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Vereador entregava pedidos de exames em posto, aponta investigação

Vereador entregava pedidos de exames em posto, aponta investigação

Documentos tinham assinatura de médico que se demitiu após início das apurações

Publicado em 17 de fevereiro de 2018 às 02:49

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O que devia funcionar como um sistema técnico, justo e bem controlado acabou manchado por suspeitas de (mau) uso político. Ingerências em parte da rotina de marcação de exames em Cariacica resultaram na cassação de um vereador, na demissão de um médico e em um inquérito na Polícia Federal.

A reportagem teve acesso, com exclusividade, a uma parte do material da investigação.

Depoimentos indicam que o então pré-candidato a vereador, Léo Alexandre Coutinho de Almeida, mais conhecido como Léo do IAPI (PDT), era o responsável por entregar documentos de requisições de exames para pacientes na unidade de saúde de Alto Lage.

"No máximo, me entregam uma ou duas. O Léo do IAPI chegava na unidade de saúde com umas 30. Não sou coordenadora. Não posso dizer que não vou pegar nada", disse uma funcionária.

As requisições entregues por Léo, vereador pela primeira vez entre 2008 e 2012, tinham o telefone dele mesmo no lugar do número dos pacientes. Quando funcionários telefonavam a pacientes para orientar que fossem buscar o agendamento dos exames, descobriam que era o político quem daria o recado.

Outro trecho de depoimento relata que, quando questionado por uma coordenadora da unidade de saúde, a reação dele foi: "Você está chegando agora e já quer arrumar problema comigo?". Até a filha dele foi ao local cobrar agilidade nas marcações. Pacientes com endereço de Viana e de Santa Leopoldina também aparecem nos documentos.

Os formulários com os pedidos de exames também são suspeitos. De acordo com profissionais da saúde de Cariacica que prestaram depoimentos, a folha de papel usada nas requisições não seguia o mesmo padrão daquelas usadas na unidade de saúde. Nos formulários faltavam dados básicos, como números que identificam o profissional e os estabelecimentos de saúde. Ainda costumava haver diferença entre a grafia do nome de pacientes no formulário e a que vinha impressa no cartão do SUS de cada um deles, a correta.

Os fatos investigados são de 2016. Naquele ano, Léo do IAPI foi eleito vereador novamente. Este ano, o juiz eleitoral Izaias Eduardo Silva cassou o mandato dele por entender que os exames eram viabilizados em troca de votos. O vereador recorre e, por isso, segue exercendo normalmente o cargo.

Alexandre Coutinho de Almeida, o Léo do IAPI, vereador de Cariacica (PDT). (Facebook/Léo do IAPI)

O MÉDICO

As requisições tinham o carimbo e assinatura atribuídos ao médico clínico-geral José Luiz Bersan, plantonista do Pronto Atendimento do Trevo de Alto Lage. Mas as requisições de exames entravam pela Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro, onde ele não trabalhava.

Bersan trabalhava apenas às quintas-feiras à noite, com as demandas típicas de um PA. Mas os exames tinham característica ambulatorial e, muitas vezes, eram indicados para pessoas que jamais passaram pelo PA do Trevo.

As requisições eram para desde ressonância a ultrassom e neuropediatria. E boa parte era exame pré-operatório de bariátrica, segundo os documentos. "Foram tranquilamente mais de 200 ou 300 exames por mês", completou.

PREFEITURA

Toda a investigação começou pela própria prefeitura, após ter identificado uma demanda incomum nas requisições do médico. Uma sindicância, que está incluída no inquérito da PF, foi aberta para investigar o médico em setembro de 2017. A apuração interna, mais tarde, fez com que o suplente de Léo do IAPI fosse à Justiça Eleitoral de Cariacica, que decidiu pela cassação do vereador.

Na sindicância, o médico foi chamado para prestar depoimento, mas não compareceu. Dois advogados compareceram em nome dele. A reportagem procurou ambos e abriu espaço para que eles e o médico se manifestassem. Um dos representantes disse apenas que não tinha nada a declarar.

Superiores de Bersan no PA foram ouvidos na sindicância e disseram que orientaram o profissional. "Ele compreendeu claramente e foi enfático em dizer que não faria mais e até comentou: 'pode falar para o secretário de Saúde que está resolvido e que não acontecerá mais'", afirmou um médico.

Há a suspeita de que outra pessoa preenchia os documentos pelo médico. "Me chamou a atenção a demanda adulta e infantil, sendo que ele trabalha no setor de adultos. Notei caligrafias diferentes das dele", disse um profissional, em depoimento.

A sindicância recomendou a exoneração do médico. A prefeitura o demitiria. Antes, porém, ele entregou carta de exoneração e a sindicância perdeu o objeto.

Léo do IAPI não foi ouvido pela PF. A reportagem não conseguiu confirmar a situação de José Luiz Bersan na investigação.

ATUAÇÃO EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES

O advogado eleitoral de Léo do IAPI, Thadeu Sobreiro, afirmou que o telefone do vereador aparecia nos documentos porque os pacientes em questão eram de baixa renda e não tinham aparelho. Também falou que tratavam-se de pessoas que tinham dificuldade de deslocamento até as unidades de saúde para entregar ou buscar documentos. "Algumas não tinham condição de se locomoverem".

O advogado disse também que nas audiências do julgamento do pedido de cassação em primeira instância, as testemunhas foram categóricas em afirmar que não houve pedido de votos em troca.

Sobreiro também afirmou que Léo desincompatibilizou-se das funções de servidor público no prazo adequado e que não usou o cargo para se beneficiar. "O Léo é servidor da área da saúde há décadas. A atuação não tem nenhuma conotação eleitoral", frisou.

O processo eleitoral, segundo Sobreiro, não avançou sobre a origem dos formulários, que são suspeitos. Léo não foi localizado para comentar.

CRM PODE COBRAR EXPLICAÇÕES

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O presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), Carlos Magno Pretti Dalapicola, afirmou que pode chamar o médico José Luiz Bersan para prestar esclarecimentos e disse que, hoje, não há nada em tramitação no Conselho contra o profissional. Pretti ressaltou que é relativamente fácil imitar um carimbo de um médico e que essa possibilidade não pode ser descartada em eventual apuração.

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