A informação da testemunha Stenio Rodrigues Fernandes, 30, nesta segunda-feira (6), durante o julgamento pelas mortes na boate Kiss, de que estava em Caçapava do Sul, a cerca de 100 quilômetros de Santa Maria, no momento do incêndio que causou a morte de 242 pessoas, levantou um questionamento no júri sobre a lista de vítimas que sobreviveram à tragédia.
O advogado Bruno Seligman de Menezes, da defesa de Mauro Hoffmann, apontado como sócio-proprietário da boate, perguntou ao ex-promoter da Kiss se ele sabia que foi apontado como uma das 636 vítimas pelo Ministério Público. Stenio afirmou que sim.
O número está presente na denúncia por tentativa de homicídio e é divulgado por órgãos oficiais. Segundo Menezes, a lista inclui, por exemplo, Jorge Pozzobom (PSDB), atual prefeito de Santa Maria, deputado estadual na época da tragédia, entre outros nomes.
À reportagem, Pozzobom afirmou por meio de mensagem que a questão é um erro grave. Ele disse que, na noite da tragédia, estava em casa às 3h30, quando foi acordado com a notícia e seguiu para o local da Kiss para ajudar –a boate ficava na região central da cidade.
As defesas pontuaram no júri que a discussão é importante, porque está relacionada ao dolo eventual pelo qual os réus são acusados –um dos pontos da acusação é que os proprietários teriam assumido risco pela lotação acima da capacidade do local. A superlotação na madrugada de 27 de janeiro de 2013 tem sido um das questões recorrentes feitas às vítimas.
"Nesse caso, uma imputação de tentativa de homicídio a mais ou a menos, é completamente irrelevante. Ela não muda absolutamente nada", afirmou o juiz Orlando Faccini Neto, salientando que isso não significa desmerecer as vítimas de fato da imputação de tentativa de homicídio, que são ouvidas no júri – serão 12 no total.
"Essa denúncia foi ofertada em abril de 2013, quando o fato ocorreu em janeiro de 2013, um dos fatos de maior complexidade apuratória de que se tem conhecimento. Como se disse, eu errei, tu errarás, ele errará, nós erraremos, vós errareis e eles errarão. Isso não afasta em nenhuma medida o trabalho que foi feito", disse ele.
Quatro réus são acusados de homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual – Hoffmann, Elissandro Spohr (os dois sócios-proprietários da Kiss), Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira) e Luciano Bonilha Leão (assistente de palco que teria comprado o artefato pirotécnico).
Entre os problemas encontrados na lista, segundo Menezes, estão um nome em duplicidade, dois bombeiros, duas vizinhas, duas pessoas que disseram não estar no local, entre outros. Ele diz ainda que todas as vezes que a situação surgiu no decorrer do processo apresentaram registros formais em audiências ou em manifestações escritas.
"Eu entendo como extremamente relevante para que possamos abordar no momento dos debates o aspecto relacionado a superlotação da boate", afirmou ele no júri.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul confirma que há nomes que constaram errado na denúncia, alegando que se deve ao prazo exíguo para conclusão do inquérito e oferecimento da mesma, já que os réus estavam presos na época.
A Promotoria diz ainda que optou por não adicionar outros nomes depois por avaliar que não teria impacto na pena ou implicâncias jurídicas e porque isso prolongaria o tempo de tramitação do processo.
A promotora Lúcia Helena Callegari defendeu, em meio à discussão, que o número real passaria dos 636 nomes apontados na lista até aqui.
"Quando foi oferecida a denúncia, não tinham sido identificadas todas as vítimas. Posteriormente, foram recebidas pela polícia as listas das pessoas que acessaram os hospitais e várias vítimas que foram hospitalizadas nem constam no rol, vieram depois os prontuários médicos. Nós temos muito mais que 636 vítimas. Estou falando isso porque temos isso documentado no processo", disse ela.
O juiz explicou ainda que tentou calcular o tempo necessário para avaliarem todas as imputações separadamente: precisariam de algo em torno de 28 dias na sala secreta (onde jurados respondem a questionário para conclusões), sem contar intervalos de almoço, jantar ou sono, o que seria inexequível, diz ele.
"Se pretenderem dividir vítima por vítima, será impossível quesitar, absolutamente impossível indagar os jurados", afirmou o magistrado.
Jader Marques, advogado que representa Elissandro Spohr, pediu que o Ministério Público não cite mais a soma de número de mortos e sobreviventes –878 pessoas– já que, para as defesas, há erros no segundo dado.
"O fato de termos, por exemplo, 18 pessoas não localizadas pela Polícia Civil e que constaram como vítimas também importa. A divergência faz diferença porque a acusação insiste em fazer uma soma para determinar um aspecto da acusação que é a lotação", pontuou ele.
O magistrado encerrou a questão afirmando que as balizas do julgamento atual são a imputação feita na denúncia e as decisões anteriores que levaram o processo até o júri.
O julgamento da Kiss acontece em Porto Alegre depois de ser desaforado de Santa Maria, com questionamento das defesas se a cidade onde ocorreu a tragédia poderia garantir um júri imparcial.
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