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O trauma de ex-diretora baleada por ex-aluno há 10 anos no ES

O trauma de ex-diretora baleada por ex-aluno há 10 anos no ES

O autor dos dois disparos que a atingiram está solto

Publicado em 19 de março de 2019 às 20:58

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Mais de 10 anos já se passaram desde que foi vítima de um atentado dentro da escola onde atuava, na Grande Vitória. Ainda assim, o medo continua companheiro da professora aposentada e ex-diretora de escola, de 53 anos, que, por isso, prefere não ser identificada. O autor dos dois disparos que a atingiram, um ex-aluno, está solto. Quando um episódio semelhante se repete, como o massacre em Suzano (SP) na quarta passada, ela revive todo o sofrimento daquele final de tarde de 2008.

A ENTREVISTA

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Precisamos realmente que façam políticas públicas em educação. Não adianta ter só um vigilante, que ele só está na escola para guardar um patrimônio. Qualquer objeto vale mais do que a vida de uma pessoa.

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Como era sua atuação na escola?

Fazia os recreios sempre junto com os alunos, fazíamos pagode, interagia bastante com eles. A unidade fazia parte do Escola Aberta (programa do governo federal voltado à comunidade escolar), tinha um trabalho bem intensivo junto às famílias, aos moradores.

Havia boa relação com a comunidade escolar?

Sim. Eu ia trabalhar de moto, andava o bairro todo. Se os meninos faltavam à aula, eu ia atrás procurar saber o porquê. Até hoje, tenho certeza, que a comunidade e os professores lembram-se de mim, têm um carinho especial.

E, de repente, você se vê alvo de um ex-aluno?

A gente está em um lugar que, entre aspas, se sente seguro. Então, se depara com um arma apontada na sua direção. A violência dentro daquele espaço, dentro da escola.

O que aconteceu?

Era um indivíduo que não tinha nenhuma estrutura psicológica, familiar. Todos os lugares, todas as instituições têm regras, que existem para que sejam cumpridas. Ele não era mais aluno da escola, não podia entrar e abordar as pessoas, especialmente porque queria usar o espaço da escola de maneira imprópria. Eu chamei a atenção dele, que depois voltou e atirou em mim. Foram dois tiros que atingiram uma perna e o ombro direito.

Depois do que aconteceu, você voltou à escola?

Nunca mais! Até na escola da minha filha tenho dificuldades. Você não quer ver mais àquelas crianças. É um impacto grande, você se fecha. O psicológico fica muito marcado.

Pensa sobre o que houve?

A gente faz vários questionamentos - ‘onde eu errei?’, ‘por que isso comigo?’ -, mas acaba não encontrando respostas.

Além do aspecto psicológico, também houve sequelas físicas?

Sim. Minha perna direita é quatro centímetros menor do que a esquerda, não faço todos os movimentos que fazia antes com o braço direito, tenho um desnível no quadril. E faço tratamento psicológico até hoje.

Tudo por sua conta?

O Estado estava pagando, deu uma parada, e voltou por ordem judicial.

Houve uma mudança grande na sua vida...

Mudou totalmente. Sinto como se tivessem arrancado uma árvore com todas as raízes de um lugar. Na época, eu estava com 42 anos, no auge da carreira. Peguei a escola com 328 alunos, e logo triplicou em razão do trabalho que vinha fazendo. Então, foi um impacto muito grande para mim.

Você se aposentou após o atentado. Foi por tempo de serviço?

Não, por invalidez. Eu já tinha 25 anos de serviço, mas era nova e pretendia continuar. Mas pelo fator psicológico não conseguia trabalhar, não consigo. Também ainda sinto muita dor na coluna, preciso tomar remédio para dormir. Eu sentia que estava no auge. Na carreira, quando você chega aos 40 anos, ainda tem vários projetos e metas, você estudou, quer colocar em prática. Então, arrancam todas as raízes e não pode mais. E é preciso viver com todas essas dores, físicas e psicológicas.

E quando acontece um caso como o de Suzano?

Procuro não assistir. É como se eu estivesse ali dentro daquela escola. É uma retrospectiva de todos os sofrimentos, todas as questões passam novamente na sua mente. O medo volta à tona mais intenso. Hoje eu sou outra pessoa, quase nem saio de casa. Sou totalmente diferente do que eu era, do que eu fui.

Para você, o que é necessário para mudar a realidade da violência no ambiente escolar?

Precisamos realmente que façam políticas públicas em educação. Não adianta ter só um vigilante, que ele só está na escola para guardar um patrimônio. Qualquer objeto vale mais do que a vida de uma pessoa. A escola está totalmente abandonada. O professor não tem apoio de forma alguma.  O que deveria existir era mais investimento nas pessoas.

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