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Precarização do trabalho aumenta, renda cai, e recuperação deve demorar

Precarização do trabalho aumenta, renda cai, e recuperação deve demorar

Apesar de o olho do furacão de uma das maiores recessões da história do país ter passado, o mercado de trabalho ainda patina, com uma geração de vagas tímida, concentrada na informalidade e em vagas com baixos salários

Publicado em 4 de fevereiro de 2019 às 01:25

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Sem encontrar um emprego formal, Catarina Marrani passou a vender água na rua por 10 horas por dia. (Geraldo Campos Jr)

Na frente de um shopping center na Capital, Catarina Marrani, 51 anos, enfrenta o sol quente e o calorão quase dez horas por dia para vender água mineral e sucos. A jornada dela começa às 6h da manhã, quando a autônoma acorda, em Cariacica, para começar a preparar seus produtos e enfrentar 15 quilômetros até seu local de trabalho, onde fica até o início da noite. A jornada é exaustiva, ela reconhece, mas foi a única saída que ela encontrou para garantir a sobrevivência, diante do desemprego.

Ela trabalhava como agente de saúde e, posteriormente, como empregada doméstica. Mas de um tempo para cá não achou mais um trabalho. Foi então que, assim como milhares de capixabas, ela foi para a informalidade, trabalhar por conta própria e garantir o sustento das três filhas. “A saída que encontrei foi a água, e estou nessa há três meses. Meu marido, que é pedreiro, também está desempregado e me ajuda aqui. Distribuímos currículo, mas até agora nada”.

A realidade de Catarina é semelhante a de muitos trabalhadores no Espírito Santo e em todo Brasil. Apesar de o olho do furacão de uma das maiores recessões da história do país ter passado, o mercado de trabalho ainda patina, com uma geração de vagas tímida, concentrada na informalidade e em vagas com baixos salários, o que aponta para uma precarização da mão de obra que, segundo especialistas, deve levar tempo para se recuperar.

De acordo com os dados mais recentes, o Espírito Santo possui 242 mil desempregados, o que representa 11,2% da população capixaba em condições de trabalhar, apontou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE.

Já os números do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, mostram que o Estado fechou quase 83,5 mil vagas com carteira assinada no auge da crise, entre 2015 e 2017, e que, em 2018, foram abertas 17,4 mil postos formais, o que mostra que o déficit de vagas ainda é grande.

Formalidade dos trabalhadores do setor privado. (Arte/Genildo)

TEMPO

É por isso que especialistas em mercado de trabalho afirmam que, no ritmo atual, a abertura de vagas está longe de uma recuperação efetiva. Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e da consultoria Idados, Bruno Ottoni, para os índices de emprego voltarem aos patamares pré-crise será necessário pelo menos uma década. O que mostra que, ainda em lenta recuperação, o cenário otimista de novas oportunidades para os trabalhadores ainda vai demorar um pouco.

“O mercado de trabalho vive uma recuperação, mas que é lenta e gradual por demais diante da crise abrupta que vivemos. Além dos números serem baixos, temos preocupações como o tipo de emprego que está sendo gerado, que em sua maioria é informal e com menor tipo de qualificação, o que se reflete em baixos salários”, avalia.

Contratações no Estado por salário. (Arte/Genildo)

No Estado, 85% das contratações em 2018 foram para vagas que pagam até dois salários mínimos. Já as contratações para postos acima de 2 salários caíram 45% desde 2013. Cenário que deve seguir por mais algum tempo. Para o economista Ricardo Paixão, mesmo que novos postos sejam abertos, o nível salarial deve continuar baixo em um futuro próximo, já as qualificações exigidas pelas empresas deverão ser cada vez mais rigorosas.

PRECARIZAÇÃO

“O mercado de trabalho tem algumas características específicas que fazem com que, mesmo passada a crise, ele leva tempo para se recuperar. Essa recuperação começa de forma tímida e em setores mais dinâmicos, como o de serviços, que até por uma questão de custos, abrem vagas com um salário médio mais baixo”, analisa Ricardo.

