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Após polêmica com Magno, arcebispo extingue a Comissão Justiça e Paz

Após polêmica com Magno, arcebispo extingue a Comissão Justiça e Paz

Dom Luiz, que está prestes a se aposentar, encerrou grupo que atuava há mais de 40 anos nas lutas pelos direitos humanos

Publicado em 4 de agosto de 2018 às 01:27

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O arcebispo recebeu o senador Magno Malta na Cúria Metropolitana na quinta à tarde (2). (Divulgação)

O arcebispo de Vitória, dom Luiz Mancilha, extinguiu nesta sexta-feira (03) a Comissão Justiça e Paz (CJP). A decisão ocorre um dia após o presidente da comissão, Bruno Toledo, entregar sua carta de demissão ao arcebispo. Bruno ficou contrariado ao saber que o prelado recebeu o senador Magno Malta (PR), que disse que foi levar ao líder católico o seu apoio na luta contra o aborto.

Em carta entregue na quinta (2) aos membros da Comissão, dom Luiz informa: "Diante do fato criado, certamente do conhecimento dos senhores, de que o presidente da CJP pede demissão, não só acolho a demissão do senhor Bruno toledo, como também informo aos senhores que a partir desta data, obediente ao Santo Padre, declaro que a CJP na Arquidiocese de Vitória cessa suas funções e está extinta a partir desta data".

O argumento do arcebispo foi de que, no final de 2016, o Papa Francisco, através de Carta Apostólica, instituiu o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, dando-lhes funções e competências distribuída em outras áreas da igreja, como algumas pastorais e a própria CJP. "Era meu desejo, já há algum tempo, propor a mesma organização na Arquidiocese de vitória, mas queria fazê-lo de maneira suave respeitando a história desta Igreja Particular", diz o arcebispo em sua carta.

CRIAÇÃO

A CJP foi criada em setembro de 1977, pelo arcebispo dom João Batista e o bispo auxiliar dom Luiz Gonzaga Fernandes. "Sempre foi uma instituição comprometida com a defesa dos direitos humanos, principalmente em épocas conturbadas, de repressão, onde ocorria todo tipo de violação. Foi uma iniciativa de dom João, que assumiu o compromisso ao voltar do Vaticano II, aquele movimento onde a igreja estava comprometida com os pobres. A Comissão não veio com sentido político, mas surgiu para lutar pelos direitos humanos", relata Vera Nascif, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) que integrou o primeiro grupo da CJP.

Desde então ela tem feito parte da história do Espírito Santo. Nos último 40 anos esteve presente no enfrentamento da ditadura, da redemocratização, atuou nas lutas contra o crime organizado, participou do Fórum Reage-ES. Foi atuante nos momento de graves crises no sistema prisional, que era alvo de constantes rebeliões,  onde ela atuou em busca de melhorias, e posteriormente nas denúncias das violações de direitos nas chamadas "Masmorras capixabas".

Sua luta mais recente foi em prol das vítimas da tragédia do Rio Doce, decorrente do rompimento de uma barragem. "Em todos os momentos das últimas quatro décadas ela estava presente onde foi preciso lutar pelos direitos humano. Era a voz pobre, da mulher vilipendiada, do preso torturado, de toda a população atingida pelo crime organizado, pela Le Coq", relatou Bruno Toledo, seu último presidente.

Emocionado com o destino da Comissão, ele desabafou: "A tristeza é enorme. E lamento o fim melancólico do bispado de dom Luiz, que deixa como sua marca final o fim da CJP", destacou. Bruno acrescentou que sua renúncia se deu em função da profunda divergência em relação a posições tomadas pelo arcebispo. "Em respeito à autoridade que ele exerce no comando da Igreja, seria absolutamente incoerente permanecer à frente da Comissão, que tem a missão de assessorar o arcebispo quanto a temas sociais e políticos, discordando de posições tomadas por ele. Saio, todavia, com a consciência tranquila que dei o meu melhor e busquei sempre estar ao lado certo. O lado que Cristo estaria se aqui estivesse", disse Bruno Toledo à coluna Leonel Ximenes, que noticiou com exclusividade o seu pedido de demissão.

Em vídeo postado na internet, dom Luiz acusou o Psol de ser "contra a vida e a favor da morte" e "defensor do assassinato de bebês", porque o partido pediu ao STF a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O Psol, por sua vez, defendeu que o aborto deve ser tratado como questão de saúde pública e rebateu o arcebispo. "É lamentável que na atual conjuntura a principal pauta do líder religioso seja o controle sobre o corpo das mulheres", afirmou o partido em nota oficial.

De acordo com Bruno, a decisão do arcebispo é de retaliação contra a CJP em decorrência de opiniões pessoais emitido pelo próprio Toledo. "Discordo do bispo. Cristo não abraçaria a pena de morte, tortura, ditadura militar e nem projetos políticos deste nível. Pelo contrário, foi o que ele denunciou. Não dá para diminuir o tom, sobretudo agora", destacou.

Bruno discorda ainda do argumento de que a extinção da comissão vem a partir de uma decisão do papa. "Não é verdade. O que o papa fez foi transformar a CJP anterior em Pontifícia, elevou a Comissão. Ela e outros departamentos foram integrados em torno de um mesmo órgão, fortalecendo o trabalho. Na Bolívia ele fez um encontro de todas as CJPs, onde claramente fala do papel dela e do que espera. Exortou a criarem e a se abrirem aos movimentos sociais, se abrirem para a dor do povo e em defesa deles", conta Toledo.

OUTROS

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Homero Mafra, "morre um pouco da história dos Espírito Santo" com a extinção da CJP. "Reconhecemos a importância da história da Comissão nos momentos mais difíceis deste Estado. Se olharmos a luta da comunidade de São Pedro, por exemplo, o "lugar de toda pobreza", lá esteve a CJP, uma luta encampada por seus advogados. Ela fez parte da história das lutas sociais capixabas, em defesa da sociedade civil, dos pobres e humilhados", disse.

Assinalando que não cabe à OAB discutir as decisões da Igreja Católica, destaca que acredita que esta decisão seja para dar a outros órgãos da igreja a mesma força que a CJP tem, ao lado dos que nada possuem. "A CJP é um pouco da igreja que sempre esteve ao lados dos humilhados e espoliados e sob este aspecto ela foi emblemática no Espírito Santo", disse.

NOTA

No site da Arquidiocese de Vitória, por nota, o arcebispo explicou os motivos que o levaram a receber  a visita do senador. "Sim, recebi um Senador da República Brasileira, e, dialogamos com respeito como cidadãos e cristãos", disse, acrescentando: "Recebo qualquer autoridade política que me procure, independente de sua opção político-partidária, religião ou crença. Isso não significa aprovação ou desaprovação de projetos políticos. Receber uma autoridade é uma questão de educação e não uma posição política".

Dom Luiz informou ainda que "dialogar é uma atitude muito presente nos apelos do Papa Francisco, na tentativa de criarmos e cultivarmos a cultura do encontro. O pensamento diferente não deve nos colocar em campos opostos, mas na perspectiva do acolhimento fraterno, atitude que se espera de qualquer cristão e muito mais de um bispo. As diferenças não devem se sobrepor às lutas que são comuns e umas não devem ignorar as outras". Ele encerra seu texto lamentando "que as críticas venham de lideranças que falam de diálogo, acolhimento, justiça e transformação social e que estas não tenham discernimento para interpretar uma foto e um texto claro que relata as razões de um diálogo entre um Senador e o Arcebispo".

(Reprodução)

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