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Advogadas presas: investigação começou com agenda esquecida em cadeia

Advogadas presas: investigação começou com agenda esquecida em cadeia

Os recados anotados "tomavam o ditado" do contratante e levavam para traficantes e familiares; agenda foi esquecida dentro de sistema prisional do Estado há quatro meses

Publicado em 25 de agosto de 2019 às 07:15

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Advogadas presas pelo Nuroc por auxiliarem faccoes criminosas. Elas escreviam cartas com recados de bandidos para facções no ES. (Ricardo Medeiros)

A Operação Ponto Cego, que cumpriu dez mandados de prisão preventiva nesta terça-feira (20) - entre elas duas advogadas suspeitas de escrever cartas com recados de bandidos para outros criminosos do Espírito Santo - começou há cerca de quatro meses após uma das suspeitas esquecer uma agenda com anotações em uma penitenciária do sistema prisional do Estado.

A informação foi passada durante coletiva realizada na Secretaria de Estado da Segurança Pública, Sesp. Na agenda, além da identificação da proprietária – confirmada pela Polícia Civil por meio de exames técnicos -, haviam anotações de ordens sobre compra de drogas, armas e outras tarefas, como explica o gerente do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção, Nuroc, delegado Raphael Ramos.

Aspas de citação

O conteúdo foi uma agenda esquecida dentro do sistema prisional, provavelmente em alguma visita ou atendimento, e na análise dessa agenda, além da identificação do profissional proprietário da agenda, nós tínhamos ordens sobre aquisição e pagamento de grande quantidade de droga, como 250kg de maconha em um bilhete, armas em outro, distribuição de tarefas dentro da organização. Enfim, recados, mandos de líderes de organização, boa parte deles já identificados, e tínhamos também o apontamento do nome de vários outros advogados

delegado Raphael Ramos, gerente do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção, Nuroc
Aspas de citação

Além da agenda, um envelope contendo uma série de bilhetes, recebidos pela polícia através de uma denúncia feita diretamente no órgão, também foi alvo das investigações até a deflagração da Operação. Neste, outras orientações vindas de dentro da cadeira também chamaram a atenção da polícia, como cita o delegado.

Advogadas presas, investigação começou com agenda esquecida em cadeia

“Bilhetes versando sobre coação a uma testemunha, solicitando que se mandasse mudar um depoimento; e sobre a recuperação de uma pistola .45 citando o nome de vários membros de uma facção criminosa que atua na Grande Vitória”, relatou.

INVESTIGAÇÕES CONTINUAM

 

Segundo o delegado Raphael Ramos, a investigação continua, já que mais advogados e outros líderes de organizações criminosas tiveram nomes citados nas anotações encontradas pela polícia.

“Todas as informações coletadas estão sendo reprocessadas pelos serviços de inteligência das Polícia Civil, Militar, da Sesp e Sejus. E desse mato ainda sai coelho, porque tem muita gente para ser verificada. O que preferimos é trabalhar com a inteligência primeiro. Encontrar justa causa para uma investigação bem madura. Nós estamos tentando pré-constituir a maior quantidade de provas, informações e instaurar os inquéritos nos momentos exatos”, disse.

OAB-ES SE POSICIONA SOBRE PRISÃO DE ADVOGADAS

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Espírito Santo (OAB-ES), informou que está acompanhando as investigações sobre o caso e que já avalia a possível abertura de processo ético-disciplinar contra as advogadas acusadas.

"Ao mesmo tempo, também cumprindo determinação prevista em lei federal e defendendo as prerrogativas da advocacia, a Ordem exigirá na Justiça que as advogadas sejam custodiadas em Sala de Estado Maior ou que, na falta dessa estrutura, sejam soltas", finalizou o órgão em nota.

