O casal Kleber Mendes e Eloísa Alves, ex-moradores de rua, conseguiram um lugar para morar e concluir o nível fundamental pela Educação de Jovens e Adultos (EJA)
O casal Kleber Mendes e Eloísa Alves, ex-moradores de rua, conseguiram um lugar para morar e concluir o nível fundamental pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). Crédito: Carlos Alberto Silva

Um ano de superações: as histórias de quem venceu batalhas em 2019

Para muitos, foi um período difícil, mas há quem tenha só motivos para agradecer

Publicado em 29/12/2019 às 06h30
Atualizado em 29/12/2019 às 06h30

Numa quitinete bem pequena, em que quarto, cozinha e sala são uma coisa só, falta espaço para o conforto, mas sobra em alegria. Nesse ambiente limitado pelas dificuldades do dia a dia, vive feliz o casal Kleber Mendes, 57 anos, e Eloísa Alves, 35, porque agora tem um teto para se abrigar. Ex-moradores em situação de rua, ambos consideram 2019 o ano da superação.

Para muitos, este ano tem sido particularmente difícil e já poderia parar por aqui mesmo, na expectativa que 2020 chegue renovando as esperanças. Mas, para outros tantos como Kleber e Eloísa, foi um período de vitórias, que trouxeram um ânimo novo para prosseguir.

Além da casa, Kleber comemora o fato de ter conseguido concluir o ensino fundamental, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), e espera ser chamado pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) para fazer o nível médio integrado ao técnico em Segurança do Trabalho, vaga que aguarda na suplência.

“Depois, quero fazer uma faculdade para ser advogado”, conta ele, que hoje se mantém fazendo bicos. Questionado sobre o motivo de ter escolhido essa profissão, não hesita em responder: “para defender aqueles que não têm direitos”.

Não é por menos que Kleber considera Nelson Mandela, cuja foto estampa sua camisa preferida, como uma referência. Para ele, o ex-presidente sul-africano, prêmio Nobel da Paz e ativista do movimento negro, o representa mesmo após sua morte.

Kleber foi parar na rua depois de uma briga familiar. Ficou rodando em pontos do Centro de Vitória por oito anos. Ao longo desse tempo, chuva, frio, sol quente e fome fizeram parte da sua rotina, mas sua pior lembrança é de uma agressão que sofreu. “Ninguém pode bater no rosto de outra pessoa”, recorda-se o ex-morador de rua, ainda ressentido, porém sem dar detalhes do conflito.  Para Eloísa, o mais difícil de viver na rua é o preconceito.

Eloísa Alves

Ex-moradora de rua

"Preta, gorda, mulher. Tudo era motivo para discriminação. Fiz um monte de cursos, mas nunca consegui um trabalho"

Depois de seu encontro com Kleber nas ruas, os dois começaram a batalhar juntos para mudar de vida. “Ele me incentiva muito, me fez ter vontade de voltar a estudar. Já vou para o segundo ano no Ifes”, diz Eloísa, entusiasmada com o ensino médio técnico em Hospedagem.

O marido também serve de apoio no tratamento para se livrar da dependência em crack. Ela saiu recentemente da internação e mantém o acompanhamento com equipes da Prefeitura de Vitória.

LIBERDADE

Também foi por conta das drogas que a auxiliar de estoque Jéssica Vitória Silva Passos, 28 anos, viu sua vida desmoronar. Presa por tráfico, ficou mais de cinco anos longe do convívio diário com dois filhos pequenos. Neste ano, após cumprir sua pena, conseguiu a liberdade e um emprego.

“Na época, estava desesperada. Cuidava sozinha das crianças, não arranjava trabalho num lugar onde eu não conseguia falar direito a língua dos moradores (ela é de Minas Gerais e morava em Santa Maria de Jetibá, onde predomina a cultura pomerana) e acabei me envolvendo no tráfico”, afirma.

Jessica Vitória, em seu local de trabalho: jovem valoriza a oportunidade de recomeçar. Crédito: Acervo pessoal
Jessica Vitória, em seu local de trabalho: jovem valoriza a oportunidade de recomeçar. Crédito: Acervo pessoal

Para Jéssica, o mais difícil desse período foi a distância dos filhos, com 2 e 4 anos quando foi presa. “Eu queria ter notícias, vê-los, abraçá-los e não tinha jeito. Foi doloroso, mas também teve um aprendizado”, ressalta a jovem, que entregou as crianças para uma tia paterna cuidar.

