Denise se apaixonou por uma bolsa no Vietnã, mas só foi conseguir comprá-la em Paris
Denise se apaixonou por uma bolsa no Vietnã, mas só foi conseguir comprá-la em Paris. Crédito: Carlos Alberto Silva

Peças com história

Extrapolando o uso habitual, algumas peças viram xodós por contar histórias. Seja pela maneira que foram adquiridas, seja pelos anos que acompanham seus donos, seja pelo que representam para eles

  • A Gazeta
Publicado em 19/07/2019 às 15h30

Adriana Delmaestro lembra da primeira vez que fez sua primeira exposição em São Paulo, há 16 anos. Para essa data tão especial ela escolheu um conjunto preto que guarda até hoje. Já Lacy Ramos não acredita que seu enxoval - usado num desfile no Sambão do Povo, debaixo de um temporal, em 2015 - ainda continua intacto.

Quem não tem aquela peça de roupa cheia de significados guardada? A camisa de um show de rock, a saia comprada em uma viagem inesquecível, o vestido do primeiro encontro, a roupa usada no dia do nascimento de um filho, o vestido de casamento...

Algumas peças têm o poder de criar memórias afetivas. E é isso que os personagens da nossa matéria de capa mostram. Se suas peças (escolhidas a dedo) falassem, contariam boas e inesquecíveis histórias. Confira!

...diria que foi uma saga para achá-la

Você já quis muito uma peça e foi atrás dela insistentemente? A engenheira Denise Gazzinelli já. Foi numa viagem de 20 dias pela Ásia, no ano passado, que ela fez uma verdadeira saga em busca de uma bolsa dourada da grife Louis Vuitton.

Após passar por Singapura e Tailândia num cruzeiro, durante a parada no Vietnã ela encontrou aquela que seria a sua bolsa dos sonhos. “Queria um modelo dourado para usar no casamento do meu filho. E andando na antiga Saigon passei em frente a uma loja da Louis Vuitton e fiquei completamente apaixonada por uma bolsa dourada exibida na vitrine. Só que, quando se compra uma bolsa na maison gasta-se tempo para fazer a garantia. E tempo era algo que eu não tinha, já que precisava voltar para o navio”, conta a mineira.

Denise continuou a viagem tranquila com a certeza que encontraria a bolsa em Hong Kong, local com várias lojas da grife. Afinal, se a loja do Vietnã tinha bolsa, é claro que teria em Hong Kong. “Passei por todas as lojas e em nenhuma delas encontrei a peça. Um vendedor conseguiu parar, abriu o site e mostrou todas as bolsas disponíveis. E não tinha a tal da bolsa dourada que eu tinha me apaixonado”.

A última cartada estava na manga da engenheira, porque no retorno da viagem tinha uma conexão em Paris, onde ela ficaria por alguns dias. “A primeira coisa que fiz na cidade foi ir numa loja da marca, na Galeries Lafayette. Lembro que tinha uma fila enorme de chineses na porta. Uma vendedora brasileira me atendeu e, depois de consultar todo o portfólio, também dizia não saber qual bolsa eu procurava. Cheguei a pensar que tinha tido uma alucinação”, conta, rindo. Até que uma funcionária - que sabia tudo da grife - após alguns minutos de pesquisa descobriu qual bolsa Denise queria. “Ela ainda disse: ‘Aqui ninguém sai sem levar o está querendo comprar’”. O único modelo disponível no país estava numa loja da famosa avenida Champs-Élysées e um funcionário foi de carro buscá-lo. “Quando a bolsa chegou não acreditei que era a minha queridinha que tanto tinha procurado”, lembra. Denise – que usou a peça no casamento do filho - também divide o uso com a filha, que adora o modelo. “Se essa bolsa falasse, ela diria que foi difícil chegar às mãos de suas donas, mas que valeu a pena porque gostamos muito de passear”.

...iria se lembrar de um desfile debaixo de chuva

Lacy mantém intacto o terno azul com o qual desfilou pela  Novo Império, no carnaval de 2015. Crédito: Carlos Alberto Silva
Lacy mantém intacto o terno azul com o qual desfilou pela Novo Império, no carnaval de 2015. Crédito: Carlos Alberto Silva

O médico Lacy Ramos Junior guarda com muito carinho todo o enxoval que usou no desfile da Novo Império, no carnaval capixaba de 2015. Ele não esquece da madrugada do dia 07 fevereiro, quando assumiu a responsabilidade pela Velha Guarda da escola de Caratoíra. “Essa roupa é especial porque marca o ano em que entrei para a Velha Guarda. A camisa foi especialmente feita por um camiseiro no estilo de smoking e é toda plissada”, conta. Detalhe, todo o desfile foi debaixo de uma tempestade. “A particularidade é que desfilamos debaixo de chuva e a roupa - com o lenço de bolso, a gravata e o sapato - ainda está intacta”, lembra. Apaixonado por viagens, Lacy já conheceu 36 países e gosta de dizer que adota o estilo básico no dia a dia. “Gosto de camiseta, sandália e bermuda jeans. Mas em todas as viagens acabo trazendo alguma peça de roupa”. A paixão por carnaval é herança da família. E ele não pensa em tão cedo se desfazer deu seu look impecável que te garante tantas boas lembranças. “Já recebi ofertas pelo sapato branco com detalhes dourados. Mas não dou, não vendo e não troco. Se essas roupas falassem contariam que o carnaval é uma terapia para mim e mostrariam a importância de ter o respeito mútuo por todas as pessoas, independente da classe social. O carnaval ensina isso”, diz ele todo elegante vestindo seu terno azul com chapéu Panamá.

