Reginaldo Leme, jornalista e comentarista esportivo
Reginaldo Leme, jornalista e comentarista esportivo
Reginaldo Leme

"Está surgindo uma nova geração que vai estar na porta da Fórmula 1 daqui a quatro anos"

Jornalista esportivo, que participa nesta sexta  da feira automotiva Autotech, em Vitória, fala sobre momentos marcantes da carreira e aponta novos talentos que devem despontar no automobilismo

Reginaldo Leme, jornalista e comentarista esportivo
Publicado em 10/10/2019 às 17h48

São nada menos que 47 anos trabalhando em coberturas de Fórmula 1. O jornalista esportivo e comentarista Reginaldo Leme coleciona histórias e momentos inesquecíveis na carreira. Afinal, participou das oito conquistas de títulos mundiais de pilotos brasileiros e, desde 1972, está na TV Globo, onde também cobriu três Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

O comentarista é uma das atrações da Autotech, a maior feira de tecnologia automotiva do Estado, onde participa, nesta sexta-feira (11), de um bate-papo com o piloto de Stock Car Nelsinho Piquet. O evento, realizado pelo Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado do Espírito Santo (Sindirepa-ES), é aberto ao público e vai até domingo, na Praça do Papa, em Vitória. Haverá palestras, oficinas, mostras de supermáquinas, veículos híbridos e elétricos e carros antigos. A entrada é gratuita.

Antes de sua participação na feira, Reginaldo Leme conversou com A Gazeta e falou sobre momentos marcantes, como a cobertura do primeiro GP do Brasil, quando a programação ainda nem era transmitida na TV aberta. Ele avalia que o interesse do público pelo automobilismo pode até ter reduzido após a morte do ídolo Ayrton Senna, mas vem aumentando a cada ano. Em 2018, foram nada menos que 185 milhões de telespectadores no país, durante o campeonato, contra 49 milhões na China e 32 milhões nos EUA.

Ele também faz apostas sobre novos talentos nacionais que devem despontar no esporte nos próximos anos, apesar das dificuldades nessa transição. Reginaldo Leme opinou ainda sobre as novas tecnologias que estão surgindo, como os carros autônomos, tecnologias de direção semiautônoma e veículos elétricos. “É um caminho sem volta”, afirma.

Confira abaixo a entrevista

Quais os momentos mais marcantes da sua carreira? Imagino que seja até difícil escolher...

De fato é difícil, são muitos anos, passei por momentos muito felizes, muito marcantes. Claro que alguns dos momentos infelizes também foram marcantes, como a morte do Ayrton Senna (em 1994). Mas eu prefiro falar dos momentos de conquistas brasileiras. Fiz os oito títulos mundiais brasileiros. Prefiro falar disso. Do projeto do primeiro, do Emerson Fittipaldi, que, por coincindência, foi a primeira corrida que eu fui cobrir (em 1972). Nem para a Globo eu trabalhava ainda. Naquela época, nenhuma televisão brasileira, aliás, transmitia a Fórmula 1 para o Brasil.

É impossível falarmos de Fórmula 1 no Brasil sem falar do Senna. Como avalia o interesse do público pela modalidade, desde a morte dele?

