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Pesquisador da Ufes participa de estudo inédito para curar cegueira

Pesquisador da Ufes participa de estudo inédito para curar cegueira

"Estamos tentando acabar com a cegueira de pessoas com doenças genéticas", afirma o oftalmologista Thiago Cabral, que trabalha com a técnica Crispr

Publicado em 9 de janeiro de 2018 às 22:02

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O oftalmologista Thiago Cabral participa de estudo de universidade americana. (Marcelo Prest)

DNA. Tudo gira em torno dele. Não faz muito tempo os cientistas desvendaram todo o genoma humano. E agora estão modificando-o, abrindo numa nova fronteira para a ciência - e para a humanidade -, graças a uma tecnologia recente de nome tão complicado que ficou conhecida pela sigla Crispr.

Essa técnica já vem sendo aplicada em laboratórios no mundo inteiro, e quem está perto dessas descobertas dignas dos melhores filmes de ficção científica não esconde a euforia.

“Estamos vivendo um ‘boom’ com Crispr na engenharia genética”, diz o pesquisador Thiago Cabral, que é natural de Natal (RN), mas atua no Espírito Santo há quatro anos, depois de se casar com uma capixaba. Médico oftalmologista, ele participa de um estudo na Universidade de Columbia, em Nova Iorque (EUA), onde ficou por mais de um ano para concluir seu pós-doutorado. No Estado, atua no Hospital Cassiano Antonio Moraes (Hucam), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

“Estamos testando o Crispr com o objetivo de acabar com a cegueira de pessoas com doenças genéticas”, explica ele, que detalhou como é essa pesquisa na área de terapia genética, por que ela é tão revolucionária e quais os entraves ainda existentes.

O que é essa nova tecnologia Crispr e por que ela é tão revolucionária?

O Crispr é uma tecnologia de engenharia genética, uma forma de se editar o DNA. Aplicamos o Crispr e ele vai no gene que está errado, que gerou uma mutação, e corrige o DNA. Falar é até fácil, fazer funcionar já é mais complicado! O Crispr pode ser aplicado em qualquer ser vivo, em plantas, animais... No mundo inteiro, a técnica vem sendo aplicada em pesquisas com coração, pulmão, sistema imunológico. Estamos vivendo um ‘boom’ com Crispr na engenharia genética. A ciência está mudando a história natural das coisas. Não é mais evolução de Darwin que cria seres mais aptos, os cientistas estão interferindo na evolução dos seres vivos.

Pode citar alguns exemplos de como o Crispr é utilizado?

Nos Estados Unidos, este ano, aplicaram a técnica em embriões humanos para tratar uma doença genética cardíaca, aquela que provoca morte súbita por hipertrofia cardíaca em atletas. Eles conseguiram curar a mutação genética em células embrionárias. O Crispr está sendo testado em células imunológicas, para combater câncer, HIV. Também estão tentando modificar o DNA de mosquitos que transmitem a malária. Há cientistas também modificando bactérias para aumentar o poder de destruição do lixo nos oceanos. Então, é um uso bem amplo. Na Columbia, estamos tentando acabar ou amenizar com a cegueira de pessoas com doenças genéticas, pessoas que têm deficiência visual por mutações nos genes.

Em que pé ela está neste momento?

Já testamos em ratos e conseguimos corrigir a mutação de algumas causas de cegueira nesses animais. A próxima fase é começar a testar em espécies mais próximas dos seres humanos, como os macacos e chimpanzés, o que é algo mais caro e complicado. Ratos de laboratório exigem menor infraestrutura laboratorial que primatas mais evoluídos. Pra se ter uma ideia, os laboratórios de primatas necessitam até de TV para que os animais fiquem confortáveis nos 2 anos de pesquisa (isso nos EUA).

O senhor diz que o Crispr já é aplicado no mundo todo. Até no Espírito Santo?

Sim! Pesquisadores da Ufes estão fazendo Crispr no mamão para tentar proteger a fruta de uma praga no mamoeiro. Já sabem onde está a proteína que deixa o mamoeiro mais frágil. A ideia é retirá-la, deixando o mamoeiro mais resistente.