Em maio deste ano, Jéssica conquistou a liberdade e passou a fazer cursos de qualificação, recebeu a assistência da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) e conseguiu um trabalho, por intermédio de uma amiga, no parque Moxuara, em Cariacica.

Jéssica Vitória Silva Passos

Auxiliar de estoque

"Esse apoio que a empresa dá é muito importante. É um suporte para quem está querendo recomeçar. Estou muito feliz com a oportunidade e, hoje, o meu maior sonho é que meus filhos voltem a morar comigo"

A previsão é que, com a conclusão do ano letivo das crianças em Santa Maria de Jetibá, no início de 2020 elas já possam voltar a ficar com a mãe, que agora reside em Vila Velha.

DESAFIOS

Enquanto para algumas pessoas os desafios surgem pelos caminhos que escolhem na vida, para outras chegam de maneira inesperada e exigem uma boa dose de coragem para enfrentá-los.

É o caso da administradora Fabiana dos Santos Resende Curbani, 45 anos, diagnosticada em agosto com um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o popular derrame, do qual saiu sem nenhuma sequela.

A história dela tem um quê de surpreendente. Sem antecedentes de problemas vasculares, nem mesmo dores de cabeça, Fabiana foi acometida de uma forte dor na segunda-feira após o Dia dos Pais. Pensando que pudesse ter sido algo que comeu durante as comemorações, foi para o pronto-socorro e diagnosticada com enxaqueca. A médica que a atendeu disse que o quadro poderia persistir por uma semana.

Sem desconfiar da gravidade do seu caso, Fabiana ficou por uma semana correndo o risco de entrar em coma porque não se tratava de enxaqueca, mas de um AVC agudo. Um vaso havia se rompido, e o sangramento era contínuo em sua cabeça, pressionando o cérebro.

Quando finalmente passou por uma tomografia, o resultado do exame a levou direto para a UTI e o médico falou: “ela está com uma bomba na cabeça”. O diagnóstico correto foi feito em um sábado, e na segunda Fabiana foi submetida a um procedimento para drenar o sangue da cabeça. Caso não houvesse intervenção, a administradora poderia entrar em coma e, talvez, não mais voltar.

Fabiana Curbani

Administradora

"Abriram minha cabeça em dois lugares, lavaram tudo e, dali a duas horas, estava normal, sem sequelas"

Depois de uns dias, Fabiana voltaria a fazer um procedimento para poder colar o vaso rompido, por meio de um cateter que entrava pela virilha. “Era ainda mais perigoso porque, se a cola escorresse e afetasse outros vasos que irrigam o cérebro, poderia deixar sequelas. Mas eu estava serena e falei com Deus: ‘seja feita a Sua vontade!’ Foram cinco horas de cirurgia e, no final, deu tudo certo”.

A administradora diz que tudo foi tão bem que, da UTI, em vez de ir para o quarto, recebeu alta. Antes de ir embora, ainda ouviu do médico: “se você acredita em milagres, você é um!”, emociona-se Fabiana, hoje ainda mais ciente da sua fé.

Fabiana Curbani mostra símbolo de sua fé: ela teve um AVC em agosto e, agora, está totalmente restabelecida . Crédito: Ricardo Medeiros
Fabiana Curbani mostra símbolo de sua fé: ela teve um AVC em agosto e, agora, está totalmente restabelecida . Crédito: Ricardo Medeiros

SUPERAÇÕES

Todos, em um momento ou outro da vida, passam por situações que impõem resiliência, esforço e até mesmo o uso da crença religiosa para conseguir superar as adversidades.

Especialista em tratamento de traumas e professor da Ufes, o psicólogo Elizeu Borloti diz que é fundamental ter o discernimento sobre o que é possível mudar e o que não é. Envolve também, segundo ele, coragem para mudar o que é necessário, e aceitação sobre o que, de fato, não pode ser modificado.

Elizeu Borloti destaca ainda que é importante desenvolver habilidades de enfrentamento e, mesmo as pessoas que se consideram fortes, podem em determinadas situações precisar de suporte.

“Algumas pessoas já vivenciaram mortes, outras não; algumas já enfrentaram doenças crônicas, outras não; algumas já passaram por divórcio, outras não. Então, para cada situação vivida, pode-se aprender uma habilidade, mas se não dispuser, não há nenhum problema em pedir ajuda”, declara.

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