PRESOS PAGAVAM POR ARMAS COM AJUDA DE ADVOGADOS

Pagamento de armas de fogo, coação de testemunhas em processos criminais, compra e venda de entorpecentes, e até simulação de casamento entre mulheres e presos. Essas eram algumas das ordens enviadas por lideranças do tráfico, detidas no sistema prisional capixaba, para seus comparsas fora dos presídios.

Elas eram enviadas por intermédio de bilhetes para os comparsas que estavam fora da prisão para a execução de diversas tarefas criminosas. Segundo apontam as investigações, eram entregues por advogadas, que se encarregavam de fazer o serviço de "pombo-correio".

As mensagens foram encontradas durante as investigações da fase 1 da Operação Ponto Cego, realizada na manhã desta terça-feira (20), pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc). Foi com base nessas apurações que foram autorizadas as prisões das advogadas Luezes Makerlle da Silva Rocha e Gabriela Ramos Acker.

* Os rostos na galeria acima foram ocultados a pedidos dos próprios policiais

Bilhetes foram encontrados na casa delas, que são suspeitas de coletar e transmitir as mensagens durante o atendimento jurídico por elas prestados a seus clientes no interior do sistema penal. Eram as próprias advogadas que escreviam as mensagens. Prova disso é que um exame grafotécnico apontou que as cartas haviam sido escritas por elas.

Mandados de prisão

Além das duas advogadas foram expedidos mandados de prisão para outras sete pessoas. Um deles era egresso dos sistema penal, ou seja, já havia deixado o presídio, e hoje retornou. Há informações de que com ele foram encontrados armas, drogas e dinheiro. Mais seis alvos da operação já são detentos. São eles:

- Gustavo Henrique Cosmo

- Leonardo Furtado dos Santos

- Marcelo José Furtado

- Alex Santos Silva

- Ismael Martins Falcão

- Ronildo Damásio Rosa

- Flavio Sampaio

- Jhony da Silva

Na manhã de hoje também foram cumpridos outros três mandados de busca e apreensão. Os três detidos - as advogadas e o egresso do sistema penal - foram levados após a operação para a sede do Nuroc, na Enseada do Suá. O caso está sendo acompanhado pela comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES).

O advogado Ailton Ribeiro da Silva, que faz a defesa de Luezes, informou que ela já foi enviada para o Presídio Feminino de Cariacica. Adiantou que ainda não teve acesso ao processo, mas que vai solicitar a soltura dela. "Ela tem profissão definida, uma filha menor. É a única que sustenta casa, tem residência fixa", relatou.

Ailton disse ainda que, em conversa com a sua cliente, foi informado que ela escreveu apenas uma carta para um de seus clientes que se encontra detido no Sistema Prisional de Viana, e que esta carta foi apreendida pela polícia. "Tem uma única carta da Luezes, dela falando para a família do detento o que ele pediu. Nesse contexto, não tem absolutamente nada criminoso, é o que eu ouvi da Luezes", justificou.

A OPERAÇÃO

A Operação Ponto Cego foi deflagrada às 6h desta terça-feira (20) pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção, Nuroc, com o apoio da Diretoria de Inteligência da Secretaria de Justiça. Foram cumpridos 10 mandados de prisão preventiva, sendo duas advogadas, um egresso do sistema prisional e sete internos.

A investigação apura a troca de informações entre líderes de organizações criminosas e seus comparsas, através de mensagens coletadas transmitidas por advogados durante atendimentos jurídicos dentro de penitenciárias do sistema prisional.

Além dos mandados de prisão, foram cumpridos três mandados de busca e apreensão nas residências dos advogados e do egresso. Com o egresso foram apreendidas uma pistola com numeração raspada, drogas e R$ 7.352,00 em espécie.

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Durante as investigações, a Polícia identificou bilhetes em que eram determinados por presos a execução de práticas criminosas por seus comparsas fora do sistema prisional, como o pagamento por armas de fogo, coação a testemunhas em processo criminal, compra e venda de entorpecentes, simulações de estado civil entre mulheres e presos, dentre outras.

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