Evidentemente, que o interesse depois da morte do Ayrton caiu um pouco. Grande parte, a grande maioria, já voltou a ver. Mas o que caiu foi o interesse de gente que não era, assim, muito afeita ao automobilismo. Era gente que seguia (o esporte) pelo fato de ter um ídolo, como se fosse um boxeador, um nadador. Claro que, com carro, mexe um pouco mais com o brasileiro. Sabidamente, a gente gosta muito de automóveis. Com a morte dele, essa parcela da população deixou de ver ou passou a assistir de vez em quando. Mas quem gosta nunca deixou de ver. O que acontece com os índices da TV, que dizem que caiu, não é um fato absoluto. Relativamente, não pode nunca ser dito isso. Essa comparação é injusta e absurda. Era uma época que tinha cinco canais abertos de TV, contra mais de 400 hoje, na TV fechada. Não existe essa possibilidade de comparação do interesse pela TV. O que existe é o que ouvimos na rua. Ouço muitas mulheres dizendo “Ah, depois que ele morreu parei de ver”. Procuro não responder desse jeito, mas quando tenho liberdade, digo assim: “Você então não gosta do esporte, você gosta do ídolo brasileiro". Acabamos de fazer ontem (terça) uma apresentação para os patrocinadores de 2020, que mostra um crescimento fantástico na audiência da Fórmula 1 nos últimos três anos. Só neste ano, que tivemos cinco corridas espetaculares, de muita disputa – principalmente entre Verstappen e Leclerc, que agora é esse novo gênio, novo ídolo –, subimos 4 pontos de audiência. Isso significa muito na população brasileira. Faz dois anos que não temos piloto brasileiro na Fórmula 1. E o Brasil é, no mundo todo, o país que mais assiste a modalidade. Foram 185 milhões de pessoas durante o campeonato de 2018. Em 2019, já vai ser até mais. Em segundo lugar vem a China, com 49 milhões. Em terceiro, os EUA com 32 milhões. Por isso, a Liberty Media, que é a dona da Fórmula 1, tem os olhos todos voltados para o Brasil. É o maior país do mundo em número de telespectadores!

Acredita que teremos algum brasileiro em uma equipe competitiva nos próximos anos?

O Brasil sempre foi um celeiro muito grande de pilotos. O kart é a base de tudo. Durante um tempo, o kart caiu um pouco e, principalmente, a gente ficou sem uma categoria intermediária, que tira um moleque do kart, com 14 anos, para correr dentro de um automóvel. Essa categoria não existia. Existiu muito tempo atrás e foi ela que criou Nelson Piquet, Ingo Hoffman, vários pilotos. Não estou citando Ayrton, porque ele nunca correu de automóvel no Brasil, antes da F1. A formação dele foi no kart, um pouco no Brasil, e depois na Europa. De lá mesmo, ele passou para o automobilismo. Exatamente porque já não existia na época dele essa categoria de acesso. Então, é muito ruim quando você tira o menino do Brasil com 15 anos e manda ele para a Europa, onde ele fica longe da mãe, do pai, dos amigos, da namorada... Poucos resistem e superam isso, tem que ter muita vontade. Está se falando agora em se criar o que estão chamando de Fórmula 4. A ideia é que o menino corra de kart e, com 15 anos, vá correr a Fórmula 4. Aí sim é um passo importante. Ele vai participar dois anos da Fórmula 4. E quando tiver de 16 para 17 anos, vai embora para a Europa correr a F4 lá. Aí passa para a F3, F2 e F1. É a escala normal. Quando encerrou nosso ciclo na F1, com o Felipe Massa, não tinha um cara para entrar imediatamente, como sempre existiu... Terminou com o Emerson, estava lá o Piquet... muito antes de terminar o Piquet, já estava o Senna. Quando Senna morreu, a gente já tinha Barrichello. Aí veio o Massa e ele foi o último.

O que podemos esperar para o futuro?

O que existe hoje são dois nomes, muito próximos da Fórmula 1, porque já são pilotos reservas da F1: o mineiro Sérgio Sette Câmara e o brasileiro nascido e criado nos EUA, Pietro Fittipaldi. Um tem o nome Fittipaldi, que ajuda bastante, e está ligado à equipe Haas, e o Sérgio está ligado à McLaren. Mas não quer dizer que vão entrar imediatamente. Eles estão lá já, fazem parte do simulador, fazem parte da equipe. Mas não quer dizer que vão conseguir entrar já, porque, além de tudo, a grande dificuldade da Fórmula 1 é que tem o momento certo de sobrar uma vaga, quando você está chegando, e isso é muito difícil. Hoje, por exemplo, houve uma grande renovação na Fórmula 1, do ano passado para cá. No grid, hoje, tem pilotos estreantes, faz muito tempo que não tinha tantos. Só da Inglaterra são dois, o Lando Norris e o Alexander Albon.  Houve uma renovação no momento em que os brasileiros não estavam prontos, então, vamos ter de esperar outra. E é muito difícil, pois esses períodos acontecem a cada quatro, cinco, seis anos. Hamilton está com 13 anos de carreira. Quem disse que ele vai parar nos próximos quatro anos? Agora, exatamente esse tempo que precisa para uma nova renovação é o tempo que, se tudo der certo para nós, está surgindo uma nova geração que vai estar na porta da F1, exatamente daqui a quatro anos. Aí sim, tem vários pilotos: o Caio Collet, o mais falado deles, que disputou dois anos na Europa e foi campeão dos dois; depois, tem o Enzo Fittipald, irmão mais novo do Pietro, que está na Academia Ferrari; tem outro da mesma academia, o Gianluca Petecof. Tem o Pedro Piquet, que está na Fórmula 3. Tem Felipe Drugovich, que é de Brasília. São todos esses aí, gente para chegar lá na porta da F1 daqui a quatro anos. Se vão entrar, a gente não sabe, mas é uma geração muito boa, de muito talento.

