Quem chega à comunidade de Araçatiba, em Viana, consegue de longe avistar a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda. Ela foi construída pelos jesuítas no século XVIII, como parte do conjunto de edifícios da Fazenda de Araçatiba, que contribuía para o sustento das aldeias e dos antigos Colégio e Igreja São Tiago, em Vitória, transformados no Palácio Anchieta, atual sede do governo estadual. Do passado, restaram apenas a igreja e as ruínas da residência, que vêm sendo castigadas por falta de manutenção e restauração.
Atualmente, o que tem chamado a atenção na igreja, além da história, é a situação em que a obra se encontra: há vidros quebrados, telhas em péssimo estado de conservação, paredes descascadas, tacos do piso destruídos por cupins, diversos marimbondos e besouros. No altar, falta até uma imagem que está quebrada e precisou ser guardada. Do lado de fora, entulho, lixo e paredes se soltando dividem espaço com a arquitetura.
“É muito triste o que vem ocorrendo, porque tem gente que deu a vida para construir a igreja. Se ela acabar, a história de Araçatiba morre. Nós gostaríamos que os órgãos responsáveis olhassem por ela”, disse o coordenador da comunidade Nossa Senhora da Ajuda, José Roberto Rocha, explicando que a última grande reforma no local foi em 1849.
Interdição
A estrutura está tão deteriorada que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo tombamento da igreja em 1950, solicitou à Paróquia Nossa Senhora da Conceição, responsável pela igreja, e à Prefeitura de Viana, que ela fosse interditada. O último pedido foi em março deste ano, após um laudo de vistoria da Defesa Civil.
Enquanto o problema não é resolvido, o número de turistas está reduzindo e passou a dificultar a vida de quem depende do turismo religioso, como a artesã Roberta Ribeiro Gomes, 30, que confecciona caixas, quadros e vidros com imagens de Nossa Senhora da Ajuda e santos.
“Quando eu trabalho penso nos vizinhos e nas pessoas que vêm de fora. Gostaria de produzir uma quantidade maior, mas sei que não vai ter público. O artesão expressa muito a realidade que vive, a religiosidade é a minha realidade, é o que me alegra”, exalta.
O professor do departamento de Arquivologia da Ufes André Malverdes avalia a situação como preocupante. Ele diz que as igrejas têm grande importância histórica e ajudam a explicar a história do Espírito Santo, já que as cidades foram construídas no entorno delas. O especialista alerta que não só as igrejas estão em condições ruins no Estado, mas há residências, documentos e até o patrimônio imaterial está em risco.
“Na Igreja de São José do Queimado, por exemplo, ficaram apenas as ruínas devido a demora na restauração, e isso também pode ocorrer em outros pontos. É uma corrida contra o tempo. Cultura gera emprego, renda e é uma atividade econômica que reflete significativamente no Estado”, explica o professor.
Serra
O Estado possui ao menos 25 igrejas, capelas, conventos e ruínas de igrejas centenárias que são tombados, segundo levantamento feito no site da Secretaria de Estado da Cultura (Secult). A reportagem visitou igrejas na Grande Vitória. Algumas já começaram a restauração como a Igreja dos Reis Magos e a Igreja de São José do Queimado, na Serra.
No entanto, a Igreja São João Batista de Carapina, na Serra, chama a atenção pelas condições. Há paredes escuras e descascando, algumas rachaduras, pichação, mato alto e lixo, além disso a região se tornou pasto para cavalo. Já a parte de dentro está em bom estado de conservação, apesar da condição de algumas paredes.
Construída em 1584, a igreja foi tombada pelo Conselho Estadual de Cultura só em 1984. Ela marca a passagem das primeiras levas de missionários jesuítas no Espírito Santo. Foi nela que aconteceu um dos primeiros milagres do padre José de Anchieta, que em 2014, após ter a canonização oficializada, tornou-se o terceiro santo brasileiro.

O aposentado Eli Batista de Gouvêa, 66, frequenta o local e diz que é a comunidade que se une para realizar a manutenção da igreja. “O senhor Sinval é quem tem a chave e sempre cuida, por isso que ela está bem conservada na parte interna. Mas precisamos de melhorias, principalmente do lado de fora”, destacou.
OBRAS SEM PRAZO PARA SAIR DO PAPEL
Os problemas estruturais das igrejas tombadas em Viana e na Serra ainda não possuem prazo para serem resolvidos. Segundo o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Igreja Nossa Senhora da Ajuda, em Viana, possui projeto de restauração, mas não há prazo para as obras.
O órgão esclareceu que o projeto foi inserido na Lei Rouanet e está aprovado para realizar a captação de recursos no valor de R$ 3.680.671,00.
