> >
Um ano após quebra-quebra, médico reforça: 'Aqui é lugar de pegar doenças'

Um ano após quebra-quebra, médico reforça: "Aqui é lugar de pegar doenças"

Segundo Aurédio José Couto, problemas que levaram ele a um surto no ano passado, como falta de equipamentos básicos de trabalho e de água, continuam na unidade

Publicado em 14 de maio de 2019 às 14:59

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

Macas, aparelhos de aferir pressão, termômetro, palito para examinar a garganta, estetoscópio e até água. Dessa lista de itens básicos, só o palito está disponível um ano após o surto do médico Aurédio José Couto, de 72 anos, na unidade de saúde de Jardim América, em Cariacica. O próprio profissional resume: “Aqui é lugar de pegar doenças, e não de tirar doenças.”

No dia 15 de maio de 2018, Aurédio, que trabalha em Cariacica desde o início da década de 1970, surtou e quebrou cadeiras e jogou gavetas no chão após não ser informado em qual a sala iria trabalhar. Para ele foi o estopim de uma situação que estava vivendo já tinha tempo, tendo que levar equipamentos pessoais para trabalhar e não contando com itens básicos para examinar os pacientes.

A reportagem do Gazeta Online acompanhou um pouco da rotina do médico dentro da sala em que ele estava atendendo nesta terça-feira (14). No local ele recebe pelo menos 25 pacientes (15 a mais que o previsto, segundo ele). Dentro do armário, muitas folhas e prontuários. Equipamentos de trabalho, apenas os palitos citados anteriormente.

As cadeiras, algumas de ferro, estão enferrujadas. As paredes estão descascadas, demonstrando que o local não passa por uma reforma tem tempo. E água, pelo menos no consultório do médico, não estava saindo da torneira. Do lado do consultório há um terreno abandonado, com mato alto. 

Um ano depois do acontecido, Aurédio garante que não se arrepende da situação. Ele ficou 115 dias afastado das funções, antes de retornar, e explica que pouca coisa mudou pra melhor. “Piorou. Agora eles já sabem como está e não dão atenção. E isso aqui é uma unidade de saúde há um quilômetro de Vitória. Já pensou como está a unidade de Caçaroca, de Flexal? Lá de Nova Rosa da Penha?”, declarou.

De Flexal, a situação realmente não é boa. Uma paciente de mais de 60 anos, que era atendida por Aurédio, relatou que saiu do bairro dela porque tem que passar a noite na fila. Mas em Jardim América ela precisou chegar pelo menos 5 horas, ficando do lado de fora. “Se precisar ir no banheiro, não tem como até as 7 horas”, declarou a aposentada.

Armário vazio e sem equipamentos de trabalho, ventiladores e cadeiras sucateadas e paredes descascando no consultório de Aurédio . (Kaique Dias)

“DERRUBAR E COMEÇAR DE NOVO”

O médico acredita, pelo tempo em que trabalha no local, que pouca coisa deve mudar. E é radical: “Falta derrubar isso aqui e construir tudo outra vez. Está tudo ultrapassado”, lamenta. “Aqui é lugar de pegar doenças e não de tirar doenças. A dengue está aqui do lado. O fungo está aqui nessas salas. Olha essas cadeiras, o nosso compartimento de trabalho”, analisa.

Aurédio José Couto lembra que o atendimento de uma unidade de saúde é para evitar que o paciente siga mais à frente, para uma unidade de pronto atendimento e um hospital, por exemplo. Algo que é difícil de acontecer em ambientes como a unidade de saúde de Jardim América.

Daine precisava de nutricionista. Ela relata que especialidades demoram em Cariacica . (Kaique Dias)

“Isso é um lugar que serve para que o paciente evite ir mais à frente, ao serviço de pronto atendimento. E como está esse? (lembra a situação do Pronto Atendimento de Alto Lage). Se não tiver condições técnicas, vai para o hospital. Mas se chega nesse nível, é em uma situação que poderia ser melhorada dentro do próprio município”, pontuou.

PACIENTES APOIAM MÉDICO

Dezenas de pacientes aguardavam atendimento com o médico. A maioria já conhece Aurédio José Couto e sabem do que aconteceu no ano passado. Eles apoiam o médico. “Minha esposa está em pé aguardando tem uma hora e pouco. E ele está sozinho lá atendendo todo mundo. Ele demora porque tem que dialogar com o paciente. Isso para nós é bom, mas precisa de pelo menos outro médico que ajudasse”, declarou o aposentado Antônio Pádua da Silva, de 78 anos.

A vendedora Daine Oliveira de Jesus, de 30 anos, lembra que é difícil conseguir algum tipo de especialista no município. A espera passa de vários meses. “Tem que melhorar muito. Às vezes precisa de um cardiologista e fica ali esperando. Às vezes a pessoa acaba morrendo na fila e não consegue atendimento”, relata. Ela aguardava com a filha, Márcia Cristina, de 7 anos, para encaminhamento para nutricionista.

Aurédio José Couto finaliza dizendo que o culpado de uma forma ou de outra pela situação da saúde em Cariacica é da prefeitura municipal. “Eu vou ser sempre direto: o culpado é o prefeito. Cadê as verbas para o SUS? Cadê o dinheiro da saúde? Fui chamado para responder porque quebrei três cadeiras. E esses que estão acabando com o município, o que fazem contra eles”, completa.

PREFEITURA DE CARIACICA 

Um ano após as denúncias do médico, a prefeitura de Cariacica vai começar obras de melhorias na unidade de saúde de Jardim América. Segundo a subsecretária de saúde do município, Fabrícia Forza, o projeto arquitetônico está pronto, só faltando agora a parte administrativa ser liberada.

“O projeto ficou muito bonito. A obra deve começar entre o final do mês de maio e início do mês de junho. A reforma será integral, incluindo o teto e o forro, a mudança na recepção, melhoria no acesso para os usuários e também vamos aumentar os serviços, com a contratação de mais profissionais médicos, atendentes e treinamento de vacinadores, que sempre foi algo que deu problema”, explicou.

A unidade de saúde do bairro vai continuar funcionando durante a obra. “Vai apertar um pouquinho, mas temos que fazer com a ‘bicicleta andando’”, exemplificou. O prazo é que a obra fique pronta em prazo máximo de 120 dias a partir do início da obra. “Entre agosto para setembro”, completa, lembrando que a obra visa melhorar a ambiência e aumentar a humanização do espaço.

Sobre os problemas que não tem a ver com a estrutura da unidade, como falta de equipamentos relatada pelo médico à reportagem, a subsecretária garantiu que não existem relatos. “Não existe registro de falta de equipamentos para os médicos. Mas vou verificar com a supervisora”, completou. Fabrícia também garantiu que não tinha conhecimento da falta de água no consultório de Aurédio e que a situação também será checada.

Este vídeo pode te interessar

O custo total da obra gira em torno de R$ 600 mil, segundo a subsecretária. Em todo o município, 14 unidades de saúde estão passando por melhorias, ainda de acordo com a prefeitura. 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais