Alcélio e o filho, Jeferson, cuidam de 44 caixas de abelhas uruçu-amarela na Aldeia de Comboios, em Aracruz
Alcélio e o filho, Jeferson, cuidam de 44 caixas de abelhas uruçu-amarela na Aldeia de Comboios, em Aracruz. Crédito: Ricardo Medeiros

Mel produzido em aldeias indígenas do ES faz sucesso com chefs renomados

Produção envolve todas as 12 aldeias de Aracruz, no Norte do ES. O projeto Tupyguá surgiu, virou cooperativa e leva um produto único e diferenciado aos mais exigentes paladares do Brasil

Publicado em 16/10/2019 às 09h08

Da junção dos nomes das etnias Tupiniquim e Guarani, nasceu a Tupyguá. Ainda no ano de 2012, alguns poucos índios  de Aracruz, no Norte do Espírito Santo, iniciaram um processo de recuperação da produção de mel proveniente de abelhas sem ferrão nas próprias aldeias. Sete anos depois, aquele primeiro passo foi acrescido de muitos outros. Juntos, eles se transformaram em uma cooperativa, que dá suporte aos produtores de todas as 12 aldeias do município, contemplando cerca de 60 famílias e envolvendo aproximadamente 110 índios.

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A Coopygua leva não apenas o mel diferenciado, como também os produtos secundários da cadeia produtiva à mesa dos mais exigentes paladares. O mel cuidadosamente produzido do manuseio da abelha Uruçu-Amarela brilha nos mais conceituados restaurantes do país, tanto que o premiado chef de cozinha brasileiro, Alex Atala, fez questão de conhecer pessoalmente o projeto em 2017 e integrantes do restaurante de Atala participaram da colheita do mel tipicamente nativo da região. Vale destacar que esse produto de elevada qualidade e sabor marcante também é estrela no cardápio de restaurantes capixabas.

“O mel das abelhas nativas sem ferrão salvaguarda a biodiversidade. Este produto poliniza, alimenta, medica e faz delícias. Este produto faz bem para toda a cadeia. O Brasil está pronto para produzir algumas toneladas de mel de abelhas brasileiras, gerando renda e valorizando a diversidade de todos os biomas brasileiros", disse Alex Atala à reportagem de A Gazeta.

O chef Alex Atala visitou a Aldeia de Comboios, onde foi recebido por Tiago e Alcélio, à direita, e pode conhecer como é produzido o mel de abelhas sem ferrão. Crédito: Arquivo Pessoal
O chef Alex Atala visitou a Aldeia de Comboios, onde foi recebido por Tiago e Alcélio, à direita, e pode conhecer como é produzido o mel de abelhas sem ferrão. Crédito: Arquivo Pessoal

À frente da primeira cooperativa indígena voltada para a produção de mel da América Latina e fundada em 2018, o também produtor Tiago Barros dos Santos, de 31 anos, fica orgulhoso por ver o esforço coletivo ser reconhecido nacionalmente.

"É uma satisfação para todos nós. Somos em 12 comunidades produzindo e, saber que nosso produto é tão bem recebido, é gratificante. Já recebemos visitas de pessoas da alta gastronomia aqui para conhecer nossa produção e manejo. A cooperativa é resultado do sucesso da meliponicultura nas aldeias indígenas. A Coopyguá surgiu para centralizar a produção e dar suporte na comercialização dos produtos", disse Tiago, que cuida de 35 caixas na Aldeia Pau Brasil.

EM FAMÍLIA

Cada família é responsável pelas próprias colônias. Sempre em duplas, os cuidados e o trabalho de multiplicação das abelhas demandam atenção diária dos produtores. Um deles é o meliponicultor Alcélio Carlos, de 50 anos, que ao lado do filho Jeferson,  está no projeto Tupyguá desde 2017. Foi ele, inclusive, que recebeu o chef Alex Atala na aldeia de Comboios.

