Publicado em 26 de dezembro de 2025 às 09:44
O prêmio recorde de até R$ 1 bilhão que pode chegar para a Mega da Virada pode levar milhares de apostadores às loterias neste fim de ano. >
Mas, uma vez que o ganhador é anunciado e retira o prêmio, surge outra questão mais interessante: o que acontece com todo aquele dinheiro? >
Estudos feitos por Jay L. Zagorsky, da Universidade de Boston, e outros pesquisadores, e publicados no site The Conversation, mostram que muitas vezes esse dinheiro não é tudo o que se imagina.>
Em 2018, o prêmio acumulado de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,3 bilhões, na conversão atual) da Mega Millions, nos Estados Unidos, saiu para um único apostador.>
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A probabilidade de ganhar é muito pequena — aproximadamente uma em 303 milhões. Ou seja, você tem cerca de 400 vezes mais chances de ser atingido por um raio.>
Se cada adulto nos EUA comprasse apenas um bilhete, com combinações de números diferentes, ainda haveria uma probabilidade razoável — cerca de 7% — de não haver vencedor e de o montante crescer ainda mais.>
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A primeira coisa a ter em mente, segundo Zagorsky, é que, embora o valor do prêmio seja muito alto, o pagamento real será muito menor.>
O vencedor não receberá um cheque de US$ 1,5 bilhão no dia seguinte. Como único ganhador, ele, ou ela, pode escolher entre um pagamento único de cerca de US$ 878 milhões (R$ 4,8 bilhões) ou receber US$ 1,5 bilhãoem parcelas anuais que aumentam progressivamente em 30 anos.>
Depois disso, vem a mordida do imposto. Se o vencedor for de um Estado americano que não cobre imposto sobre loteria, como a Flórida ou o Texas, e optar por um montante único, o governo federal vai abocanhar US$ 211 milhões (R$ 1,1 bilhão), restando US$ 667 milhões (R$ 3,6 bilhões).>
No caso, o bilhete premiado teria sido comprado na Carolina do Sul, que morderia mais 7%, deixando o vencedor com cerca de US$ 606 milhões (R$ 3,3 bilhões)>
O prêmio está começando a diminuir, embora ainda reste uma porção generosa.>
No imaginário popular, ganhar na loteria é sinônimo de mudar de vida. Em artigo de 2001, os economistas Guido Imbens e Bruce Sacerdote, em parceria com o estatístico Donald Rubin, mostraram que isso provavelmente acontece, mas que as pessoas tendem a gastar mais aquilo que elas ganham inesperadamente.>
Uma análise financeira de ganhadores de loteria, realizada cerca de dez anos após eles conquistarem o prêmio, revelou que essas pessoas economizaram apenas 16 centavos de cada dólar recebido.>
Na pesquisa realizada por Zagorsky, ele mostra que indivíduos que receberam uma herança ou uma grande doação financeira aos 20, 30 e 40 anos perderam rapidamente metade do dinheiro devido a gastos ou investimentos mal feitos.>
E outros estudos mostraram que ganhar na loteria em geral não ajuda quem tem dificuldade financeira a resolver seus problemas — apenas adia a inevitável falência. Um desses estudos revelou que um terço dos ganhadores perde tudo.>
Como um ganhador de loteria consegue gastar centenas de milhões de dólares tão depressa? Não é fácil.>
Uma pesquisa demográfica sobre as características dos apostadores sugere que o auge das apostas em loteria acontece quando as pessoas estão na faixa dos 30 a 39 anos e diminui à medida que elas envelhecem. Nos EUA, a expectativa de vida é de 79 anos.>
Supondo que o vencedor esteja na casa dos 30 anos, significa que ele teria cerca de 45 anos para gastar, digamos, US$ 900 milhões, já descontado os impostos (R$ 4,8 bilhões). >
Isso quer dizer que ele precisaria desembolsar pouco menos de US$ 20 milhões (R$ 110 milhões) por ano ou aproximadamente US$ 55 mil (R$ 304 mil) por dia para acabar com o dinheiro — ainda considerando os juros acumulados no banco em 2018, quando o estudo foi feito.>
Além disso, gastar tudo significa que o ganhador não tem bens. Se ele usasse o dinheiro para comprar casas de luxo, quadros do Banksy, Ferraris e Aston Martins, seu patrimônio líquido não mudaria e ele seria capaz de se aposentar com sua riqueza intacta — pressupondo que o valor dos investimentos se mantivesse ou aumentasse.>
"Torrar" todo o dinheiro, o que leva à falência e pouca poupança, significa que o vencedor não tem nada palpável para comprovar seus gastos, além do fato de ter se divertido.>
E foi basicamente isso que um homem chamado Huntington Hartford fez.>
O americano, que viveu de 1911 a 2008, herdou a fortuna da Great Atlantic & Pacific Tea Company. A empresa, aberta pouco antes da Guerra Civil, é mais conhecida como a rede de supermercados A&P.>
Foi a primeira loja de alimentos de costa a costa dos EUA e, da Primeira Guerra Mundial até a década de 1960, era o que o Walmart representa para os consumidores americanos de hoje.>
Hartford herdou aproximadamente US$ 90 milhões (R$ 498 milhões) quando tinha 12 anos. Se corrigirmos o valor pela inflação, significa que ele ganhou mais de US$ 1,3 bilhão (R$ 7,1 bilhões), descontada a taxação , quando criança. Mas declarou falência em 1992, aproximadamente 70 anos após receber uma das maiores fortunas do mundo.>
Ele teve o efeito contrário do toque de Midas (expressão da mitologia grega que descreve a habilidade de transformar tudo em ouro ao toque). >
Perdeu milhões comprando imóveis, criando um museu de arte, patrocinando peças teatrais e espetáculos. Combinou a falta de aptidão para os negócios com um estilo de vida excepcionalmente luxuoso.>
Depois de declarar falência, viveu recluso nas Bahamas com uma das filhas até morrer.>
A história de vida de Hartford, associada às pesquisas acadêmicas, mostram que dinheiro que cai do céu nem sempre traz felicidade. Esbanjar é mais fácil do que parece.>
Se você jogou na loteria e não ganhou, te desejo mais sorte da próxima vez. Se apostou e ganhou, te desejo ainda mais sorte.>
Todavia, uma das lições mais importantes, independentemente de jogar ou não na loteria, é que, ao receber um dinheiro inesperado, você deve pensar no futuro e resistir à tentação tão humana de gastar tudo.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Negócios.>
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