de investigação e nos auxiliam muito. A policia trabalha, mas os crimes aumentaram

Fonte da Polícia Federal, que preferiu não se identificar
Aspas de citação

Sem medo da polícia

Para um investigador da Polícia Civil, que aceitou conversar com a reportagem sem se identificar, os traficantes que trocam ameaças com rivais pouco se importam se estão sendo monitorados pela polícia.

"A gente monitora. Se achar um perfil de traficante, é fácil achar dos amigos. Quando a gente chega a prender, muitas vezes já até conhece pelas redes sociais. Hoje a polícia investiga muito nas redes sociais. Vemos quando eles postam fotos com armas, ameaçando invadir o morro dos rivais. Eles estão pouco se importando com policia, se a gente vai ver. O negocio deles é ameaçar os rivais e mostrar poder aos inimigos", acredita.

Polícia monitora redes

Procurada, a Polícia Civil informou por nota que as inteligências das polícias monitoram atividades criminosas em todos os ambientes de redes sociais. "Investigações são realizadas de modo sigiloso. A população pode fazer denúncia no telefone 181, do Disque-Denúncia, e também no site www.disquedenuncia181.es.gov.br. No site, é possível a pessoa anexar imagens e vídeos de ações criminosas", disse a nota. 

ELES FALARAM DEMAIS E SE DERAM MAL

Mais procurado da Serra

Apontado pela polícia como o assassino mais procurado da Serra, Josimar da Conceição Rodrigues, 24 anos, conhecido como "Nicota", foi preso no dia 28 de julho pela equipe da Delegacia de Crimes Contra a Vida (DCCV) da Serra, enquanto comemorava o aniversário de um amigo em uma casa de shows de Vitória. Ele estava sendo monitorado pelas redes sociais, onde se exibia sem medo. 

Josimar da Conceição Rodrigues, 24 anos, foi preso durante a festa de um amigo em Vitória. (Divulgação/PC)

Segundo o responsável pela delegacia, delegado Rodrigo Sandi Mori, contra Josimar constava um mandado de prisão em aberto por homicídio, além dele ser investigado também por outro assassinato e uma tentativa. Ambos os crimes ocorridos em Carapina Grande. Segundo a polícia, ele é acusado de ordenar os homicídios na região de Carapina Grande e de comandar o tráfico de drogas no ponto final do bairro.

Central Carapina

No dia 15 de fevereiro, 12 dias antes de ser preso, o traficante Paulo Sérgio de Oliveira Júnior, 25 anos, postou uma foto nas redes sociais em que aparece de colete a prova de balas exibindo duas armas. Na legenda, ele escreveu: "Agindo na transparência até com os falsos para não me igualar a eles. Brota satanás".

Paulo Sérgio de Oliveira Júnior, o Docinho, de 25 anos. (Polícia Civil | Divulgação)

A polícia tentou prendê-lo duas vezes após a foto, mas o criminoso conseguiu fugir. Ele foi deito no dia 27 de fevereiro pela Delegacia de Crimes Contra a Vida (DCVV) da Serra. Na ficha criminal havia seis mandados de prisão, quatro deles por assassinatos marcados pela frieza e muitos tiros. Ele era considerado o braço armado de traficantes do bairro Central Carapina e o bandido mais procurado da Serra.  

Paulo Sérgio integrava a gangue da Vala, uma das facções do tráfico de drogas que agia em Central Carapina, considerado o bairro mais violento do Estado em 2017. O duelo entre criminosos visava o domínio das bocas de fumo.

Piedade  

Em junho de 2018, o Gazeta Online publicou uma reportagem especial sobre o perfil nas redes sociais de João Ferreira Dias, o JP, que era chefe do morro da Piedade, em Vitória. Drogas, armas, bebidas caras e o local de trabalho, a tal "firma milionária". Sem medo de se expor e fazendo questão de ostentar poder, ele usava as redes sociais para mandar recados aos rivais, fazer ameaças e demonstrar sentimentos pelos membros do bando. Ele foi preso no dia 12 de julho.  

Dono da Piedade preso: João Paulo estava com a irmã, Elisângela Ferreira Dias, que tinha mandado de prisão em aberto. (Ricardo Medeiros )

No perfil mais atualizado na rede social, João se apresentava com um codinome, que faz referência a um personagem de novela "A Força do Querer", que era dono do morro. Ele também usa a sigla que representa uma das facções do crime organizado no Centro de Vitória. O Gazeta Online não citou os nomes dos perfis por terem imagens de crianças em postagens públicas.

João publicou dias antes de ser preso mensagens de luto e de vingança pela morte do seu braço direito, o traficante Walace de Jesus Santana, 26 anos, que é um dos seus amigos na página. Em 10 de junho, na data da morte do comparsa, às 13h37, ele postou: "Vai ter volta...Volta 'er' triste". Três dias depois, em 13 de junho, João escreveu, também com fundo vermelho e chamativo, o recado: "E a tropa do Neguin Walace... Us crias ta sou cpt (os crias estão só os capetas) brota".

Neguin, segundo moradores da região, era o apelido de Walace, que se revoltou após a morte da prima a pauladas e da tia por bala perdida na mesma semana, em 2010, e entrou no mundo do crime.

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Já no dia 16 de junho, João publicou: "Saldade du neguin W...". A frase demonstra a ideia de 'família' dos integrantes do tráfico de drogas da mesma facção, que, no caso deles, é o Primeiro Comando da Piedade (PCP) e o Comando de Vitória (CDV). Pelo morro, a reportagem do Gazeta Online flagrou inscrições no chão com as iniciais de João Ferreira (JF) e do PCP. A sigla também está pichada na parede de algumas casas.

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