Mel de abelhas sem ferrão produzido em comunidades indígenas de Aracruz ganha o Brasil

Com a reintrodução da criação de abelhas nativas, os índios de Aracruz puderam resgatar uma atividade já praticada pelos antepassados
Com a reintrodução da criação de abelhas nativas, os índios de Aracruz puderam resgatar uma atividade já praticada pelos antepassados. Ricardo Medeiros
Tiago dos Santos e Warlei de Morais, são presidente e vice-secretário da Coopygua, respectivamente
Tiago dos Santos e Warlei de Morais, são presidente e vice-secretário da Coopygua, respectivamente. Ricardo Medeiros
Alcélio e o filho, Jeferson, iniciaram no projeto Tupyguá em 2015
Alcélio e o filho, Jeferson, iniciaram no projeto Tupyguá em 2015. Ricardo Medeiros
O mel produzido nas aldeias de Aracruz possui muitas variedades e sabores. O pólen também é outro produto obtido do manejo das abelhas
O mel produzido nas aldeias de Aracruz possui muitas variedades e sabores. O pólen também é outro produto obtido do manejo das abelhas . Ricardo Medeiros
O mel fermentado passa por um processo longo de maturação até atingir o estágio de não precisar ser refrigerado
O mel fermentado passa por um processo longo de maturação até atingir o estágio de não precisar ser refrigerado. Ricardo Medeiros
A abelha uruçu-amarela tem esse nome devido à coloração e não possui ferrão
A abelha uruçu-amarela tem esse nome devido à coloração e não possui ferrão . Ricardo Medeiros
Na sede da cooperativa, o também meliponicultor Warlei de Morais monta uma caixa onde as abelhas se multiplicarão
Na sede da cooperativa, o também meliponicultor Warlei de Morais monta uma caixa onde as abelhas se multiplicarão. Ricardo Medeiros
As melgueiras são onde as abelhas produzem o mel após coletarem os diferentes pólens existentes na região de Aracruz
As melgueiras são onde as abelhas produzem o mel após coletarem os diferentes pólens existentes na região de Aracruz. Ricardo Medeiros
Jeferson e o pai, Alcélio, produziram 25 quilos de mel na colheita deste ano
Jeferson e o pai, Alcélio, produziram 25 quilos de mel na colheita deste ano. Ricardo Medeiros
Alcélio Carlos cuida com muito carinho das 44 caixas de abelha uruçu-amarela que possui na Aldeia de Comboios
Alcélio Carlos cuida com muito carinho das 44 caixas de abelha uruçu-amarela que possui na Aldeia de Comboios. Ricardo Medeiros
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia. . Ricardo Medeiros
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.
A sentinela é uma das abelhas responsáveis pela proteção da colmeia.

"Eu venho pela manhã e dou uma olhada em cada uma das caixas. Repito isso à tarde para ver se não tem nenhuma praga atacando as abelhas. Elas tem que ser alimentadas. Fazemos um melado à base de açúcar, água e limão. A gente faz esse preparo porque as floradas diminuem na época da seca e as abelhas não encontram o alimento para produzir o mel. Fazemos essa alimentação de duas a três vezes na semana", disse Alcélio.

"O início não foi fácil, pois começamos com cinco caixas e depois tivemos que ir multiplicando aos poucos. Eu achava que era só pôr as caixas que já ia começar a produzir. Se não cuidar, a abelha morre. No ano passado perdemos oito caixas. Atualmente temos 44 caixas com abelhas produzindo mel", complementou o meliponicultor, termo designado para quem trabalha com abelhas sem ferrão.

Jeferson, por sua vez, explicou que a cultura do mel ajudou a resgatar uma tradição antiga na comunidade. "Nós entramos há dois anos e esse trabalho tem uma importância enorme para a nossa família, pois nossos antepassados já trabalhavam com a abelha sem ferrão e serve como um resgate para a gente", disse Jeferson, que ao lado do pai produziu 25 quilos de mel, neste ano, no meliponário da família.