...quero expressar a minha identidade

O collant deixou de ser uma peça de dança para Thaylan e passou a acompanhar o dia a dia de suas produções. Crédito: Carol Vargas
O collant deixou de ser uma peça de dança para Thaylan e passou a acompanhar o dia a dia de suas produções. Crédito: Carol Vargas

O vendedor Thaylan Tolentino sempre teve um fascínio por observar como as pessoas se vestem. “A minha mãe foi uma grande responsável por grande parte da minha bagagem. Todo fim de semana a gente assistia a lançamentos de filmes, mas sempre tinha no meio um musical da sua adolescência. Eu ficava apaixonado. Então eu cresci tendo um gosto forte por música, dança e figurino”, lembra.

Já adulto ele teve uma breve passagem pelos balés clássico e contemporâneo, o que estreitou seu relacionamento com as roupas da dança. “Foi o que me trouxe mais fortemente as memórias que sempre carreguei daqueles musicais”. Fora da dança, o collant, que ele tem há oito anos, passou a o acompanhar. “É a peça de roupa que consegue melhor exprimir minha identidade e é a mais versátil. Eu uso com jeans, skinny, veludo, blazer... ele vira mil roupas”.

Ele conta que, quando parou de dançar, ressignificou o collant a uma peça de uso comum. “Ele me ajudou demais a me conhecer, me encontrar e definir a minha personalidade. Porque gosto muito de misturar masculino e feminino no mesmo visual”, conta.

Thaylan não compra muito. “Já tive esse comportamento e já garimpei muito em brechó e bazar, onde quer que eu fosse. Hoje eu só compro quando realmente acho que vai fazer alguma diferença”, diz. Se o seu collant falasse ele diria: “Limite pra que? Se expressar é admirável”.

...contaria que a usei na minha 1ª exposição, há 16 anos

O estilo de Adriana Delmaestro é marcante. Tanto que os filhos da designer de joias brincam dizendo que é fácil encontrá-la em qualquer lugar. Basta olhar o cabelo e o jeito de vestir - sempre com peças com bom corte e tecido de qualidade. Apaixonada por moda, ela sempre foi uma fiel consumidora da marca Maria Bonita, grife carioca que existiu até 2015. “Conheci a marca aqui em Vitória, quando fui comprar um jeans que tinha visto numa pessoa e, chegando na loja, amei todas aquelas roupas. Me identifiquei com o despojamento e a alfaiataria impecável”, conta.

Adriana e seu look-poder, que virou curinga  porque a deixa segura nas mais diferentes situações. Crédito: Carlos Alberto Silva
Adriana e seu look-poder, que virou curinga porque a deixa segura nas mais diferentes situações. Crédito: Carlos Alberto Silva

O closet dela, aliás, é um verdadeiro acervo da grife, já que Adriana teve oportunidade de trabalhar com a marca, de conhecer várias coleções, de participar de promoções exclusivas e de circular pelas lojas. “Olhar as peças era irresistível”, conta. Entre suas peças preferidas está um conjunto preto – o preto é outra paixão dela! –, uma calça bem largona, que parece saia, e um blazer assimétrico. “Comprei há muitos anos porque ia fazer a primeira exposição em São Paulo e queria chegar como ‘a’ designer. E a calça acabou virando minha peça coringa para vários momentos. Se tinha que dar uma palestra era ela, nas saídas noturnas, também era ela. Sempre que preciso de uma roupa que me sinto bem, escolho essa calça que tem mais de 16 anos”, conta Adriana.

“Sou prática com elegância, mas esse estilo foi se aprimorando ao longo dos anos”. E se esse conjunto da foto falasse, o que ele diria, Adriana? “Tanta coisas boas que vivemos juntos. Eu só vesti essas peças em momentos felizes. No início foi pensando na parte profissional, e depois na vida. Momentos inesquecíveis”.

...diria que marcou uma era da moda

Yula escolheu uma camiseta feita por ela mesma  há 30 anos. "Esta peça fez muito sucesso na época", garante. Crédito: Carlos Alberto Silva
Yula escolheu uma camiseta feita por ela mesma há 30 anos. "Esta peça fez muito sucesso na época", garante. Crédito: Carlos Alberto Silva

A estilista Yula Duarte, de 84 anos, é uma das principais profissionais de moda deste Estado. Quando as fashions weeks nem sonhavam em existir, ela já realizava desfiles em Vitória e levava a moda capixaba para outros estados. Foi em Mimoso do Sul que ela começou criando em pequena escala coleções de roupas, sapatos, bolsas, cintos em couro, pinturas em peças de porcelana e até móveis exclusivos.

No início da década de 70, montou a primeira escola de arte de Vila Velha e logo depois criou a confecção com o seu nome. “Criava peças diferenciadas e exclusivas. A minha roupa tinha identidade, os clientes já sabiam que era ‘da Yula’ quando via uma peça em alguém”, conta. Ela teve a primeira loja do Boulevard da Praia, além de vender para o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. Mesmo depois de tantos anos, até hoje Yula guarda algumas peças daquela época. Tanto que sua escolha foi uma camisa de 30 anos atrás. “Essa peça fez muito sucesso na época, já que foi lançada numa das edições da Feira da Indústria Têxtil e de Confecção (FITEC), uma feira anual que era muito badalada. Minha filha Rebeca que fez a estampa. Se essa peça falasse, ela contaria que fez parte de uma geração”, diz ela, que continua inspirando filhos e netos para a arte, seja através de seu DNA, seja nas conversas criativas que mantém com eles.

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