• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: A casa

Publicado em 20/11/2022 às 02h05
Mãe e filho

Diante de tanta potência, como mãe, me entreguei à aventura dessa oferta sem precedentes. Crédito: freepik

O amor é sempre decisivo. De todos, ele é o maior agente de transformação.

As intercessões entre os caminhos da natureza e os da graça divina se apresentam em quase tudo que experimentamos dia pós dia. Mas, apesar disso, não é dado aos olhos a facilidade de enxergá-los.

Tanto o caminho da graça, cuja manutenção depende da confiança; quanto o da natureza, cuja potência é absurdamente virulenta, nos são ofertados em movimentos que apontam com veemência para a única certeza que temos: a impermanência.

Aqui na Terra vivemos o Grande Mistério...

Como mãe, como neta e como filha, me tocam as perguntas, as chegadas e as partidas.

Partindo do princípio de que toda forma de vida surgiu primeiro na água, o nascimento bem pode ser a imagem de uma porta que se abre nas profundezas, fazendo emergir a criança que deixa para trás o aconchego. Já a morte, que bem pode ser pintada como uma chegada, sugere a glória de um reencontro, seguido por caminhada preguiçosa pela areia molhada.

Óvulo e sêmem, amor em semente plantada numa bolha d`água dentro da gente. Na hora certa, a bolha estoura e a dor é imediatamente imposta. O bebe chora. Sente fome, sente medo. Quer colo, quer peito. Todos sorriem a sua volta. Ele é perfeito! Cheio de graça, um presente da natureza. Ele nada sabe. Não sabe das regras, nem da moral, nem da crueza. Não sabe esperar, nem agradecer, nem dividir. Ele sente apenas. Percebe cada variação de temperatura, cada sentimento e todo tipo de energia que circula no ambiente.

O recém-nascido é um feixe desencapado que reage a tudo da forma mais simples e mais plena. O bebê é uma majestade extraterrena.

Diante de tanta potência, como mãe, me entreguei à aventura dessa oferta sem precedentes. Entreguei meu amor, meu narcisismo, minhas horas, meu colo, braços, pernas e, sem poder controlar, também ofereci tudo aquilo em que creio: minhas inseguranças, culpas e medos; minha alegria, minha fé, minha calma e meu desespero.

Não tem jeito. Desde o princípio, até o fim, o homem é a morada da luta secreta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o passado e o presente, a moral e o desejo.

Pai, mãe, família…Guerreamos internamente também para superar toda forma de autoridade que nos cerca. Mas, curiosamente, quando ela cessa e desaparecem as ordens, as regras e a mão que averiguava a temperatura da nossa testa, sentimos falta dela. E nos tornamos adultos às vezes de crucifixo no pescoço, noutras de livro na mão, suplicando por direção.

Finalmente, não importa o caminho escolhido, de tempos em tempos, eles sempre anoitecerão. Assim sendo, na dor, na dúvida ou na floresta escura, o Amor sempre vai ser a única casa que tem uma vela acesa e a janela aberta.

Ainda que vacilante, a luz está nela.

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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