PRODUTOS E A ABELHA URUÇU-AMARELA

As milhares de abelhas da espécie uruçu-amarela produzem um mel diferente do que habitualmente encontra-se em larga escala no mercado, proveniente de abelhas europeias ou africanas. Menos viscoso, mais amarelado e com acidez marcante, o mel obtido dessa espécie apresenta notas aromáticas de plantas típicas dos ecossistemas onde estão situadas as terras indígenas, por isso o produto é classificado em três variedades: Tabuleiro, Restinga e Capoeira.

Capoeira: vegetação secundária que sucede a mata original de tabuleiro que foi derrubada. Nesse tipo de mel predominam as flores da Aroeirinha e traços de flores de Eucalipto, muito cultivado no entorno da terra indígena.

Tabuleiro: vegetação úmida típica da costa do Espírito Santo. Formada por árvores como Jurema, Jequitibá, Cabuatã e Pequiá, além de bromélias e orquídeas.

Restinga: predominância de arbustos que nascem no solo arenoso mais próximo do mar. Representada por plantas como Abaneiro, Araçá, Cupiúba, Guriri e Ingá-Mirim.

"A diferença entre os méis das três variedades para o mel fermentado se dá pelos processos que eles passam. Os primeiros são in natura, no qual são colhidos e depois refrigerados, mantendo assim as características do mel natural. Já o fermentado é condicionado em recipientes, onde ele vai maturar por meses até estabilizar e assim pode ficar em temperatura ambiente,  sem a necessidade de refrigeração. O mel da abelha que trabalhamos é menos doce que o tradicional e mais hidratado (líquido)", explicou o produtor e vice-secretário da Coopyguá, Warlei Pereira Coutinho de Morais, de 22 anos.

PARCERIA E DESENVOLVIMENTO

Para atingir o status atual a ponto de virar uma cooperativa, a Tupyguá contou com um incentivo fundamental para ser concebido. O projeto foi desenvolvido a partir da parceria entre as comunidades indígenas com a uma empresa de celulose instalada no município. Por intermédio dela, não só Tiago, como também todos os outros meliponicultores, receberam capacitação para manusear abelhas nativas.

"É um grande orgulho para gente fazer parte disso. Foi um processo embrionário, onde a gente acompanhou desde o início. É uma atividade que faz parte de um programa maior da região, mas que foi muito bem abraçada pelos indígenas. O interesse inicial era só trazer a multiplicação dessas abelhas, resgatar algumas espécies que estavam praticamente extintas. Mas, como era uma atividade já conhecida por eles, a multiplicação foi satisfatória e o ambiente propiciou uma boa produção de mel", detalhou a consultora de desenvolvimento social da Suzano, Claudia Belchior.

Confira os pratos elaborados por restaurantes brasileiros à base do mel de abelhas nativas de Aracruz

Queijos brasileiros acompanhados de mel Tupyguá no cardápio do restaurante Maní
Queijos brasileiros acompanhados de mel Tupyguá no cardápio do restaurante Maní. Roberto Seba/Mani
Canolli assado na brasa e glaceado com mel Tupyguá, do chef Ivan Ralston, do Restaurante Tuju, de São Paulo
Canolli assado na brasa e glaceado com mel Tupyguá, do chef Ivan Ralston, do Restaurante Tuju, de São Paulo. Gilberto Bronko/Tuju
Mel de abelhas nativas de Aracruz, melão, capuchinha, alcaparras, mostarda e saúva. Prato criado pelos chefs Pablo Pavon e Bárbara Verzola, do Restaurante Soeta, de Vitória
Mel de abelhas nativas de Aracruz, melão, capuchinha, alcaparras, mostarda e saúva. Prato criado pelos chefs Pablo Pavon e Bárbara Verzola, do Restaurante Soeta, de Vitória. Tadeu Brunelli/Soeta
Sorvete 100% mel + pólen + mel fermentado feito pelo chef Alex Atala, do Restaurante Dom, em São Paulo
Sorvete 100% mel + pólen + mel fermentado feito pelo chef Alex Atala, do Restaurante Dom, em São Paulo. Ricardo D'Angelo/DOM Restaurante
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá. Divulgação/Fazenda Silvestre
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá
Sugestão de consumo: morango com creme de leite fermentado com kefir e mel maturado de uruçu-amarela da Tupyguá