Além da elevação do trabalho informal e da criação de vagas com baixos salários, os especialistas ainda citam como provas dessa precarização do trabalho a renda real paga ao profissional (que é a corrigida pela inflação), que se manteve no mesmo patamar nos últimos anos, e a criação de vagas intermitentes, em que o contrato é por hora ou dia, o que implica em salários menores. Por esse formato, foram quase 2 mil contratações no Estado em 2018.

Para todo esse cenário de desemprego e más condições de trabalho melhorarem, no entanto, exige-se também uma recuperação sustentável da economia brasileira, que apesar de ter saído da recessão, ainda engatinha. “Se essa recuperação ganhar força, esse efeito chega no emprego. Se o governo aprovar as reformas, por exemplo, fazendo a parte dele, já seria uma boa contribuição para uma melhoria no ambiente econômico”, comenta Paixão. Já Bruno Ottoni, do Ibre/FGV, lembra que a tendência é que esse ano o desemprego comece a cair de forma mais efetiva, mas a qualidade dos empregos deve continuar sendo ruim por um bom tempo.

INFORMALIDADE ALTA MAQUIA SITUAÇÃO, DIZEM ESPECIALISTAS

Se por um lado os números do desemprego começam a melhorar, por outro, o grande responsável por isso são os trabalhos informais, sem carteira assinada, que apesar do auge da crise ter passado, ainda continuam a crescer. No Espírito Santo, de 2014 para cá, o número de trabalhadores com carteira assinada caiu de 720 mil para 664 mil. Já o total de trabalhadores sem carteira só cresceu, indo de 169 mil para 244 mil ao final do terceiro trimestre do ano passado.

Trabalho intermitente no ES e salários 2018. (Arte/Genildo)

Essa alta, segundo especialistas, maquia o dado real do emprego, já que esses trabalhadores estão na maioria dos casos em condições precárias, fazendo bicos para sobreviver e trabalhando mais tempo por dia do que prevê a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Algo que afeta os trabalhadores, já que nesse modelo eles não possuem direitos como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), INSS, férias e 13º salário; e afeta a economia como um todo também, já que em muitos casos a informalidade deixa de virar uma condição temporária para ser permanente, o que passa a ser um problema crônico.

“A informalidade é a forma mais difícil para se conseguir uma renda, trabalhando mais tempo e sem os amparos e direitos legais. E ela é grave também porque fazer essa pessoa voltar para o mercado formal é difícil, já que não é uma atividade que conta positivamente no currículo. Boa parte das vagas formais seria para ganhar menos do que essa pessoa ganha na informalidade, e tudo isso faz com que o próprio trabalhador se acostume com essa realidade”, explica o economista Ricardo Paixão.

DESALENTO

Um dado que mostra a dimensão desse problema é o crescimento do número de trabalhadores desalentados, ou seja, que estão sem um emprego e já desistiram de procurar. Hoje, são 32 mil capixabas nessa situação. Há ainda mais 100 mil que procuram por um emprego há mais de um ano no Estado.

Situação que naturalmente impacta quem já está no mercado de trabalho, mas é ainda mais cruel com quem está entrando nele. “Todo ano tem a inserção de jovens no mercado, que são aqueles que deixam uma universidade ou um curso técnico e estão prontos para irem atrás do seu primeiro emprego, mas eles não têm experiência. Esses jovens não conseguem, em sua maioria, serem absorvidos pelas empresas enquanto a economia não estiver mais dinâmica. Com isso, ficam o diploma encalhado e tendo que trabalhar em outras áreas, com salários menores do que seria na sua função”, comenta Ricardo.

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Esse cenário, na avaliação do economista, tende a implicar ainda na redução do nível de qualificação profissional. “O mercado vai ficar mais exigente quanto a qualificação, mas como essas pessoas estão sem emprego, ou ganhando pouco, ou trabalhando muitas horas por dias, elas não vão conseguir fazer qualquer tipo de capacitação e até perder a perspectiva de se qualificar mais. Isso é algo muito ruim, que impede esse trabalhador desalentado de melhorar de vida”.

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