“O projeto foi entregue em 2014 à Paróquia Nossa Senhora da Conceição, administrada pela Mitra Arquidiocesana de Vitória, e a Prefeitura de Viana para as providências de execução da obra. O Iphan tem responsabilidade no acompanhamento da preservação do bem. Contudo, a responsabilidade pela conservação continua sendo dos proprietários. Desse modo, a necessidade e a responsabilidade pelas obras de restauração é desses proprietários”, justificou o órgão em nota.
A Mitra Arquidiocesana de Vitória informou apenas que é corresponsável pela igreja. “A Igreja pode fazer obra desde que a mesma seja aprovada e supervisionada pelo Iphan”, disse em nota.
Já a Prefeitura de Viana disse que apenas o Iphan tem autorização para realizar operação de restauro no prédio e que a administração municipal e a Mitra Arquidiocesana estão auxiliando o instituto na captação dos recursos.
Com relação à manutenção, a prefeitura afirmou que “sempre que acionada pela coordenação local da igreja realiza a retirada de inseto e limpeza do entorno do prédio”, acrescentou em nota.
Serra
Em relação a Igreja São João Batista de Carapina, o secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer da Serra, Alessandre Motta, disse que está sendo desenvolvido um projeto de restauração. “Já teve um projeto de restauração há alguns anos no local, mas esse novo está em fase de reformulação. Pretendemos terminá-lo neste ano e captar recurso no próximo ano”, disse.
A Mitra Arquidiocesana de Vitória também informou que “a igreja passou a pertencer a Paróquia Santo André, recentemente criada. O pároco, padre Hugo está tentando retomar a vida pastoral no local e já está celebrando lá esporadicamente”, disse. A Paróquia Santo André foi procurada e informou que não há previsão de nenhum projeto.
A Secretaria de Estado da Cultura (Secult) também foi procurada, já que a igreja é tombada pelo Conselho Estadual de Cultura. O órgão informou que “a responsabilidade da conservação é do proprietário do patrimônio”. Ressaltou ainda que deve fiscalizar e pode notificar o proprietário que falhar com a manutenção.
RUÍNAS VÃO VIRAR MUSEU A CÉU ABERTO
Após uma longa espera, as ruínas da Igreja São José do Queimado começaram a ser restauradas em fevereiro deste ano. Elas fazem parte do sítio histórico do Queimado, palco da principal revolta de escravos no Espírito Santo: a Insurreição do Queimado, liderada por Chico Prego, João da Viúva e Elisiário, em 19 de março de 1849.
O patrimônio foi tombado pelo Conselho Estadual de Cultura em 1993, mas pertence a Prefeitura da Serra. Segundo o secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer do município, Alessandre Motta, a restauração tem previsão de terminar em outubro deste ano. A obra tem orçamento de R$ 1,3 milhão.

“O objetivo é manter as ruínas e transformar o local num museu a céu aberto. A demora para acontecer a restauração se deu porque o projeto ao longo de 40 anos passou por vários gestores e cada um tinha um entendimento sobre o que deveria ser feito”, disse.
Histórico
Para o professor do departamento de Arquivologia da Ufes, André Malverdes, essa demora na restauração das ruínas de São José do Queimado também tem ligação com fatos históricos. “Os órgãos demoraram a perceber a importância do local por estar ligado a luta de negros. Por muitos anos a população branca diminuiu a importância do fato histórico”, esclareceu.
A RESPONSABILIDADE É COLETIVA
"O tombamento consiste no reconhecimento público do valor histórico, artístico ou cultural de um bem. Quando uma igreja é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por exemplo, esta autarquia passa a ter obrigação de fiscalizar o edifício. Mas a responsabilidade pela conservação do imóvel continua a ser do seu proprietário.
Assim, por ação ou omissão, o Iphan, a Mitra Arquidiocesana de Vitória e a comunidade contribuíram para o atual estado de abandono da igreja de Nossa Senhora da Ajuda. É gravíssimo o que acontece, porque esse precioso templo se deteriora rapidamente.
A Igreja de Araçatiba, em Viana, precisa de manutenção regular e de uso adequado para que não ocorra com ela a destruição sofrida pela antiga matriz de São José do Queimado, que primeiro perdeu o telhado e depois teve arruinada a fachada principal.
Existem diversas igrejas centenárias no Espírito Santo, algumas tombadas no nível federal e outras, no estadual. Domingos Martins abriga a primeira igreja luterana a receber uma torre sineira em toda América Latina. Preservar essas edificações religiosas é fundamental para manter viva parcela significativa da nossa história".
Fernando Achiamé, escritor e historiador
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