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'Falta um pedaço': confira a crônica de Maria Sanz Martins

"Falta um pedaço": confira a crônica de Maria Sanz Martins

A nossa cronista reflete sobre a quebra da confiança e a corrupção

Publicado em 11 de abril de 2018 às 18:29

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"A quebra da confiança é uma forma de corrupção". (Pinterest )

A quebra da confiança é uma forma de corrupção.

Estou falando de qualquer tipo de confiança, de toda forma de segurança que venha a ser violada. Seja na rua, seja dentro de casa. Mas, antes de mais nada, é preciso encarar nossa própria visão sobre esse assunto: a verdade é que fomos mal educados. Moldados para encarar essa anomalia social como algo "normal".

Perceba, quanto antes pudermos admitir que estamos enganados sobre o fundamento da corrupção, mais próximos estaremos das mudanças das quais tanto falamos e almejamos. (Parênteses aqui para saldar aqueles que não só acreditam, como fazem o que é preciso para encarar este mal de frente).

Corrupção é abuso, e ponto. Ainda assim, está em todos os níveis, do público ao privado, dos pequenos aos grandes, da política ao comércio, passando por todos os tipo de ralos. Sistematicamente instalada nas relações, corroendo as melhores tentativas de avanços, carcomendo esforços, enlameando as águas do futuro desde sua fonte.

Mas é aquilo, dizem que se não estivermos literalmente indignados, é porque não estamos prestando atenção.

Ora, claro que não! Sejamos honestos,

fomos habilmente educados para fingir que não estamos vendo... Aliás, há muito estamos

resignados, convencidos de que a única possibilidade que existe é mesmo viver num sistema corrompido.

Isso mexe comigo. Especialmente quando a magnitude do fato o torna intocável. (É, além de romântica, idealista e existencialista, sou advogada.)

Nascida e criada na Mata da Praia, acompanho desde pequena a história de uma área que mais parecia uma enorme floresta ao lado de casa, e que agora culmina na inauguração da promessa de "novos tempos" – pela via de um aeroporto lindo, novinho. Mas, perceba, para que a profecia se complete, com honras e bênçãos da moral, da justiça, da ordem, do progresso e do divino, resta uma parte a ser cumprida. – Assim acredito.

Veja, em 1943 o mundo estava em guerra, e com o intuito de criar bases aéreas, o governo federal ocupou militarmente duas grandes áreas do país: uma, na cidade de Vitória, outra no Rio Grande do Norte. E em 1945, com o fim da guerra, depois de ter se apropriado de mais de 5 milhões de metros quadrados de terras de cidadãos capixabas, a União – que por fim não construiu bases aéreas como planejado, também não retornou a terra a seus proprietários. (E, seja dito, somente no ano de 1948, ela finalmente ajuíza uma ação de desapropriação).

Pois bem, de lá para cá, a União fez o que bem entendeu com os terrenos – alugou para uma boate, para um lava-jato e para uma casa de show chamada 'Zoom'; cedeu uma parte para tratamento de esgoto e, finalmente, resolveu que parte da monumental área bem poderia ser destinada à construção de um novo aeroporto.

Enfim, 70 anos depois, as famílias proprietárias das áreas tomadas jamais foram indenizadas – e a invasão se converteu em confisco.

Mas atente, isso aqui, no nosso Estado. Porque lá no Rio Grande do Norte, todas as famílias foram justamente indenizadas e o Estado hoje usufrui do aeroporto de Parnamirim, na grande Natal, construído na área desapropriada.

Finalmente, como olhar para o futuro sabendo do lamaçal ressecado por baixo do tapete?

Como não conectar esse confisco à corrupção da democracia – que se baseia nos pilares fundamentais do direito à propriedade, segurança jurídica e livre iniciativa?

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