Ailton Geraldo Dias*
Quanto mais se debruça sobre os principais problemas atuais, em todas as áreas do saber, mais se é levado a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. Isto porque decorrem de sua natureza sistêmica, o que significa que estão inexoravelmente interligados, com forte interdependência para o entendimento do todo.
Por isso, eles precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção.
Precisa-se encontrar uma nova forma de percepção da realidade que inclua padrões que possam auxiliar compreender o mundo atual, globalmente interligado em diversos sistemas (tecnológicos, culturais, históricos, territoriais, políticos, filosóficos etc).
A construção de ferramentas de análises de sistemas complexos, no mundo de fugacidades, sugere a ideia de que a teia de relações do conhecimento possa ser um modelo aplicável. Por exemplo, quando se observa uma rede de relações entre folhas, ramos, galhos e tronco, chama-se a isso de sistema “árvore”, e se avaliado de forma desconectada de seu ecossistema, não permitirá entender o que é uma floresta. Ao se desenhar uma árvore, a maioria de nós não fará as raízes.
No entanto, as raízes das árvores são tão notórias quanto as partes que se vê. Em resumo, o que se chama de árvore depende da percepção que se tem, depende da construção de saberes interconectados; como se afirma em ciência, depende dos métodos de observação, de medição, de análise e de processamento. Ao se olhar o mundo em redor, o que se observa (o que se capta) não é a natureza em si, mas a natureza alcançável pelas lentes utilizadas.
O esforço para se entender, a partir da ótica dos sistemas complexos, a agricultura e a problematização que emerge na pauta atual, envolvendo o agronegócio e o uso de moléculas químicas para o controle fitossanitário, com discussões de nomenclaturas (Agrotóxicos? Defensivos? Agroquímicos? Pesticidas? Praguicidas? Veneno?) também se insere no cenário da crise de percepção.
Neste esforço, se depara com diferentes contextos: empresas que investem para aumentar market share e receita líquida; organizações que propõem o não uso de moléculas químicas sob o viés do natural; produtores perplexos pelo estreitamento de sua renda; e, o consumidor final, com informações obsoletas ou mesmo desinformado.
Sem o olhar sistêmico dos processos complexos, das questões interligadas, a discussão estará desfocada, porque a percepção em senso comum não tem conseguido alcançar suficiente clareza do ‘todo’, e resultará polarizada, somente. Este artigo quer se encontrar com aqueles que desejam romper as barreiras da intolerância. No universo de luta pela inclusão e pela diversidade, não cabem a dissensão e o personalismo ideológico.
A indústria química, para a saúde humana, elabora moléculas para livrar o homem de doenças e de epidemias e o faz sem confrontos com a medicina popular, baseada em plantas medicinais, formulada pelo conhecimento tradicional atávico (indígenas, quilombolas, caboclos e outros) e, hoje, reconhecida pelo Sistema Único de Saúde. Na abordagem dos sistemas complexos, estes dois subsistemas são sinérgicos. A partir deste ambiente de sinergia percebe-se que a discussão polarizada, envolvendo a agricultura, sem o enfrentamento apoiado em sistemas complexos, desliza-se e não contribui para o avanço.
A indústria química, para a saúde das plantas, também elabora moléculas para livrar as plantas de doenças e pragas. Ao longo das últimas décadas, algumas foram proibidas, abandonadas e ou substituídas por outras mais novas. Tais moléculas podem ser reunidas em dois grandes grupos: produtos químicos e bioquímicos; e, produtos semioquímicos, microbiológicos e agentes biológicos de controle.
Qual seria a forma correta de comparar o uso destas moléculas na agricultura? Por valor total? Por quantidade total? É seguro fazer uso delas?
A tendência mundial para avaliar possíveis impactos é utilizar indicadores de risco. No meio científico, o indicador que tem ganhado maior ênfase é o EIQ – Envionmental Impact Quotient. O EIQ mede o uso de ingrediente ativo e não o uso do produto comercial; permite comparar culturas, sistemas de produção, anos e países; como também avaliar os riscos para o ambiente, para o trabalhador e para o consumidor, separadamente.
Hoje, produzir e inovar na agricultura ganhou impressionante complexidade, um ato subordinado a um grande número de protocolos, de regras, de regulamentações e tratados com relativa eficácia e aplicabilidade.
A agricultura é tema transversal para todas as sociedades, desde os seus primórdios, o que acentua a sua centralidade como tema pujante, que não se esgota e que ainda participará de construções filosóficas, tecnológicas, sociológicas, econômicas etc, cada vez mais ancorada em processos sistêmicos. Constata-se, finalmente, que a agricultura, fortemente inserida na natureza e em seus sistemas complexos de interação, tem muito a ensinar a todos.
Cabe, humildemente, lembrar o que o filósofo Sócrates já asseverava: ipse se nihil scire id unum sciat (só sei que nada sei), ou, de um modo todo mineiro, trazer Riobaldo de Guimarães Rosa: “eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa”.
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*O autor é engenheiro agrônomo e professor
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