Outro dia nossa funcionária faltou e, como eu tinha um monte de coisas para fazer na rua, peguei meu filho de sete anos, vesti nele o uniforme da escola, e carreguei comigo com a promessa de que quando chegasse a hora do almoço eu o levaria para comer macarrão com carninha, que é coisa que ele mais gosta.
E foi aquilo, na primeira parada, o pet-shop onde compramos ração para nossa gata que agora mora com a vovó Carminha (mas essa é outra história) ele já invocou que queria um raio de uma galinha de borracha, dessas de brinquedo, que dão ao cachorro que, no caso, não temos. E bateu o pé fazendo pirraça, até tomar um baita brigueiro. Chorou, murmurou que eu era chata, cruzou os braços e foi para o canto até ser acometido por uma nova ideia brilhante. Limpou as lágrimas, colocou as mãos para trás, fez a cara mais mansa, respirou fundo, preparou uma voz fofa, chegou do meu lado e soltou:
Mamãe, e um hamster?
Depois de mais uma minicena de cinema, partimos para o mercado. Aí, claro, entre me ajudar na escolha dos maracujás e das laranjas, rolava uma breve fuga até a seção de biscoitos, esse pode, mãe?. A mesma coisa nos refrigerantes. E tome argumentação não filho, isso é puro corante, mas eu adoro, mas faz mal, só um? até chorar, se acalmar e vir de novo mamãe, e esse tem corante?
Enfim, não tem novidade. Na fila no caixa, metade vai ficando nas estantes, soterrando as revistas e levantando novos debates. Você sabe, é respirar fundo e tocar o barco.
Quando, finalmente, chegou a hora que ele mais esperava, fomos ao restaurante italiano que fica próximo ao mercado. Como ainda era cedo, estávamos sozinhos e o garçom foi só atenção: nos recebeu, nos levou até a mesa e colocou o guardanapo de pano no colo do meu filho, que ficou olhando pra cima com olhinhos arregalados de quem nunca tinha visto aquilo. Expliquei, depois li o cardápio e ele escolheu o prato de pronto. Já eu, nunca falho em dar vexame: primeiro morro de dúvida, depois escolho errado.
Do outro lado da mesa, meu menino mais parecia um rapazinho. Apesar de derrubar o guardanapo no chão a cada três minutos, ele estava cheio de assunto, e se amostrava com investidas de leitura:
To-i-le-te. O que é isso mamãe?
Ah, filho, é banheiro em francês.
Mas esse restaurante não é brasileiro não?
Enfim, batemos papo, demos risada, bebemos suco de laranja e, quando os pratos chegaram, decidimos que ele tinha sido o campeão porque o dele estava muito mais gostoso que o meu. Depois de comer tudo, com uma boca boa de dar gosto, ele pediu sobremesa e, na saída, apertou a mão do garçom:
Obrigado, tava muito bom!
Pois bem, entramos no carro a caminho da escola, e ele lá quietinho no banco de trás quando, de repente:
Sabe mamãe, eu não queria ser ninguém.
E eu, como assim, filho, ser ninguém?
Ah, eu não queria ser o Peter, eu não queria ser o tio Digo, eu não queria ser o vovô... Ninguém. Porque ninguém foi almoçar no restaurante com você hoje, só eu.
(Ah, filho!)
Mole de emoção, engoli o nó na garganta e emendei como deu:
A sorte é toda minha.
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