Publicado em 17 de maio de 2025 às 04:39
Pela terceira vez em três anos, Portugal se prepara para ir novamente às urnas nas eleições legislativas, que acontecem no próximo domingo (18/5).>
O pleito ocorre antecipadamente, depois da queda do primeiro-ministro, Luís Montenegro, motivada por um escândalo envolvendo uma empresa de consultoria de propriedade de sua família, o que provocou acusações de conflito de interesse. >
A polêmica, que culminou com a queda da Alternativa Democrática, uma coalizão formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS) começou em fevereiro, quando o caso se tornou público. >
A imprensa portuguesa noticiou que o primeiro-ministro tinha uma empresa de consultoria empresarial, viticultura, seguros e negócios imobiliários. A Spinumviva foi fundada por Montenegro e sua família em 2021, quando ele não ocupava nenhum cargo político. >
>
Em junho de 2022, após ser eleito presidente do PSD, Montenegro vendeu suas ações na empresa à sua mulher e aos seus dois filhos. Com esta transação, Montenegro pretendia evitar um potencial conflito de interesses. No entanto, segundo o Código Civil português, a transação seria nula, já que Montenegro é casado em regime de comunhão de bens e, por isso, o que pertence à esposa também pertence a ele. >
>
Um dos principais clientes da empresa é a Solverde, um grupo hoteleiro e de casinos que paga à Spinumviva uma mensalidade de 4.500 euros (R$ 28.607), para o qual Montenegro trabalhou como advogado antes de ser eleito presidente do PSD. Trata-se de um grupo empresarial cuja concessão de quatro casinos – que tem de ser atribuída pelo Governo – termina no fim de 2025.>
O semanário português Expresso revelou ainda que todos os outros clientes da Spinumviva foram conseguidos por Montenegro. A sede da empresa era a casa do primeiro-ministro, e o contato era o celular pessoal dele. >
A oposição exigiu explicações, que foram dadas de forma muito superficial, e o cerco em torno dos bens e negócios do primeiro-ministro se apertou. >
O Ministério Público abriu uma investigação preventiva contra a empresa de Montenegro. No âmbito político, o partido da direita radical, Chega (CH), e o Partido Comunista (PC) apresentaram duas moções de censura no parlamento, que foram rejeitadas. Já o Partido Socialista (PS) exigiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigasse o caso no Parlamento.>
Montenegro se negou a abrir a CPI e apresentou uma moção de confiança, apesar dos avisos do Partido Socialista de que não votaria a favor. O desfecho esperado ocorreu em 11 de março: a moção de confiança não foi aprovada e o governo caiu, forçando o país a convocar eleições antecipadas.>
"Essas eleições foram provocadas por um problema pessoal do primeiro-ministro", diz o cientista político António Costa Pinto.>
"Luís Montenegro provocou essas eleições com uma moção de confiança que se sabia, de cara, que seria rejeitada por uma questão de sobrevivência política, para evitar uma comissão de inquérito e um grave problema político para o primeiro-ministro.">
Num país acostumado com governos estáveis, Portugal atravessa agora um período conturbado com três eleições legislativas em três anos e uma sucessão de governos que não conseguiram levar seu mandato até ao fim.>
Tudo começou em janeiro de 2022, após o socialista António Costa ter visto os seus parceiros de Governo rejeitarem seu orçamento de Estado. As eleições que se seguiram deram a Costa uma maioria absoluta rara hoje em dia. >
E quando todos se preparavam para quatro anos de estabilidade, o socialista acabaria por se demitir dois anos depois, ao se ver envolvido num suposto caso de corrupção e tráfico de influências na concessão de projetos energéticos no país, no qual António Costa nunca chegou a ser formalmente acusado.>
No dia 7 de novembro de 2023, o Ministério Público anunciou que investigaria o primeiro-ministro, e António Costa demorou poucas horas para anunciar sua decisão. >
"As funções de primeiro-ministro não são compatíveis com a suspeita de qualquer ato criminal", disse Costa. "Obviamente, apresentei minha demissão ao senhor presidente da República".>
Atualmente, o caso continua a se arrastar pelos tribunais acumulando vários erros, dentre eles a confusão em escutas telefônicas entre o nome do primeiro-ministro (António Costa) e o nome do ministro da economia (António Costa Silva) e sem que o envolvimento do primeiro-ministro tenha sido demonstrado.>
