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Novo ministério resolve a segurança?

Novo ministério resolve a segurança?

Raul Jungmann foi empossado na última semana no Ministério da Segurança Pública, nova pasta que é a aposta do governo de Temer para o enfrentamento da violência

Publicado em 4 de março de 2018 às 14:57

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Um tema, duas visões - 04/03/2018. (Amarildo)

"SÃO MUITAS INTENÇÕES, MAS NÃO SÃO BOAS"

Jardel Sabino de Deus  - É professor de direito penal, assessor Jurídico no TJES e doutorando em Direito na FDV

Não se engane, todas as recentes articulações do Executivo Federal não representam nenhuma espécie de preocupação do presidente Temer com a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro ou de qualquer Estado brasileiro, tampouco um cuidado com o bem-estar da população! Explico.

Há pouco mais de dez meses do término de seu mandato e, sendo dono de uma popularidade que despenca a cada nova pesquisa, incapaz de causar inveja a qualquer medalhão da política nacional, Temer vem lançando mão de uma série de medidas estrategicamente pensadas com o claro propósito de promover a fragilização das instituições.

Mesmo sendo investigado no STF, Temer substituiu diretor-geral da PF que, logo passou a emitir opiniões diante da imprensa nacional acerca dos inquéritos em que o presidente tem sido investigado, afirmando que seriam arquivados, mostrando a que veio sem o menor pudor ao minar e lançar no fogo instituição da qual faz parte com as malfadadas manifestações. Acabou demitido, enfim.

Não bastante, aproveitando-se da inconstitucional decretação de intervenção federal na segurança pública fluminense, oportunisticamente anunciou a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, desmantelando o Ministério da Justiça.

A criação de mais um ministério no país que enfrenta grave recessão aporta como mais um peso para as contas públicas, já em frangalhos por conta da cultura patrimonialista e expropriatória incorporada pelo político brasileiro. Precisamos buscar uma saída a ser depositada nas urnas das eleições que se avizinham.

Contudo, a criação deste ministério, especificamente o gasto de verba que ele traz a reboque, é, sem dúvidas, o menor dos prejuízos que a sociedade terá.

A maior dose de nocividade nisso tudo está nas palavras não ditas com a criação da pasta, e é neste ponto que os brasileiros mais lúcidos devem desvendar os olhos daqueles imaculados que ainda creem nas aparentes boas intenções de um governo sátrapa como este.

E o que há de tão malfazejo nisso tudo? Um governo em que seu principal mandatário promove negociatas - “Tem que manter isso ai, viu?” — dentro dos próprios palácios do Distrito Federal somente se sustenta por meio de medidas ardilosas: aquelas que minam e enfraquecem as instituições, como feito na PF e agora no Ministério da Justiça, e as de caráter eleitoreiro por meio de conchavo político, que se aproveitam da vulnerabilidades da sociedade para lançar-se como um salvador da pátria que ele próprio golpeia historicamente.

A quem interessa o enfraquecimento institucional do Ministério da Justiça para que se crie um novo cuja competência já lhe pertencia? Por certo, a criação de um novo ministério que esquarteja as atribuições e competências do da Justiça esta repleta de intenções, mas que estão longe de ser boas.

"MAIS QUE DINHEIRO, MUITO MAIS QUE PALAVRAS"

Henrique Geaquinto Herkenhoff - é professor do Mestrado em Segurança Pública da UVV

Mal o presidente anuncia a criação do Ministério da Segurança Pública, surgem os arautos da polêmica que, a rigor, não existe: em todas as pesquisas a segurança pública e o medo da violência aparecem em primeiro lugar entre as preocupações da população, à frente de outras mais tradicionais como saúde e educação – e isso faz todo o sentido, pois, sem segurança, as escolas e os postos médicos simplesmente não conseguem chegar ao cidadão que mais precisa deles. Portanto, a decisão é apenas o atendimento tardio do mais forte anseio da sociedade.

Outras perguntas seriam mais pertinentes, e a mais importante delas é: por que, até hoje, a União Federal vem se mantendo o mais distante possível do tema? A resposta é simples para quem viveu atendendo o drama cotidiano dos órgãos de segurança: o crime não gera pauta favorável na imprensa, não existe agenda positiva para as autoridades; nenhum secretário de Segurança distribui bolas e uniformes para as crianças. Segurança pública é sinônimo de despesas enormes, críticas ferozes, notícias trágicas nas quais o sofrimento da vítima é sempre ao menos em parte atribuído a falhas das instituições policiais.

Por isso mesmo, a Polícia Federal nunca recebeu mais recursos e missões que o necessário para cuidar dos casos em que os próprios órgãos públicos federais são as vítimas. Mesmo essa espetacular atuação na Operação Lava Jato não foge à regra: apura-se o desvio de verbas e a corrupção nos órgãos públicos federais. Por mais importante que isso seja, pouco ou nada se concede à PF para servir diretamente ao cidadão: ela não recebe meios para combater sistematicamente, por exemplo, o roubo de cargas e os arrombamentos de caixas eletrônicos.

Não temos no Brasil um órgão que centralize e distribua as informações de inteligência criminal a quem for necessário. Não temos um órgão central que forneça estatísticas minimamente confiáveis de violência - e o que não pode ser medido não pode ser melhorado. Não temos nem um documento único de identidade, sendo facílimo obter vários em cada Estado, além dos muitos órgãos autorizados a emiti-los.

É natural que um ministério novo comece sem muitas verbas, ainda mais em tempos de crise – mas devemos rezar para que o Ministério da Segurança não se torne, mesmo, mais um desses distribuidores de recursos mediante convênios. É bem verdade que, na atual conjuntura sócio-cultural e política, há uma tendência de concentrar a atuação desse novo ministério na melhoria das ações de repressão ao crime, não nas ditas “prevenções primárias”. De qualquer sorte, é justo e democrático que a população seja atendida como essa mesma população deseja, não como uma minoria de críticos resolveu em suas salas com ar-condicionado e longe do sofrimento cotidiano da população.

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A criação desse ministério é muito mais que novas verbas para as secretarias estaduais de Segurança. Significa muito mais que um amontoado de palavras. É, finalmente, uma mudança de discurso e de atitude. Uma mudança que tem tudo para ser concreta.

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