> >
Alimentos do tempo da vovó estão de volta

Alimentos do tempo da vovó estão de volta

Plantas como peixinho e ora-pro-nóbis estão sendo resgatadas

Publicado em 1 de dezembro de 2018 às 23:18

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Laís Rosa é natural chef e vai sempre às feiras orgânicas atrás das plantas não convencionais, as pancs. (Marcelo Prest)

Azedinha, peixinho, ora-pro-nóbis. Esses nomes podem até não soar familiares para você. Mas experimente perguntar para sua avó: ela certamente tem uma receitinha, acompanhada de uma história para contar.

Hortaliças como essas eram bem comuns na culinária de antigamente, mas com o passar dos anos foram sendo esquecidas. Agora começam a ser resgatadas para a panela.

“Isso ocorreu um pouco por influência de um padrão americanizado de alimentação, com macarrão instantâneo, com lasanha de micro-ondas. As mães trabalhando fora, sem tempo para cozinhar, para ir à feira e preparar uma salada, deixaram de apresentar esses alimentos para os filhos”, comenta a médica nutróloga Sandra Lúcia Fernandes.

Nos tempos da vovó, essas plantas cresciam no quintal de casa e eram muito apreciadas. Deixadas de lado pelas gerações seguintes, elas acabaram ganhando mais recentemente uma denominação: plantas alimentícias não convencionais, ou pancs.

Uma tentativa de valorizar o que vinha sendo considerado apenas mato por puro desconhecimento e falta de costume.

PESQUISAS

“Quando falamos em folha de mostarda, azedinha, muita gente fala: ‘O quê? Pode repetir?’. Mas isso tem mudado. Pesquisas científicas têm direcionados seus estudos para biomas brasileiros e achado uma gama de benefícios nessas plantas”, destaca a nutricionista Roberta Larica, comentarista da CBN Vitória.

As pancs, diz Roberta, são supernutritivas. “Elas são muito saudáveis e poderosas para tratar e prevenir doenças. São excelentes para desintoxicar o fígado, eliminar metais pesados, poluentes e agressores que entram no nosso corpo. Há opções riquíssimas em ferro, boas para combater anemia, para melhorar a parte imunológica, a saúde cardiovascular”, observa.

Ela cita a capuchinha como exemplo: “Ela tem um efeito legal para infecções do trato urinário, para limpar a bexiga. É uma flor que ainda serve para enfeitar o prato”.

“A beldroega também é uma excelente fonte de Ômega-3, com ação anti-inflamatória no organismo”, diz a nutricionista.

INTERESSE

Embarcando num movimento ligado à alimentação mais natural e saudável, muitos jovens começam a se interessar pelas pancs.

Como a Laís Entringer Rosa, 27 anos, que se encantou tanto com isso que largou a advocacia para virar natural chef. “Gostava de cozinhar e comecei a estudar Gastronomia por curiosidade. Foi uma paixão. Sempre me interessei por alimentação saudável, mas tinha problema com sobrepeso. Mudei meu foco, passei a conhecer as formas de preparo de alimentos mais funcionais”, conta ela.

Aos poucos, foi ganhando confiança para criar novas receitas com ingredientes que já estavam na família. “Minha avó cozinhava muito a taioba. Fazia sempre refogada, e eu só conhecia sim. Mas não curto muito e fui aprendendo outras receitas, como a do pesto de taioba. Fica uma delícia. Quando fiz em casa, minha mãe quase caiu dura porque não sabia que dava para usar a folha dessa forma”, comenta a jovem chef.

E a criatividade no mundo das pancs não tem limite. “Na banana por exemplo, 50% são casca, que você pode usar na culinária. Assim, você usa seu dinheiro de forma integral, gera menos lixo e movimenta a economia”, aponta Laís, que usa as pancs no dia a dia e leva para os cursos que ministra.

Para achar seus ingredientes favoritos, Laís recorre a feiras orgânicas e quase sempre encontra o que procura.

E quanto maior a procura, mais fácil será achar as pancs no mercado. “É possível encomendar com produtores locais. Tem até delivery de pancs! As pessoas desconhecem e acham que é difícil de achar. Não é difícil nem para cultivar, nem para comer. Essas plantas são uma opção relativamente barata e podem ser cultivadas em casa, na varanda, no quintal”, frisa Roberta.

Na casa da Mara Arantes, nunca falta taioba, que ela gosta de fazer refogada. (Fernando Madeira)

"TEM GENTE QUE NÃO SABE O QUE É TAIOBA"

Para ela, peixinho empanado tem gosto de saudade, sabor de infância lá no interior. “Minha mãe sempre fazia. Ela chamava de língua da sogra. E lembro que eu comentava: ‘nossa, que sogra com língua mais aveludada!’”, comenta Mara Arantes, 55 anos, explicando que a planta tem folhas meio “peludas”.

Por um tempo, a receita ficou meio esquecida. Mas, de uns tempos para cá, acabou voltando para as panelas de casa.

“Hoje em dia é difícil de achar o peixinho. Uma vez, achei na feira e comprei. Quem me viu comprando não sabia o que era. Mas na minha infância, lá no Sul, em Alegre, era comum em qualquer quintal”, diz Mara, que é artesã e cozinheira.