A Fórmula 1 evoluiu muito em segurança, desde a morte do Senna. Acha que foi suficiente?

Extremamente suficiente! Para acontecer um acidente fatal hoje, na Fórmula 1, tem que ser uma fatalidade total, incrível mesmo. O último que morreu foi Jules Bianchi, e o acidente foi um negócio incrível, no Japão, com pista molhada, com ameaça de tufão que não chegou, mas passou muito perto. A pista estava escura, a corrida terminando, ele escorregou, saiu da pista e, olha só a fatalidade: ele foi bater em um trator que estava recolhendo outro carro que estava fora da pista. Bateu em um trator de 15 toneladas. Não foi um carro contra outro ou contra o guard rail. O acidente do Fernando Alonso, na Austrália, três anos atrás, não sobrou nada do carro e, de repente, o cara sai de lá de dentro, inteirinho, andando. O carro é muito seguro. As pistas é que, às vezes, não acompanham a segurança dos carros, mas também está se fazendo muito por isso.

E como avalia essas novas tecnologias de segurança de direção semiautônoma? Como fica para a paixão por dirigir?

Sou da geração que, aos 14 anos, já queria estar tirando carteira de motorista, se pudesse. Então, não consigo ver o carro autônomo, não consigo entender que isso possa entrar um dia. Carro elétrico, sim. Carros com todos os recursos que têm hoje, que preveem a distância do veículo da frente, somando velocidade, capacidade de frear, tipo de pista… Todo esse tipo de segurança, sim. Agora, o carro autônomo, você sentar e ninguém dirigindo... Claro que vai existir, mas não acho que é uma coisa que vai ser popularizada para todo mundo, não tem sentido. Posso estar sendo retrógrado (risos).

Mas a tecnologia semiautônoma, quase como um piloto automático, acredita que é um caminho sem volta?

Sim! Os carros mais modernos, alemães, já estão muito avançados. A cada modelo surge uma coisa nova. O prazer de dirigir está mantido, só que você sabe que, se errar numa freada, o carro vai frear sozinho. Se calcular mal uma distância, o carro vai calcular pra você. Isso eu acho justo. Não podemos esperar que todo mundo dirija bem.

Carros elétricos também são um caminho sem volta? Como avalia esse cenário? Será de curto, médio ou longo prazo?

São, sim, um caminho sem volta. Acredito que é a médio prazo, mas as leis são, relativamente, a curto prazo. A partir de 2030, por exemplo, em vários países europeus, não se fabricará mais carro que não seja elétrico. Os veículos que hoje são a combustão vão continuar existindo, mas com o tempo vão diminuindo. A mesma coisa no automobilismo esportivo, só que aí é diferente. O carro elétrico, na Fórmula E, por exemplo, é um negócio que evolui a cada ano, é a categoria do futuro. Só que a Fómula 1 não vai deixar de existir.

Com tanta experiência, quais os rumos que acredita que o jornalismo esportivo segue, neste mundo 4.0, com as novas plataformas que estão surgindo?

Também é uma coisa irreversível. Vai evoluir e teremos ainda outras plataformas que a gente não conhece. Você vê o que acontece com a garotada hoje, que se mantém informada por diferentes meios. Tem muita coisa que vai sobreviver, de papel, por exemplo, revistas e anuários especializados. Aprofundadas e analíticas ou produtos que se parecem mais com livros de arte. Nunca alguém vai deixar de querer de ter um belo livro de arte sobre uma mesa, em um escritório ou em sua casa. Mas o digital também irreversível.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.