António Costa, que sempre negou ter cometido qualquer ato ilícito, prestou depoimento espontaneamente no tribunal, respondendo a todas as questões e saindo sem qualquer acusação, ainda que também não tenha sido formalmente acusado. Na sequência, sem nenhuma implicação na Justiça, o socialista assumiu a presidência do Conselho Europeu.>
O caso que envolveu Costa levou o país às segundas eleições antecipadas, em março de 2024, nas quais Luís Montenegro, da Alternativa Democrática (AD), sairia vencedor. As urnas apontaram uma pequena diferença de 1% entre os votos da AD e do Partido Social Democrata (PSD) e o governo de centro-direita começou um mandato numa situação de minoria parlamentar.>
"Com essas eleições, Montenegro tenta resolver dois problemas: por um lado se legitimar novamente em termos eleitorais e, a partir daí, assegurar a sua sobrevivência política e aumentar um pouco a diferença para o Partido Socialista", explica o professor. "Ele já tinha dito que mesmo que sofresse alguma investida do sistema judicial, não se demitia, e se ganhar as eleições ganha legitimidade eleitoral".>
As pesquisas dão vantagem à AD, e mostram ainda uma coisa importante: o bloco formado pelos partidos de esquerda continuará, muito provavelmente, sendo minoria no Parlamento, o que fará com que o governo precise da centro-direita. >
Às vésperas das eleições, a pesquisa Pitagórica para o Jornal de Noticias, Radio TSF e Televisão TVI/CNN dava à AD 31,5% dos votos, contra 26,5% do PS. Os resultados demonstram que o caso que envolveu o primeiro-ministro não parece afetar a intenção de voto dos portugueses.>
"Há muitos estudos que nos dizem que as pessoas reprovam os desvios éticos por parte dos políticos, como é normal, mas depois, isso não tem grande impacto no voto porque os eleitores avaliam os casos de acordo com a afinidade que têm com o partido: os eleitores desse partido tendem a adotar uma posição de defesa da formação", explica o cientista político Hugo Ferrinho.>
"Luís Montenegro pegou a oposição de surpresa, que não desejava essas eleições, e criou uma estratégia na qual o governo influencia a ida às urnas, colocando todos os seus ministros como candidatos nos diversos círculos eleitorais e aproveitando o pouco desgaste de um governo que está no poder há apenas um ano", completa Costa Pinto. "Para muitos segmentos do eleitorado, o caso ético de conflito de interesses não parece ser determinante nas atitudes eleitorais. Não existe uma grande punição".>
O PS, com Pedro Nuno Santos de candidato, ocupa o segundo lugar nas pesquisas, com pouca distância, mas com pouca chance de vitória. "O PS tem feito a campanha possível para um partido com um novo secretário-geral, depois de ter estado oito anos no poder, e com um governo que tem apenas um ano de duração, que é uma conjuntura que não favorece o retorno dos socialistas ao poder", analisa Costa Pinto.>
Em terceiro lugar está o partido da direita radical Chega, que mantém mais ou menos o percentual de votos que teve nas eleições passadas, com 18,1% das intenções de voto. O partido de André Ventura teve, na última ida às urnas, um aumento de 12 para 50 deputados, mas não chegou a entrar no Executivo. "Nunca vou fazer um acordo político com o Chega. Não, é não", prometeu Montenegro em campanha. E cumpriu, preferindo governar em minoria.>
Ainda assim, o resultado do Chega foi suficiente para influenciar parte do discurso do governo, que se tentou colar ao de alguns candidatos do partido da direita radical em temas como a segurança ou a imigração.>
Apesar de Portugal estar no top 10 de países mais seguros do mundo do Global Peace Index, o discurso do primeiro-ministro sobre a segurança no país girou sempre em torno da "necessidade de reforço". >
"Temos uma estratégia de maior policiamento e maior visibilidade. De forma eficiente e eficaz queremos diminuir a criminalidade, sobretudo a violenta", disse Montenegro durante a campanha.>
Meses antes, foi polêmica a ação policial desencadeada no bairro de Martim Moniz em Lisboa, um bairro caracterizado pela imigração asiática. As imagens mostravam um enorme aparato policial, dezenas de imigrantes encostados à parede dos edifícios, de mãos para o alto, sendo revistados pelos policiais, no que foi denominado como uma "operação especial de prevenção criminal". >
No fim, foram apreendidos 4 mil euros, uma faca e um celular. "Não gostei de ver, mas tinha de ser assim", foi a reação do primeiro-ministro no Parlamento, quando foi confrontado pela oposição.>
Já durante a campanha, o governo anunciou a expulsão de 18 mil imigrantes, dos quais 449 são brasileiros, por não cumprirem os requisitos para continuarem no país. A decisão anunciada faz parte de um processo de regularização de imigrantes que conta com mais de 110 mil pedidos e dos quais, segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, "a maioria será deferida".>