Na área oftalmológica, podemos esperar a cura para quais doenças genéticas?

Uma das doenças que podem ser beneficiadas com o Crispr é a retinose pigmentar. Mais de 80 genes causam essa doença. É como estar com o braço quebrado e não saber se foi por uma paulada, uma queda... sabemos que há o problema mas a causa é múltipla. Já há em torno de 200 genes identificados para mais ou menos 250 doenças genéticas retinianas conhecidas. A ideia é tirar a célula defeituosa do paciente, tratar com Crispr, transformar essa célula em uma célula saudável do olho, e reimplantá-la reestabelecendo a visão.

Quando começam os testes com humanos?

Há um longo caminho ainda. Precisamos provar que essas células são perfeitas e que não vão causar tumores quando forem injetadas no olho do paciente, por exemplo. É uma questão de segurança e efetividade. Acredito que serão pelo menos 10 anos para conseguirmos testar em humanos.

Então, a esperança não é para quem já está com a visão comprometida por alguma doença genética, mas sim para futuras gerações, certo?

A esperança é para ambos. A ideia é tratar esse paciente enquanto ele é criança, para modificar essas células enquanto elas ainda estiverem vivas e viáveis. E se forem adultos com células já destruídas, vamos tentar reimplantar células saudáveis após correção com Crispr.

Há muitas barreiras ainda para essa técnica?

Temos grandes expectativas. Mas há um longo caminho até termos certeza da eficácia dessa tecnologia. Por exemplo, na nossa pesquisa com ratos, o Crispr conseguiu corrigir o defeito genético relativo à cegueira, mas induziu quebras no DNA em posições indesejadas, provocando novas mutações. Por isso, ele ainda não é seguro para ser testado em humanos. O grande limitador do Crispr é a segurança. Esperamos que ele não aja em áreas que não queremos (off target). A tecnologia está avançando, e a gente sabe que o Crispr é eficaz, mas estamos tentando minimizar os problemas.

E há ainda questões éticas em debate...

Para você ter uma ideia, a CIA (principal serviço de inteligência americano) já colocou o Crispr como uma das possíveis armas de destruição em massa. Porque você consegue modificar o que você quiser geneticamente. Há um debate ético, religioso e legal nos países mais organizados. Nos EUA, o governo não pode financiar pesquisas com embriões humanos. Mas como a maior parte do financiamento na ciência é privado, foi criado um comitê para nortear novas terapias genéticas, que liberou o trabalho com embriões humanos para tratar doenças incuráveis ou que não tenham tratamentos disponíveis no momento. Isso não podemos garantir nos países pouco regulados, como a China e outros. Cientistas pouco éticos podem estar produzindo indivíduos não para serem livres de doenças, mas para modificar espécies. Cientistas com poucas amarras legais podem fazer o que quiserem com material genético humano.

LUZ NO FIM DO TÚNEL

André Luis da Silva Caetano tem problemas de visão desde muito novo. Mas foi de cinco anos para cá que ele viu sua vida mudar em função de doença rara e ainda sem cura: a retinose pigmentar.

De fundo genético, a retinose causa uma degeneração da retina, região do fundo do olho. A pessoa vai deixando de enxergar aos poucos. “Desde que descobri, fui levando uma vida normal, estudei, trabalhei, tirei carteira e me casei. Mas fui perdendo a visão e vendo a vida mudar. Hoje quase não enxergo. Tive que parar de trabalhar. Andar numa avenida, nem pensar! Dependo sempre de alguém para ir ao banco, para dirigir para mim”, conta André, que está aposentado por invalidez aos 45 anos.

Para André, terapias como a que utiliza o Crispr para tratar doenças genéticas são uma esperança futura, mas não para ele.

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“Gostaria muito que esses avanços já servissem para a minha geração. Mas fico contente de saber que os cientistas estejam estudando uma cura para a retinose e para outras tantas doenças. Isso desafia a medicina! Temos que deixar na mão dos pesquisadores e acreditar! Para as gerações que estão nascendo, é uma luz no fim do túnel”, comenta o aposentado.

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