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Empresas usam até helicóptero e escolta armada para vigiar cargas

Empresas usam até helicóptero e escolta armada para vigiar cargas

Valor do frete de mercadorias que passam pelo Rio fica até 700% mais alto devido à insegurança

Publicado em 5 de maio de 2018 às 00:09

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Helicóptero é usado para escoltar caminhões de transportadoras com o objetivo de evitar o roubo de cargas, especialmente no Rio de Janeiro. (Dezyane Azevedo/WhatsApp)

Transportadoras capixabas estão montando verdadeiras “operações de guerra” para evitar o roubo das cargas de seus veículos ao passarem pelo Rio de Janeiro.

A fim de driblar a ação de criminosos, as empresas investem em carros blindados, escoltas armadas, aparelhos de rastreamento de última geração, centrais próprias de videomonitoramento e até acompanhamento aéreo por helicópteros.

“Montamos uma verdadeira operação de guerra dentro da nossa empresa. Trabalhar no Rio de Janeiro hoje é um caos. Tem diversas transportadoras que deixaram de atuar lá. Nós conseguimos resistir, mas tivemos que nos especializar, estudando a ação dos criminosos e avaliando as alternativas”, conta Dezyane Azevedo, diretora de gerenciamento de risco de uma transportadora do Estado.

Por conta da ameaça de roubo, os fretes ficam em média 30% mais caros, uma consequência do aumento do custo de investimentos em medidas de segurança e até da própria alta no preço do seguro das cargas. Há exemplos de encomendas que antes eram entregues por R$ 50 e hoje não saem por menos de R$ 400, ou seja, um aumento de 700%.

Caminhões de transportadoras são interceptados para roubos de cargas no Rio . (Dezyane Azevedo/WhatsApp)

O preço varia de acordo com o tipo de carga e a região onde os caminhões e carretas precisam passar. Na lista de produtos mais visados pelos assaltantes estão as cargas de eletroeletrônicos, como geladeiras, televisores, computadores e celulares.

“No geral, os criminosos procuram por produtos que possam ser consumidos rapidamente, como eletrônicos, gás de cozinha, bebidas e alguns alimentos. Produtos que precisem passar por processos industriais, como bobinas de aço, conseguem passar com mais facilidade”, explica Ramon Paganini, gerente comercial de outra transportadora capixaba.

Outro quesito levado em consideração no valor do frete é a área onde o veículo terá que passar. Os municípios de São Gonçalo e Belford Roxo, além do Rio de Janeiro, principalmente nos bairros de Pavuna, Campo Grande e Bangu, são os que mais registram ocorrências de roubo.

INTERVENÇÃO

Nem mesmo após a intervenção federal no Rio de Janeiro os índices de roubos de cargas deram trégua. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), o número de crimes desta natureza subiu de 742 em fevereiro para 917 em março.

Empresários e policiais que lidam diretamente com o problema criaram o grupo “Observatório de roubo de cargas”, no WhatsApp, para compartilhar informações sobre o modus operandi das quadrilhas.

“Todos os dias vemos as ocorrências acontecendo. Já vimos casos de nossos rastreadores localizarem as carretas, nossos helicópteros visualizarem o local onde elas estão e a polícia, sem carro blindado, não ter condições de ir até lá buscar”, lamenta Dezyane.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (Seseg-RJ) reconhece que “a mancha criminal do roubo de cargas é alta”. O órgão informou que foi criado o Grupo Integrado de Enfrentamento ao Roubo de Cargas (Gierc), que conta com a participação das forças de segurança do Estado e da União, combatendo este tipo de crime de maneira planejada e estratégica.

COBRANÇA DE TAXA EXTRA PARA ENCOMENDAS

Desde julho do ano passado, as empresas de transporte instituíram a taxa de preço Emergência Excepcional (Emex), com um adicional de R$ 10 por cada fração de 100 quilos da carga mais um percentual do valor da mercadoria (entre 0,3% e 1%).

O encargo vale para regiões onde as empresas enfrentam dificuldades para trafegar. Desde que foi criado, o Rio de Janeiro está incluído nesta zona.

O presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Espírito Santo (Transcares), Liemar Pretti, explica que o investimento em segurança é indispensável para atuar em terras fluminenses.