REFOGADA

Já a taioba não falta quase nunca. “Aqui em casa, faço toda semana. Sei que tem gente que nunca comeu, nem sabe o que é”, destaca ela, que gosta de fazer um prato que leva taioba refogada com polenta cozida e frango grelhado.

Aliás, da taioba ela aproveita até o talo, que também vira um tira-gosto para os dias em que reúne os amigos para um bate-papo.

Nem sempre a cozinha da Mara teve tanto verde. “Sempre comi de tudo. Comia porcaria e comida saudável, mas sem me preocupar em mudar a qualidade de vida. Era obesa, fã de maionese, ketchup e refrigerante”, conta a cozinheira.

Do início do ano para cá, a vida dela ganhou um tempero especial. Literalmente. “Mudei radicalmente. Cortei açúcar, refrigerante, introduzi mais salada. Perdi 25 quilos só com alimentação mais saudável”.

RECEITAS

Ela acabou influenciando mais gente. “Três ou quatro amigos resolveram seguir esse estilo de vida e agora me pedem receitas”.

Ou seja, os verdes vieram para ficar de vez. “Além da perda de peso, notei diferença em termos de disposição. Tenho muito mais energia. Antes, comia e me achava pesada, sonolenta. Hoje em dia me sinto mais leve, com mais saciedade”, diz Mara.

SOBRE AS PANCS E RECEITAS

Panc? O que é isso?

Não convencionais

Pancs são plantas alimentícias não convencionais, facilmente encontradas em jardins, hortas, quintais e até mesmo em calçadas de rua. São consideradas daninhas ou “mato”. Pouco utilizadas na alimentação por falta de conhecimento e/ou costume

Benefícios

Supernutritivas

Estudos revelam que pancs têm teores de minerais, fibras, antioxidantes e proteínas significativamente maiores quando comparadas com outras plantas

Cuidados

As pancs sobrevivem sem o uso de agrotóxicos e não precisam ser regadas todos os dias, pois têm uma resistência natural aos impactos do meio ambiente. Fica fácil de manter uma muda numa horta caseira. Mas cuidado: essas plantas podem ser confundidas com matos comuns. Por isso, não pegue nada na rua e coma. Há o risco de intoxicação com variedades similares. É preciso saber como foi o cultivo

Algumas pancs

Ora-pro-nóbis

A ora-pro-nóbis tem alto teor de proteína. Tanto que é conhecida como “bife dos pobres”. Pode ser consumida crua na salada, nos sucos verdes ou cozidas em sopas, recheios e refogados. Tem sabor mais neutro

Beldroega

A beldroega é uma excelente fonte de Omega-3, com ação anti-inflamatória. Consumir crua na salada ou em sucos são ótimas opções

Azedinha

É indicada para tratar males do fígado, rica em vitaminas A, B e C, com propriedades desintoxicantes, cicatrizantes e antioxidantes. De sabor mais azedo, é usada em saladas, nos sucos e chás

Taioba

Taioba é uma hortaliça rica em ferro, cálcio e proteína. Pode ser consumida picada e refogada, cozida ou para recheios e caldos de sopas. Taioba não pode ser consumida crua devido ao alto teor de cristais de oxalato de cálcio

Peixinho da horta

Tem ação anti-inflamatória para o trato respiratório. Por isso, muita gente consome para aliviar tosses e irritações. Como a folha é meio “peluda”, o ideal é consumi-la frita, empanada ou à milanesa. Quando empanada e frita, fica semelhante a um peixe no formato e no sabor, por isso o nome. Pode ser servida como petisco ou compor massas e risotos

Capuchinha

Tem ação de proteger o trato urinário e prevenir infecções de bexiga. As folhas, as sementes e as flores são comestíveis. Tem sabor picante e pode ser usada no preparo de molhos ou na salada

Para fazer em casa

Taioba refogada

Depois de higienizar e lavar a folha, tire o caule mais grosso do centro com a faca. Pique as folhas grosseiramente. Em uma panela coloque uma porção generosa de azeite (taioba fica melhor com mais oleosidade), refogue a cebola, junte o alho e deixe dourar. Acrescente a taioba com um pouquinho de água, sal a gosto. Mexa até murchar um pouco. Baixe o fogo e deixe cozinhar por 5 minutos

Talos de taioba empanados

Tire a película que envolve os talos. Tempere com sal. Passe no ovo batido, depois numa mistura de fubá e queijo parmesão ralado. Frite em óleo quente

Pesto de taioba

Ferva a água com uma pitada de sal. Lave bem a taioba, retire o talo, e quando a água estiver borbulhando, mergulhe as folhas até que elas desmanchem. Escorra e pique bem. Aqueça uma frigideira com azeite, acrescente alho amassado e deixe dourar. Coloque a taioba picada para refogar. Em um liquidificador, acrescente castanhas ou nozes, um bocado de azeite, a taioba refogada, um suco de um limão e nutritional yeast (levedura nutricional - opcional)

Peixinho empanado

Numa tigela coloque os ovos batidos e tempere com sal, pimenta-do-reino e suco de limão a gosto. Passe as folhas de peixinho nos ovos temperados, em seguida na farinha de trigo e frite em uma panela em fogo médio com óleo quente

Este vídeo pode te interessar

Fontes: Nutricionistas entrevistadas, Laís Entringer e Mara Arantes

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais