Bolsonaro normaliza ideias e ações antes vistas como impróprias

No Brasil, as raízes profundas dessa direita vêm da nossa tradição de autoritarismo, do Império à República. Do ponto de vista do fortalecimento da democracia, é bom que a direita saia do armário

Publicado em 08/08/2019 às 13h59
Bolsonaro na Marcha para Jesus: "Ideologia de gênero é coisa do capeta". Crédito: Instagram
Bolsonaro na Marcha para Jesus: "Ideologia de gênero é coisa do capeta". Crédito: Instagram

A novidade da política brasileira é que a direita da direita saiu do armário. Com isso, Jair Bolsonaro preserva um bunker político de 25 a 30% do eleitorado. Esse bunker se fortalece combatendo outro bunker, criado entre 2002 e 2014: o bunker lulista, à esquerda do espectro político, que também tem entre 25 e 30% do eleitorado. Significa que a outra metade do eleitorado – a da mediana central do espectro – está órfã de liderança e projeto, no meio do tiroteio virtual inspirado em Steve Bannon (Bolsonaro) e no lulismo (esquerda).

Bolsonaro dá voz a uma tradição de direita que estava enrustida sob a ética do politicamente correto e da bandeira progressista. Cerca de 1/3 dos brasileiros têm opinião similar à do presidente em questões como a ditadura militar, a demarcação de terras indígenas, a política ambiental, a violência urbana, a posse de armas e a admiração por Trump, segundo Datafolha recente.

O populismo bolsonarista, mitigado pelo liberalismo econômico de Paulo Guedes, menospeza as liberdades civis brasileiras e vai se consolidando como um nicho com força de bunker. Bolsonaro “normaliza” para o seu público ideias e ações antes vistas como impróprias. Tirou os radicais da solidão. Ele diz o que “todos” pensam, mas ninguém dizia. Também, as falas presidenciais emitem sinais de pouco apreço por contratos, gerando incerteza nos agentes econômicos – com riscos para a atração de investimentos externos.

Galvanizando a atenção da massa de população evangélica, o governo combina liberalismo econômico, liberalismo político restrito e conservadorismo nos costumes. Atrai a fatia da população que cultiva valores como esforço pessoal e prosperidade material e tem a sensação de que o Estado brasileiro não entrega o que promete. O contexto desse sentimento é a onda mundial hostil, autoritária e nacionalista, insegura com a globalização – que, desde 2008, faz o indivíduo buscar proteção em suas “tribos”. Esse medo é explorado por populistas como Bolsonaro, cultivando inimigos reais ou imaginários.

No Brasil, as raízes profundas e remotas dessa direita vêm da nossa tradição de autoritarismo, do Império à República. A antropologia social foi buscar essa nossa herança histórica: “o patriarcalismo, o mandonismo, a violência, a desigualdade, o patrimonialismo, a intolerância social, são elementos teimosamente presentes em nossa história pregressa e que encontram grande ressonância na atualidade” (Lilia Schwarcz, “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”).

Do ponto de vista do fortalecimento da democracia, é bom que a direita saia do armário. Os versos de Cazuza diziam “Brasil mostra a tua cara”, pela voz de Gal Costa em “Vale Tudo”, protagonizado pela personagem Odete Roitman. E la nave va, como na alegoria de Fellini.

A Gazeta integra o

Saiba mais
jair bolsonaro lula opinião paulo guedes

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.