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'Temos um ideal de ser mulher que é massacrante', diz antropóloga

"Temos um ideal de ser mulher que é massacrante", diz antropóloga

Antropóloga, escritora e colunista da "Folha de S. Paulo", Mirian Goldenberg pesquisa há 30 anos os arranjos conjugais no Brasil e fala sobre velhice, amor e felicidade a partir de suas investigações

Publicado em 13 de maio de 2018 às 00:13

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Há 30 anos, a antropóloga e escritora Mirian Goldenberg começou a pesquisar os novos arranjos conjugais na cultura brasileira. Colunista do jornal “Folha de S. Paulo” desde 2010 e autora de livros como “A Bela Velhice”, “Toda Mulher é meio Leila Diniz”, “Por que homens e mulheres traem?” e “Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?”, é ela quem abre no dia 15 de maio o Ciclo de Debates Encontros de Saber, em comemoração aos 10 anos da “Revista.ag”, uma realização da Rede Gazeta e Casa do Saber Rio. Na palestra “Amor, Casamento e Felicidade”, Mirian abordará esses temas e também discutirá com os convidados sobre desejo, sexo, fidelidade e reconhecimento.

Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante seus estudos decidiu investigar a vida da “outra”, a amante de um homem casado. Seu trabalho acabou virando livro, em 1990, que figurou na lista dos mais vendidos na época. Em seus mais recentes estudos, pesquisou o porquê de homens se apaixonarem por mulheres mais velhas e por quais motivos esse parece ser o casamento mais feliz.

Você realiza pesquisas sobre relacionamentos há 30 anos. O que acha que mudou neles de lá pra cá?

Mudou muita coisa e não mudou muita coisa. O que mudou de mais importante é que é muito mais difícil encontrar uma mulher que aceite o lugar da outra e uma esposa que aceite que o marido tenha outra. As mulheres estão mais independentes economicamente, afetivamente e psicologicamente. Antes elas se sujeitavam a situações em que elas não eram as únicas, hoje é mais difícil isso acontecer. E os homens se permitiram mais viver um mundo do afeto, da casa, da paternidade. Eles estão mais presentes, não têm mais tanto medo de cumprir o papel social do homem poderoso e superior. Ficou mais fácil casar e mais fácil separar. Quando comecei não tinha toda essa facilidade do divórcio. Outra coisa é que cada vez se espera mais ou se decide não ter filhos. Isso é uma novidade. Era mais comum ter filhos cedo e em mais quantidade. Hoje ou querem ter bem mais tarde ou nem querem ter.

E o que não mudou?

Não mudou o desejo da fidelidade, o desejo de ter um parceiro, algumas discrepâncias de gênero, o papel feminino centrado na casa mais do que o masculino. Essa dissociação de mulheres mais livres e mulheres mais recatadas mudou, mas não muito.

Suas pesquisas giram muito em torno de traições. Afinal, por que as pessoas traem?

Os homens alegam que são poligâmicos por natureza. Que não é uma traição, eles têm que ser fiéis à própria natureza. Outros dizem que traição é oportunidade, que é sem compromisso e sem afeto. Mas a grande maioria fala que é em função de uma crise, ou do casamento ou pessoal. São três justificativas: natureza, oportunidade ou crise. E de acordo com minhas pesquisas, 60% dos homens assumem que já traíram. Já as mulheres culpam sempre o marido. Que ele não dá atenção, não elogia, não procura, não tem mais romance... É sempre algo relacionado à falta no relacionamento. Elas não falam nem de natureza, nem de oportunidade e nem de crise, falam de faltas ou vingança. E 47% mulheres na minha pesquisa disseram que já traíram. O percentual é muito próximo, mas a justificativa de homens e mulheres é bem diferente.

E existe um relacionamento perfeito? Alguém está satisfeito em todas as áreas?

Não existe nada perfeito. Existem relacionamentos satisfatórios apesar das imperfeições. Com a maturidade os casais lidam melhor com as faltas e as imperfeições. Quando se é jovem, existe a fantasia, a idealização do relacionamento. Mais velho tudo que você quer é o que te faz feliz, e nem precisa de tanto. Sexo não é tão importante para grande parte dos casais. A cumplicidade, o companheirismo são mais importantes. Às vezes o sexo não é lá essas coisas, mas está bom. O homem não ganha tanto dinheiro, mas a mulher ganha. Se tiver reciprocidade, troca, o resto é o resto.

Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?

O que esses homens mais jovens (pelo menos 10 anos mais jovens, mas existem diferenças de 20, 30 anos) têm é uma admiração muito grande por essas mulheres. Eles não acham que elas são mais velhas, acham que elas são superiores. Mais divertidas, mais leves, mais generosas, mais inteligentes e interessantes. Eles não enxergam a idade, enxergam a superioridade. Enquanto as mais novas são imaturas, infantis, pegajosas e ciumentas segundo esses homens.

E como chegou à conclusão de que a felicidade é sólida em casamentos em que a mulher é mais velha?

É um relacionamento mais equilibrado. Não pesquisei um casinho, pesquisei relacionamentos de mais de 10 anos, relações duradouras. Essas mulheres não escolheram homens mais novos. Elas encontraram uma relação que até achavam que não ia durar pela diferença de idade e acabou sendo mais feliz do que as anteriores. O homem também não busca a idade, busca uma relação satisfatória. Talvez até pelos próprios preconceitos e estigmas, eles se tornam tão vulneráveis que precisam se fortalecer como casal e saber o que querem. Se fosse um relacionamento frágil, eles não aguentariam o olhar e o preconceito até da própria família. Então, as brigas e implicâncias de um casamento mais comum se tornam menores. Eles não se desgastam com isso e valorizam o que têm.

A curva da felicidade aponta que a fase de “menor felicidade” das mulheres seria entre os 40 e 50 anos. Mas hoje muita gente fala que os 40 são os novos 20... Acha que essa curva está mudando?

É um processo. Existe uma fase mais difícil quando as pessoas estão com filhos pequenos, não estão estáveis no mercado de trabalho, ficam se comparando, competem muito, não tem estabilidade financeira e emocional. Mas o que eu acho que está acontecendo é que as pessoas não exergavam o envelhecimento como um momento de realização de coisas positivas. Elas o enxergavam como a proximidade do fim. Só que hoje esse fim está cada vez mais distante. Atualmente pessoas vivem bem com mais de 90 anos. Então a grande novidade é não achar que sua vida termina quando você faz 50 ou 60. Para muitas pessoas é o momento do recomeço, de reinvenção, inclusive amorosa, profissional e até de estilo de vida. A curva é interessante principalmente para as pessoas que ficam com medo de envelhecer. Para mostrar que mudou completamente não só em termos de anos de vida que ganhamos, mas o tipo de vida que podemos ter depois dos 50, 80, 90.

E existe uma maneira de fugir desse “fundo do poço” dos 40 ao 50 anos?

Tem coisas que você não conquista muito cedo que são a maturidade, realização profissional, maior segurança do que você quer, seus valores... Essas coisas você conquista vivendo. Então de certa forma, é mais natural que você fique mais segura, mais madura e realizada quando você tem mais idade. Mas existem coisas que a gente alimenta durante a juventude que são completamente desnecessárias, como a obsessão pelo corpo, o pânico de envelhecer, querer agradar todo mundo sem necessidade, idealização dos relacionamentos e as cobranças internas e externas. Temos muitas cobranças com profissão, maternidade, casamento e sexualidade. Temos um ideal de ser mulher que é massacrante e é dificil livrar-se dele, mesmo quando a gente envelhece.

Como chegar ao final da vida realizado e feliz?

É preciso entender que não é quando envelhece que você vai mudar. “Ah, agora que fiquei velha vou ser livre e feliz”. Existe uma continuidade. Acho que os projetos de vida são fundamentais. Ter os seus projetos de acordo com suas vontades, dar significado à sua vida. Não adianta imitar os projetos de outras pessoas. Ter mais humor, levar a vida com mais leveza, brincar mais, não se levar tão a sério e perceber que a vida pode ser boa. Você pode rir mais de você mesma, é uma coisa que é difícil, mas dá para começar antes.

DEBATE: AMOR, CASAMENTO E FELICIDADE

Com Mirian Goldenberg e participação de Virgínia Pelles e Mariana Perini

Quando: terça-feira (15), das 9h às 12h.

Onde: Rede Gazeta. Rua Chafic Murad, 902,

Monte Belo, Vitória.

Informações: (27) 3321-8333.

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