É presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Erros e insensatez podem gerar conflitos com desdobramentos trágicos

Participação americana na Guerra do Vietnã é um exemplo de como a desinformação e a demonização da divergência podem se transformar em um desastre

Publicado em 01/12/2019 às 04h00
Atualizado em 01/12/2019 às 04h03
Monumento em memória das vítimas do massacre de My Lai, no Vietnã. Crédito: Shutterstock
Monumento em memória das vítimas do massacre de My Lai, no Vietnã. Crédito: Shutterstock

Foi um massacre. O Exército americano acreditava que guerrilheiros controlavam a região. O comandante explicou que não haveria civis e tudo o que se movesse deveria ser abatido. O furor homicida dos soldados descarregou sua violência contra velhos e adolescentes, homens e mulheres. Crianças que mal sabiam andar foram destroçadas.

My Lai talvez seja o evento mais devastador da Guerra do Vietnã. A guerrilha na selva transformara os adversários em demônios e jovens comuns em genocidas.

A França colonizara o Vietnã no século 19, mas com a Segunda Guerra passou a enfrentar a resistência liderada por Ho Chi Minh, o homem austero que iniciou um célebre discurso citando, com admiração, trechos da Declaração da Independência americana.

John Kennedy, antes de se tornar o presidente que escalou a guerra, afirmara que deveriam persuadir os vietnamitas que eram contra a injustiça tanto quanto contra o comunismo.

A Guerra Fria, porém, saiu de controle e invadiu os conflitos regionais, como no caso da Coreia, rachada em duas depois de um conflito armado.

Com os franceses sendo escorraçados, o governo americano envolveu-se no conflito do Vietnã, mesmo sem o aval do Congresso, como determina sua Constituição.

Estava armada a arapuca. Os EUA se descobriram defendendo o Vietnã do Sul contra a expansão do Vietnã do Norte, supostamente um braço da China comunista. Não era bem assim. China e Vietnã viviam às turras havia centena de anos, e a população local lutava pela sua independência.

O governo americano, que não sabia bem contra quem estava lutando e humilhado pela resistência, intensificou seus ataques com brutalidade e descontrole, falsificando os relatos sobre o que ocorria. As suas disputas políticas internas inviabilizavam o reconhecimento de erros e um armistício.

O descontrole, alimentado por desinformação e pela demonização da divergência, transformou-se em tragédia.

Em "The Fog of War", Errol Morris entrevista Robert McNamara, secretário de Defesa nos anos 1960, um homem bom que se descobriu protagonista do indefensável. O documentário "The Vietnam War" descreve, com a narração angustiosamente pausada de Peter Coyote, a história dessa catástrofe.

My Lai é exemplo extremo de como erros de avaliação e reações desmedidas podem gerar conflitos com desdobramentos inesperados e desastrosos.

Por aqui, continuamos a adição semanal de gotas ao balde da insensatez belicosa, um lado justificando a defesa de um AI-5 em caso de manifestações, o outro criticando a homenagem literária à poeta Elizabeth Bishop por seus comentários privados, nos anos 60, a favor do golpe. Uma hora transborda.

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