O responsável por desenvolver e repassar as técnicas de manejo da Uruçu-Amarela foi o ecólogo Jerônimo Villas-Bôas, referência nacional em abelhas sem ferrão. Com inúmeras idas às aldeias de Aracruz e um trabalho de conquista e convencimento, ele ajudou a transformar a vida dos indígenas por meio da reintrodução da meliponicultura.

"O início do processo se deu com a implementação do PSTG (Programa de Sustentabilidade Tupiniquim e Guarani) nas comunidades indígenas de Aracruz e minha empresa foi responsável por esse primeiro estágio, que incluía a meliponicultura. Rodamos as aldeias e apresentamos as propostas, não apenas do mel. Inicialmente, poucos aderiram até por conta da relação conflituosa existente entre os indígenas e a empresa. Começamos com apenas três famílias em três aldeias diferentes. O projeto criou um elo entre as partes, incentivou dois povos indígenas a manter raízes em seu território, fez a empresa mudar a visão de negócio e passar a investir nas comunidades no entorno dela. Há um contexto social, institucional e ambiental favoráveis para que as coisas dessem certo desde 2012", destacou o especialista.

INTERESSE ESTRANGEIRO

O sucesso dos produtos produzidos nas comunidades indígenas provenientes da abelha uruçu-amarela virou motivos de estudos. Recentemente uma mexicana visitou as aldeias de Aracruz para conhecer a rotina das pessoas envolvidas para desenvolver um trabalho acadêmico.

"Essa produção é totalmente diferenciada. Com a cabeça do dia a dia a gente não tinha consciência disso, mas  já tivemos a visita de uma pessoa de fora e que veio fazer um trabalho de mestrado aqui. Isso dá uma dimensão da importância desse projeto. Hoje a gente sabe que não existe uma outra produção dessa natureza com  comunidades indígenas na América do Sul. Então, o município de Aracruz está bem privilegiado com esse projeto", complementou Cláudia Belchior.

BENEFICIAMENTO E VENDAS

Na época da colheita, realizada no mês de abril, todo o mel extraído das caixas é levado para a sede da cooperativa, que fica em Coqueiral, na orla de Aracruz. No local, o produto é retirado das melgueiras, beneficiado e parte da produção é depositada em tonéis onde passa por um processo de maturação de meses, até atingir o sabor que o caracteriza. Posteriormente o produto é envasado e comercializado em feiras e exposições.

"Tudo o que é coletado é trazido aqui para a sede. A gente teve uma média de três quilos de mel por colônia na colheita experimental em 2015. No ano seguinte tivemos uma queda e na colheita desse ano, com a mudança na técnicas, temos uma expectativa de que essa média cresça. Esperamos que ela siga aumentando para que possamos seguir investindo na produção de mel. Nesse ano produzimos 400 quilos, mas já chegamos a 600 quilos em 2017, enumerou o presidente da Coopygua.

O mel e o pólen podem ser adquirido com os próprios produtores, na sede da cooperativa, no Programa de Sustentabilidade Tupiniquim e Guarani, em Aracruz, e também na Feira Orgânica da Praça do Papa, em Vitória. Eventualmente o produto é exposto e vendido em exposições e congressos especializados. Os preços são de R$ 25,00 o mel in natura, R$ 20,00 o fermentado e R$ 25,00 o pólen. A cera, por enquanto, apenas é comercializada a produtores de mel, entretanto já existe a ideia de empregá-la na indústria, em especial no segmento de cosméticos. No site também é possível encontrar locais de venda em outros estados.

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