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Arquitetura hostil: composições excludentes na mira da lei

Prestes a ganhar a sanção presidencial,  projeto de lei veda o emprego de estruturas, materiais e técnicas que visem a afastar pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos

Vitória
Publicado em 19/01/2023 às 01h59
Pessoas em situação de rua ocupam Praça do Papa, em Vitória
Pessoas em situação em área livre. Crédito: Fernando Madeira - 14/08/2020

*Edezio Caldeira Filho

No dia 22 de novembro de 2022, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 488/2021, que proíbe a arquitetura hostil no âmbito do poder público. O PL altera o Estatuto da Cidade e apresenta como justificativa o fato de que muitas cidades brasileiras têm incentivado a arquitetura hostil em razão da especulação imobiliária.

O texto, que agora segue para a sanção presidencial, veda o emprego de estruturas, materiais e técnicas de arquitetura que visem a afastar pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população. O PL foi batizado com o nome do padre Júlio Lancelotti, conhecido nacionalmente pela forte militância em favor das populações em situação de rua.

A expressão "arquitetura hostil" se refere à utilização de técnicas que não proporcionam bem-estar e qualidade de vida às pessoas,  valendo-se da utilização de materiais e elementos pontiagudos embaixo de pontes e viadutos, de grades em torno de praças e jardins, de cercas elétricas e arames farpados, de bancos com divisórias em formatos desconfortáveis, de construções sem marquises, entre outras soluções arquitetônicas que podem afastar as pessoas dos espaços públicos.

É importante dizer que, tanto o senador Contarato, autor do PL, quanto o padre Lancelotti não defendem a manutenção das pessoas nesses espaços públicos, mas veem nas restrições a sua presença em ruas e outros lugares o agravamento do problema social e não a sua solução.

Embora estejamos falando de gente muito vulnerável e que carece da proteção do Estado, aos olhos de parte da sociedade, essas pessoas "agridem" o espaço público. E em meio a esses conflitos é que nós, arquitetos e urbanistas, atuamos, sempre na perspectiva e com a responsabilidade de propor espaços que sejam acolhedores e agradáveis ao convívio.

Porém, mesmo que essa nova lei não caia na vala comum das "leis que não pegam” aqui no Brasil, o problema da falta de moradia para esses desvalidos ainda está longe de ser solucionado.

Independentemente de ser arquiteto ou cidadão comum, será que nos conforta pensar que pessoas em situação de rua poderão contar com uma marquise para se abrigar da chuva, ou com um banco de praça para passar a noite? Será que nos alivia saber que famílias com crianças pequenas poderão "morar" em barracos feitos de pedaços de pau e papelão, bem ali, de baixo do viaduto?

Podemos até evitar falar da fome, da insegurança e da falta de condições sanitárias dessas pessoas. Porém, até que se consolide a percepção de que a rua não é lugar para se morar e que nunca substituirá a moradia digna, e até que se encontrem as melhores alternativas (remoção planejada, construção de abrigos, casas de passagem, aluguel social, etc.) para abrigar toda essa gente, será necessário mobilizar a sociedade para que ela seja mais compassiva e não banalize o sofrimento dos que dormem ao relento, dos que não têm um teto, nem uma casa para chamar de sua. Afinal, o direito à moradia é assegurado a todos pela Constituição.

Edezio Caldeira Filho: "Atuamos  com a responsabilidade de propor espaços que sejam acolhedores e agradáveis ao convívio". Crédito: Camilla Baptistin
Edezio Caldeira Filho: "Atuamos  com a responsabilidade de propor espaços que sejam acolhedores e agradáveis ao convívio". Crédito: Camilla Baptistin

*Edezio Caldeira Filho é arquiteto e urbanista, pós-graduado em Gestão de Cidades e conselheiro do CAU/ES

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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