Ainda assim, e apesar da diferença de números, o governo preferiu centrar a comunicação nos 18 mil que vão ter de abandonar o país. "Essa informação confirma que a política de imigração em Portugal passou a ser de imigração regulada, que as regras de imigração são para cumprir e que a sua desobediência tem consequências", disse Leitão Amaro.>
"Em ciência política isso se chama fenômeno de acomodação dos temas dos partidos mais radicais. Pelo menos em teoria, a estratégia do governo de Montenegro é esvaziar, em termos programáticos, a agenda do Chega, assumir os temas que lhe são mais caros, adotar medidas que estão mais associadas a ele e, com isso, retirar os motivos que os eleitores teriam para votar no Chega, atraindo eles à AD", explica Ferrinho.>
Se a estratégia dará frutos é algo que ainda não é possível saber. "Muitos estudos sugerem que quando a centro-direita assume os temas da direita radical, em questões como nacionalismo, segurança e imigração, muitas vezes as pessoas preferem votar no "original" e não na "cópia", e o que se verifica é um aumento do voto na direita radical", continua o cientista político.>
Do comportamento do potencial eleitorado da direita radical depende, muito em parte, o resultado deste domingo "Parece que estamos diante do início de um processo de estagnação", diz Ferrinho, "mas os dados que temos não indicam uma grande queda.">
Isso tudo, apesar dos escândalos que envolveram o partido no último ano. O mais grave deles, o do vereador da cidade de Lisboa, Nuno Pardal, acusado de prostituição infantil por manter relações sexuais com um rapaz de 15 anos a quem pagou 20 euros, ao mesmo tempo que, publicamente, dizia que "a proteção dos menores contra a exploração sexual e o abuso sexual é um ponto fundamental da Justiça para o Chega", e defendia a castração química para quem tivesse relações sexuais com menores.>
Outro dos casos mais badalados foi o de Manuel Arruda, que todas as semanas viajava em avião entre Lisboa e a ilha de São Miguel, nos Açores, viagens que aproveitava para roubar malas cujo conteúdo vendia na plataforma de venda de objetos de segunda mão Vinted. A polícia encontrou 17 malas no seu domicílio.>
Finalmente, José Paulo Sousa, deputado regional do Chega, foi detido pela polícia por conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 2,25 gr/litro. Segundo a legislação portuguesa, conduzir com mais de 1,2 gr/litro é crime passível de prisão.>
Num partido cujo lema é "limpar Portugal", os três casos caíram como uma bomba. Nuno Pardal se demitiu, Manuel Arruda abandonou o partido e continuou como deputado independente depois de André Ventura ter pedido a sua demissão, e Sousa continua no partido regional, com André Ventura defendendo que "o deputado assumiu a sua culpa".>
Se os três casos parecem não passar a fatura ao partido, na semana passada, os resultados do estudo europeu From provider to precarious: how young men's economy decline fuels the anti-feminist backlash [De provedor a precário: como o declínio da economia dos homens jovens alimenta a reação antifeminista] parecem reforçar a sua posição, revelando que os rapazes portugueses votam cinco vezes mais na direita radical do que as mulheres jovens. Trata-se do segundo número mais alto da União Europeia.>
As razões, aponta o estudo, estão no "declínio em termos de riqueza, emprego, poder de compra e nível de escolaridade e saúde mental" que faz com que os jovens com menos de 25 anos se sintam atraídos pela "visão tradicional da masculinidade" que defendem os movimentos da direita radical.>
"O Chega parece estar mais ou menos no mesmo patamar de um ano atrás, por volta dos 18%, 19% dos votos, e isso pode depender também da adesão às urnas", explica Ferrinho. "Num país com tantas repetições eleitorais, os eleitores podem acusar uma certa fadiga que os leve a uma maior abstenção e isso pode contribuir para uma menor concentração de votos no Chega", expõe.>
Da mesma forma que "o fato de o Chega continuar sem ser um aliado possível para um governo de direita pode fazer com que os eleitores decidam concentrar o voto útil na AD, ou até na Iniciativa Liberal", partido de direita liberal.>
O que parece certo é que, seja qual for o resultado de domingo, Portugal vai voltar a ter um governo minoritário, obrigado a muita negociação para conseguir manter a estabilidade no país.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta