Publicado em 26 de dezembro de 2020 às 11:25
O ano de 2020 foi dominado pela pandemia do novo coronavírus, mas o Brasil foi um dos poucos países que conseguiu chamar a atenção mundial em outro assunto: os recordes de desmatamento na Amazônia e as queimadas históricas no Pantanal. >
De janeiro a novembro, foram destruídos pelas chamas 116.845 km² do território da Amazônia e do Pantanal, área equivalente a quase três estados do Rio de Janeiro. >
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) também mostram que a Amazônia perdeu, em um ano, 11.080 km² em área desmatada --maior índice da década.>
No Pantanal, o principal problema foram as queimadas, que devastaram 40.171 km², o equivalente a um quarto de todo o bioma.>
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O aumento nos desastres ambientais ocorreu em um ano marcado por polêmicas envolvendo os principais atores brasileiros na área. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que o "Ibama não atrapalha mais".>
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falou em usar gado para evitar queimadas (o "boi bombeiro") e, na expressão mais célebre, defendeu aproveitar a comoção com a pandemia para "passar a boiada" na legislação ambiental. O Ministério do Meio Ambiente foi procurado, mas não se manifestou.>
Na avaliação de Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, o governo Bolsonaro apresentou problemas na condução da política ambiental. "E a opção tem sido na linha de uma antipolítica ambiental. Tudo o que tem de regras ambientais, o ministro é contra.">
"O ministro Salles e pessoas ligadas a ele, e isso vem do próprio presidente da República, têm uma leitura como se as regras de proteção fossem impeditivo de um padrão de desenvolvimento, de crescimento econômico.">
O cientista Carlos Nobre lembra que, mesmo diante da repercussão negativa de várias decisões, como o revogaço de normas de proteção de mangues e restingas no litoral, Salles não tentou corrigir nenhuma medida.>
"Nunca. Como é responsabilidade oficial, formal do Ministério do Meio Ambiente implementar a lei, eu acho que a nota que eu daria para ele é muito próxima de zero.">
O período também foi marcado pela consolidação dos militares à frente das ações para reduzir crimes ambientais.>
O país gastou R$ 340 milhões na Operação Verde Brasil 2, na Amazônia Legal. O Ministério da Defesa informou que militares já combateram 7.600 focos de incêndio e prenderam 263 pessoas em flagrante, além de apreenderem 180 mil m3 de madeira ilegal.>
A pasta diz que houve redução no desmatamento, em comparação com os mesmos meses de 2019 após emprego dos militares --vale destacar que o ano passado é considerado atípico, com níveis recordes de crimes ambientais.>
Há quem, no entanto, levante dúvidas sobre a efetividade da atuação dos militares, a um custo elevado.>
"Os resultados do desmatamento, bem como informações relacionadas a queimadas, focos de calor, em geral, mostram que o governo apostou em uma estratégia completamente ineficaz ao colocar os militares à frente do combate ao desmatamento", diz Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha da Amazônia do Greenpeace.>
"Nós temos esse processo de militarização da fiscalização ambiental, ao passo que órgãos ambientais que tinham experiência nesse trabalho de fiscalização seguem sendo sucateados, sofrendo cortes de orçamento e a perda de protagonismo nos combates.">
Para Araújo, ex-Ibama, a autarquia e o ICMbio são frequentemente deslegitimados pelo presidente. Em outubro, Salles instituiu um grupo de trabalho para estudar a fusão dos órgãos. "O orçamento é o espelho de decisões políticas. Quando você manda para o Congresso um valor desse, já é reflexo que a decisão para a junção Ibama e ICMbio já foi tomada. Porque o ICMBio não vai conseguir se manter na parte finalística com recursos tão baixos.">
O Ministério da Defesa afirma que atua na operação para dar apoio logístico e proteção para os órgãos de fiscalização ambiental. A pasta refuta a tese de que se trata de uma operação cara. "Apenas em multas (R$ 1,8 bilhão) por infrações ambientais, nós já aplicamos seis vezes o valor investido na operação", afirma o vice-almirante Carlos Chagas, porta-voz do ministério.>
A atuação dos militares é um dos principais argumentos do vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, para tentar mudar a imagem do Brasil no exterior e assim liberar os recursos bloqueados por países como Noruega e Alemanha.>
Em relação ao Pantanal, o governo credita grande parte da tragédia à seca severa que atingiu a região neste ano. No entanto, especialistas também afirmam que a seca extrema não pode ser considerada um fator isolado.>
Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que estudos de sua equipe mostram que mudanças climáticas estão relacionadas a desmatamentos regionais.>
Além disso, Rajão diz que o fogo não ocorre naturalmente, sendo resultado de ação humana, seja ela irresponsáve, seja criminosa.>
"Incentivado talvez com o discurso do governo de que a fiscalização não vai acontecer mais, que vai se acabar com a indústria da multa, que o Ibama não vai mais incomodar os produtores, então você tem um incentivo às ações criminosas.">
Se mantiver a atual política ambiental, a perspectiva é de que o Brasil fique cada vez mais alijado das principais discussões envolvendo meio ambiente no cenário internacional. A projeção ganha ainda mais força quando se lembra que em 20 de janeiro toma posse o presidente eleito dos EUA, Joe Biden.>
"O país está se tornando uma espécie de pária ambiental", afirma Araújo. Para ela, ao Brasil oscila entre negacionismo e uma espécie de chantagem. "Você pressiona por dinheiro quando você fala: 'Se vocês não me pagarem, eu vou degradar'. É isso que está subentendido", diz.>
Em ação sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), Bolsonaro afirmou que "não há qualquer omissão federal, posto a grande quantidade de atos em defesa do meio ambiente já adotados".>
Na quarta-feira (23), a ministra havia dado ao presidente e a Salles cinco dias para prestar esclarecimentos em ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Na quinta (24), Bolsonaro respondeu com parecer da Advocacia-Geral da União.>
A Rede aponta falhas do governo na política de preservação ambiental e quer que o STF determine a adoção de medidas concretas contra o desmatamento.>
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