“As quadrilhas de roubo de cargas possuem não só um armamento pesado, como muita tecnologia a sua disposição. A cada equipamento novo de segurança que surge no mercado, elas conseguem uma ferramenta nova para burlar esses sistemas”, afirma.

Um dos instrumentos mais utilizados é o “jammer”, um dispositivo que “encontra” a frequência dos rastreadores e inibe o sinal, dificultando as empresas a localizarem a carga.

“Sem esses equipamentos e sem escolta, o preço do seguro sobe ainda mais”, relata.

O medo da categoria é que o “know how” (conhecimento) das quadrilhas cariocas possa chegar ao Espírito Santo. No ano passado, o índice de roubo de cargas caiu 40% no Estado, entre 2016 e 2017.

Roubo de carga de caminhão é flagrado no Rio. (REPRODUÇÃO/TV GLOBO)

"PASSO NO RIO E COMEÇO A SUA FRIO", DIZ VÍTIMA

Além dos custos mais altos para o transporte, as empresas também enfrentam o medo de motoristas que não querem viajar para o Rio de Janeiro. Nas transportadoras ouvidas pela reportagem, há diversos relatos de funcionários que preferiram a demissão do que ter que trabalhar nas rotas fluminenses.

João, nome fictício, tem 28 anos e foi sequestrado por assaltantes em julho do ano passado. Ele conta que ficou sete horas sobre a mira de fuzis, enquanto os criminosos o pressionavam para abrir o compartimento de carga. “Eu estava vindo de São Paulo carregado de eletrodomésticos. Quando desci a Serra das Araras, me cercaram e me levaram para dentro do Morro da Quitanda (RJ)”, relembra.

Traumatizado, João pediu para não viajar mais para a região e ficou três meses atuando em Vitória. No final do ano, acabou cedendo e voltou a trabalhar. “Só de ter que passar no Rio de Janeiro, minhas mãos começam a suar frio”, conta.

Pedro, de 52 anos, foi mantido no porta-malas e levado pelos bandidos para uma outra região, onde foi obrigado a descarregar outro caminhão roubado. “Sob a mira de fuzis, fui obrigado a descarregar uma carga de carne e cerveja. Até que o helicóptero da polícia veio e começou um tiroteio. Aproveitei para correr e consegui me salvar”, relata.

DEPOIMENTOS

“A gente sai de casa sem saber se vai voltar”

Pedro (nome fictício) - caminhoneiro de 52 anos

“Estava descendo a ponte Rio-Niterói e começaram a seguir a gente. Desconfiei e tentei desviar, mas eram três carros, dois na frente e um atrás. Eles me fecharam, fui obrigado a parar, e dois bandidos com fuzil subiram na escada do caminhão, um de cada lado. Me levaram para o meio do mato, mas a carreta atolou. Fui colocado dentro do porta-malas de um carro e levado para outro local. Lá, eles me obrigaram a descarregar outro caminhão com carne e cerveja. Até que apareceu um helicóptero da polícia e começou a troca de tiros. Corri para um lado e eles para outro. Foi um susto, mas sai com vida. O Rio de Janeiro está abandonado, a gente entrega nas mãos de Deus. Saio de casa, mas não sei se vou voltar.”

“O sonho da minha mãe é eu sair da estrada”

João (nome fictício) - caminhoneiro de 28 anos

“Estava carregado de eletrodomésticos e, ao descer a Serra das Araras, eles jogaram o carro na minha frente. Com a arma na minha cabeça, eles me guiaram até uma favela chamada Morro da Quitanda. Lá que foi pior, porque os assaltantes andavam com armamento pesado e faziam ameaças, queriam que eu abrisse o compartimento de cargas. Só que a chave do baú fica com a empresa e não com a gente. Fiquei sendo ameaçado das 5h da manhã até o meio dia. Depois disso, disse que não viajaria mais e a empresa me botou para trabalhar só no Espírito Santo. Com o tempo, o trauma foi passando e decidi voltar. Meu pai foi caminhoneiro, sonhei com isso desde criança. Hoje quem sonha é minha mãe, para que eu saia da estrada. Tenho amor pela profissão, mas está cada dia mais difícil.”

Roubos de cargas no Rio

Março de 2014: 401

Março de 2015: 548

Março de 2016: 636

Março de 2017: 781

Março 2018: 917

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Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP)

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