Publicado em 4 de dezembro de 2025 às 08:44
Guaracy Silveira é considerado o primeiro deputado evangélico do Brasil.>
O pastor da Igreja Metodista foi eleito para a Assembleia Nacional Constituinte que fez a Carta de 1934, a primeira depois da revolução que acabou com Getúlio Vargas no poder.>
Mas ele defendeu posições um pouco diferentes do que se vê atualmente em Brasília, onde a Bancada Evangélica está cada vez mais forte no Congresso e discute-se a fé evangélica de um indicado a ministro do Supremo Tribunal Federal.>
Guaracy Silveira foi a favor do divórcio, por exemplo — 40 anos antes de ele ser legalizado — e tentou impedir que as escolas públicas pudessem ter aulas de religião.>
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Também não queria mencionar Deus na nova Constituição e, eleito por um partido socialista, saiu em defesa dos trabalhadores.>
Mas defendeu sobretudo que os protestantes poderiam e deveriam se envolver na política.>
"Ele pregava uma Igreja que atua em favor da população em geral e não em causa própria, que não tenta impor seus valores na sociedade, mas garantir o bem público", diz Cilas Ferraz de Oliveira, autor de Guaracy Silveira: um protestante na política.>
Oliveira é pastor metodista, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação — e pesquisou sobre a vida política e religiosa do primeiro nome protestante de peso na cena política nacional brasileira.>
É importante fazer a ressalva de que ao menos outros dois fazendeiros protestantes já tinham sido eleitos antes de Guaracy Silveira. "Ainda na Primeira República", explica Oliveira.>
Mas com o pastor foi diferente. Ele foi um candidato da igreja. Sua base eleitoral eram os protestantes, e ele chegou à Constituinte para defender os interesses dos crentes do país, que na época eram uma pequena minoria.>
A Igreja Católica estava se mobilizando para eleger deputados e inscrever seus valores e interesses na nova Carta, e os evangélicos tentaram fazer o mesmo.>
"Havia uma desconfiança dos evangélicos de que o catolicismo estava se organizando para recuperar espaços perdidos com a Proclamação da República", diz Oliveira.>
A Constituição de 1891 havia decretado o Estado laico e impedido o ensino religioso nas escolas públicas.>
A Constituição de 1934 foi vista pelos católicos como uma oportunidade de eles voltarem às salas de aula.>
Guaracy Silveira e outros deputados sabiam que as aulas de religião seriam na verdade aulas de catolicismo.>
O pastor, único protestante da Constituinte, tentou mudar o artigo sobre o assunto e articulou com os parlamentares socialistas, liberais e maçons, mas acabou derrotado.>
A Carta de 1934 autorizou o ensino religioso nas escolas públicas, mas disse que ninguém seria obrigado a assistir às aulas.>
Para Guaracy Silveira, isso seria uma "uma forma de opressão à consciência das crianças".>
Ele também não conseguiu impedir que colocassem Deus na Constituição.>
O texto final dizia: "Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil".>
O pastor foi contra o requerimento que pediu para incluir esse trecho por achar "perfeitamente desnecessária qualquer declaração da confiança íntima em Deus".>
"A confiança em Deus é uma questão íntima e somente o próprio Deus sabe se os que elaboraram a Constituição confiaram ou não confiaram n'Ele", disse na época.>
"Ele não era contra a gratidão a Deus, mas à menção a Deus", explica Cilas Oliveira.>
"Ele defendia a separação entre a Igreja e o Estado e entendia que em toda aquela discussão estavam envolvidas pessoas que não acreditavam em Deus, tinham outras religiões, então, a Constituição não deveria falar em Deus, como se Deus estivesse assinando embaixo.">
Também falava que era muito bem casado, mas era a favor do divórcio. "Ele dizia que a proibição muitas vezes levava a um divórcio a bala, com o assassinato da mulher", diz Oliveira.>
Guaracy Silveira dizia ser descendente de bandeirantes e liberais. Mas não era de uma família especialmente religiosa.>
O pai era fazendeiro no interior de São Paulo, e a mãe, dona-de-casa.>
O dinheiro da família foi embora com a derrocada do café quando o pastor ainda era criança. Ele parou de estudar cedo por falta de dinheiro e foi trabalhar.>
Trabalhou em uma empresa telefônica e uma padaria. Foi ajudante de escritório, lavador de vidros e prático de farmácia.>
Só voltou para a escola no final da adolescência, quando entrou para o seminário. Foi ser padre para conseguir terminar os estudos.>
Ele contava que tinha se decepcionado com a Igreja Católica e por isso havia decidido abandonar a carreira eclesiástica.>
Guaracy Silveira entrou pouco depois para a Igreja Metodista e, alguns anos depois, havia se tornado uma das suas principais lideranças.>
O pastor teve uma vida política intensa dentro e fora da igreja.>
Dentro da igreja, trabalhou pela autonomia dos metodistas brasileiros em relação aos Estados Unidos, de onde tinham vindo parte dos missionários que trouxeram essa igreja para cá.>
A autonomia foi conseguida em 1930. Ele se aposentou como pastor sete anos depois. Também trabalhou como editor da revista Expositor Cristão.>
Fora da igreja, ele foi membro não só da Constituinte de 1934, mas também a de 1946, promulgada depois da queda do Estado Novo.>
Foi deputado federal na primeira legislatura da redemocratização, até 1951.>
Ainda na primeira Constituinte, ele foi expulso do Partido Socialista Brasileiro pela ala marxista da legenda, com quem compartilhava a luta por direitos trabalhistas mas não os ideais liberais.>
Na segunda Constituinte, elegeu-se pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Depois, criou e presidiu o Partido Republicano Trabalhista.>
O pastor Cilas Oliveira diz que Guaracy Silveira defendia que os crentes podiam fazer política e ajudar a determinar os rumos da sociedade.>
"Ele não concordava com quem falava que não participar da política era uma forma de manter a Igreja pura, porque ele dizia que isso acontecia de qualquer forma, por debaixo dos panos. Ele defendia que era melhor fazer isso com clareza e honestidade", diz Oliveira.>
Ao mesmo tempo, defendia a laicidade. "Ele acreditava que o Estado não pode servir a uma religião, e o Estado não tem que mandar na Igreja. Que os religiosos podem se envolver na política, mas sem impor sua religiosidade a quem quer que seja.">
Também sabia que isso era importante para garantir a liberdade do exercício de outras fés como a sua em um país de maioria católica.>
Guaracy Silveira morreu em 1953, aos 60 anos. Deixou uma mulher, cinco filhos e dois romances escritos.>
Este texto foi publicado originalmente em 16 de dezembro de 2021.>
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