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Assumção: contradições e "legalismo de ocasião"

Não dá para rasgar a Constituição num dia e acordar defensor da lei no dia seguinte. Não dá para "defender a PMES" ao mesmo tempo em que atrapalha o trabalho da polícia

Publicado em 12/09/2019 às 14h14
Atualizado em 13/09/2019 às 10h04

Ao usar a tribuna da Assembleia e a sua condição de parlamentar para oferecer uma recompensa em dinheiro a quem executar o autor do bárbaro homicídio da jovem Maiara de Oliveira, o deputado Capitão Assumção revela, mais uma vez, a ambivalência que tem marcado sua atuação parlamentar: o deputado que se apresenta como homem da lei está agindo à margem da lei (ao incitar a prática de outro crime) e defendendo que outros o sigam. Ao mesmo tempo em que prega a “ordem”, Assumção estimula o caos e a barbárie social.

O que chama a atenção, também, na conduta do deputado, é um certo “legalismo de ocasião”. Quando é oportuno para ele ou para a sua causa, Assumção rasga sem pejo a Constituição. Quando lhe convém, apresenta-se como o mais ardoroso defensor da letra fria da lei.

Não dá para rasgar a Constituição num dia e acordar constitucionalista no dia seguinte. Da mesma forma, não se pode ignorar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad) num dia e no outro se arvorar em defensor dessa lei. É nessa oscilação que Assumção tem vivido.

Em abril, quando os deputados votaram os projetos do governo Casagrande que instituíram novas leis de promoções de praças e oficiais da PMES, Assumção defendeu, até o último momento, a inclusão de um dispositivo que permitisse a promoção na carreira, sem obstáculos, de militares que respondam a qualquer processo criminal (incluindo assassinato, tráfico, extorsão etc.).

Para preservar a disciplina da tropa, a legislação impede que esses policiais sejam promovidos até que o processo chegue a um desfecho na Justiça. Assumção posicionou-se contra isso. Seu argumento central: o princípio da presunção da inocência, consagrado pela Constituição.

Mas e quanto ao artigo 142, inciso IV, do mesmo livrinho? A mesma Constituição que estabelece a presunção da inocência também proíbe militares de realizarem greve. E o mesmo Assumção que sublinha a presunção da inocência não deu tanta importância à Constituição durante a greve da PMES em fevereiro de 2017.

De igual modo, em maio, quando estudantes, inclusive secundaristas, foram às ruas protestar contra cortes do governo Bolsonaro na educação, Assumção mandou ofício ao MPES, citando o Ecriad e pedindo investigação contra escolas que permitiram que alunos trocassem as aulas pelas passeatas sem consentimento dos pais. Semanas antes, o mesmo Assumção fizera circular um vídeo expondo a imagem de menor apreendido pessoalmente por ele após ocorrência em Vila Velha – exposição vedada pelo mesmo Ecriad.

DESPRESTÍGIO À POLÍCIA

Por fim, cabe ressaltar o que me parece outra grande contradição: o homem que vai a todas as sessões da Assembleia de farda está, desapercebidamente, desprestigiando o trabalho das próprias forças policiais, na medida em que só faz defender uma espiral de sangue e a “solução” na base do “cada um por si”.

Quando prega a justiça com as próprias mãos – aliás, a vingança no lugar da justiça –, o recado passado por ele, inadvertidamente, é o de que a polícia, agindo de modo institucional e dentro dos limites legais, não consegue cumprir seu dever de localizar o criminoso, prendê-lo e entregá-lo à Justiça. Como determina a lei.

Na verdade, incitando a ação de pretensos “justiceiros”, além de alimentar esse banho de sangue, o deputado tende a dificultar o trabalho dos policiais disciplinados e obedientes à lei. Atrapalha a solução de um crime e ainda contribui para a promoção de outros.

Suponhamos que, a partir da oferta de Assumção, um matador ignore a PMES e execute o bandido em questão. Vai lá receber a grana; o cadáver será exposto em praça pública; mais um homicídio terá sido cometido; haverá, talvez, certa catarse coletiva; parte da sociedade se sentirá de alma lavada por esse banho de sangue. Mas e aí? E os próximos crimes? Serão com isso prevenidos e impedidos? Ou terão sido incentivados? Serão todos “solucionados” da mesma forma?

Capitão Assumção é, notoriamente, um líder carismático reconhecido dentro de sua categoria, com influência inquestionável sobre setores da PMES, principalmente junto a algumas associações. Sua bandeira é a segurança pública. Muito mais construtiva seria a sua atuação parlamentar nessa área se parasse de, literalmente, patrocinar essa selvageria e se trocasse o elogio da barbárie por um discurso mais racional.

Em vez de seguir enaltecendo respostas fáceis e individuais que só geram mais violência, o deputado poderia integrar esforços com outras autoridades de modo a impedir que novos atos de violência prosperem em nossa sociedade.

ADENDO

Estou ciente de que, em reação à coluna, virão acusações levianas de que estou “defendendo criminoso”, “passando a mão na cabeça de bandido” etc. É pena que forcem essa confusão.

O assassinato de Maiara, diante da filha de 4 anos, é crime selvagem, hediondo e IMPERDOÁVEL. Seu autor deve ser capturado, preso, julgado celeremente e condenado, nos termos da lei, respeitando-se o devido processo legal. É isso que defendo.

Só não entendo, nos termos da lei, que um crime, por pior que seja, justifique outro... que levará a outro... que levará a outro... que levará a outro... etc.

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