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'Pequenas Fortunas': Confira a crônica de Maria Sanz Martins

"Pequenas Fortunas": Confira a crônica de Maria Sanz Martins

Nossa cronista fala sobre pequenas alegrias e momentos especiais

Publicado em 16 de maio de 2018 às 16:13

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"Pequenas Fortunas". (Bruno Nascimento/Unsplash)

Outro dia nossa funcionária faltou e, como eu tinha um monte de coisas para fazer na rua, peguei meu filho de sete anos, vesti nele o uniforme da escola, e carreguei comigo – com a promessa de que quando chegasse a hora do almoço eu o levaria para comer “macarrão com carninha”, que é coisa que ele mais gosta.

E foi aquilo, na primeira parada, o pet-shop onde compramos ração para nossa gata – que agora mora com a vovó Carminha (mas essa é outra história) – ele já invocou que queria um raio de uma galinha de borracha, dessas de brinquedo, que dão ao cachorro – que, no caso, não temos. E bateu o pé fazendo pirraça, até tomar um baita brigueiro. Chorou, murmurou que eu era chata, cruzou os braços e foi para o canto – até ser acometido por uma nova ideia brilhante. Limpou as lágrimas, colocou as mãos para trás, fez a cara mais mansa, respirou fundo, preparou uma voz fofa, chegou do meu lado e soltou:

“Mamãe, e um hamster?”

Depois de mais uma minicena de cinema, partimos para o mercado. Aí, claro, entre me ajudar na escolha dos maracujás e das laranjas, rolava uma breve fuga até a seção de biscoitos, “esse pode, mãe?”. A mesma coisa nos refrigerantes. E tome argumentação – “não filho, isso é puro corante”, “mas eu adoro”, “mas faz mal”, “só um?” – até chorar, se acalmar e vir de novo “mamãe, e esse tem corante?”

Enfim, não tem novidade. Na fila no caixa, metade vai ficando nas estantes, soterrando as revistas e levantando novos debates. Você sabe, é respirar fundo e tocar o barco.

Quando, finalmente, chegou a hora que ele mais esperava, fomos ao restaurante italiano que fica próximo ao mercado. Como ainda era cedo, estávamos sozinhos e o garçom foi só atenção: nos recebeu, nos levou até a mesa e colocou o guardanapo de pano no colo do meu filho, que ficou olhando pra cima com olhinhos arregalados de quem nunca tinha visto aquilo. Expliquei, depois li o cardápio e ele escolheu o prato de pronto. Já eu, nunca falho em dar vexame: primeiro morro de dúvida, depois escolho errado.

Do outro lado da mesa, meu menino mais parecia um rapazinho. Apesar de derrubar o guardanapo no chão a cada três minutos, ele estava cheio de assunto, e se “amostrava” com investidas de leitura:

“To-i-le-te. O que é isso mamãe?”

“Ah, filho, é banheiro em francês.”

“Mas esse restaurante não é brasileiro não?”

Enfim, batemos papo, demos risada, bebemos suco de laranja e, quando os pratos chegaram, decidimos que ele tinha sido “o campeão” – porque o dele estava muito mais gostoso que o meu. Depois de comer tudo, com uma “boca boa de dar gosto”, ele pediu sobremesa e, na saída, apertou a mão do garçom:

“Obrigado, tava muito bom!”

Pois bem, entramos no carro a caminho da escola, e ele lá quietinho no banco de trás quando, de repente:

“Sabe mamãe, eu não queria ser ninguém.”

E eu, “como assim, filho, ser ninguém?”

“Ah, eu não queria ser o Peter, eu não queria ser o tio Digo, eu não queria ser o vovô... Ninguém. Porque ninguém foi almoçar no restaurante com você hoje, só eu.”

(Ah, filho!)

Mole de emoção, engoli o nó na garganta e emendei como deu:

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“A sorte é toda minha”.

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