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Especialista em negociações: 'As pessoas só vão conseguir algo se dialogarem'

Especialista em negociações: "As pessoas só vão conseguir algo se dialogarem"

Breno Paquele, que é um dos palestrantes do Encontro de Lideranças, é especialista em negociações pela Harvard Business School, nos Estados Unidos

Publicado em 21 de novembro de 2018 às 23:38

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Engana-se quem pensa que negociações estratégicas são feitas apenas no ambiente de trabalho. Para Breno Paquelet, especialista no assunto pela Harvard Business School, nos Estados Unidos, namoro, casamento e até a relação com os filhos também são baseados em acordos. Breno, que é um dos palestrantes do Encontro de Lideranças, promovido neste fim de semana pela Rede Gazeta, em Pedra Azul, na região Serrana do Estado, conversou com A GAZETA sobre as polêmicas que envolvem os processos de negociações.

Como a negociação aparece em uma relação de amizade?

Todas as decisões que envolvem interesses das pessoas, envolvem negociação. Quando uma pessoa quer uma coisa e a outra quer outra coisa, elas vão precisar negociar para encontrar um lugar comum entre as partes.

Falar que é interesse não é pejorativo?

Não é no sentido artificial de você estar com outra pessoa por interesse. Mas é o interesse de decidir onde dois amigos vão almoçar ou para onde vão viajar. Ou no lugar de trabalho, se um vai fazer uma tarefa para ajudar o outro. Isso tudo é questão de acomodar algum interesse. O tempo todo nas nossas vidas tanto no dia a dia, além do trabalho, temos que administrar nossas vontades.

Sempre uma pessoa tem que ceder?

Não diria que alguém tem que ceder. Muitas pessoas tem uma visão de que não é possível negociar e manter o relacionamento e que sempre um tem que ceder para preservar a relação. No entanto, quando as pessoas se respeitam, valorizam o relacionamento que existe entre elas, isso gera uma abertura maior para cada um ouvir o outro e tentar entender o que está por trás daquela vontade. É perfeitamente normal duas partes conversarem. Às vezes uma pessoa quer uma coisa mais do que a outra. É possível negociar e conseguir satisfazer as vontades e ainda manter o relacionamento.

Mas como seria em um namoro ou em um casamento?

O que é importante pensar é que toda negociação existe um equilíbrio entre a importância que sua vontade tem para você e a importância do relacionamento. Você sempre vai ter que equilibrar esses dois pontos para que satisfaça a vontade dos dois. Pode ser que um casal esteja decidindo para onde vai viajar. Um quer ir muito para um lugar de praia e o outro para um lugar de serra. Se só um ficar falando que a vontade dele tem que prevalecer, com o tempo isso vai desgastar a relação. O outro não vai se sentir ouvido, nem importante. É preciso estabelecer alguns critérios, como, por exemplo, definir que serão feitas duas viagens no ano. Uma maior e outra menor, em um feriado. Um ano uma pessoa decide a viagem maior e o outro o menor. No próximo ano fazem o inverso. Assim não vai ser colocado um peso maior na vontade de um ou de outro.

O que você acha de contratos em relacionamentos?

Se isso for bem conversado e os motivos reais dessa necessidade forem expostos, acho ok. Acredito que depende muito do nível de maturidade e confiança. Se o casal está acostumado a conversar sobre essa questão de bens, às vezes uma das partes tem mais do que o outro e o outro quer demonstrar que não tem interesse nisso, acho normal. É preciso ter cuidado quando for falar do tema financeiro porque é bem polêmico. Se essa conversa não for bem conduzida, a introdução desse tema pode causar danos no relacionamento.

E a relação com os filhos? Onde entra as negociações?

Os filhos vão testando os limites dos pais, vão tentando sempre colocar as suas vontades. Os pais precisam pensar que qualquer concessão que eles fizerem para os filhos pode ter efeitos futuros e pode acostumar mal as crianças. Os filhos podem achar que conseguem as coisas de forma fácil, podem entender que retrucando os pais vão conseguir o que desejam. Às vezes os pais podem dizer não só para educar, colocar um limite. É importante explicar o que tem por trás da decisão. O diálogo é sempre o melhor caminho.

E as questões trabalhistas? Qual o melhor momento para pedir um aumento de salário, por exemplo?

As pessoas acham que é só uma questão de pedir, mas não é só isso. Para o aumento de salário funcionar, primeiro, você tem que realmente merecer. Segundo, esse aumento precisa ser viável dentro da empresa. Terceiro, você precisa convencer o seu gestor. É muito importante fazer uma pesquisa de média salarial. Existem várias ferramentas disponíveis na internet que mostram a média salarial por segmentos ou por tamanho da empresa. Vai ser preciso embasar seus argumentos tanto com seus resultados quanto com a média de salário.

Outro ponto importante é que você precisa agendar essa conversa formalmente com seu gestor. Pessoas desprevenidas tem a tendência em dizer não para se defender. É preciso dizer que você quer falar sobre seu momento na empresa, seu futuro e sobre a questão da remuneração. No momento da conversa, você deve apresentar seus pontos de forma objetiva e nunca afrontar, nem ser agressivo.

Você percebe um comportamento diferente entre homens e mulheres no momento da negociação?

Não gosto de generalizações, mas sinto que os homens tendem a pleitear mais os direitos e as necessidades deles. As mulheres negociam muito bem quando é para um grupo, uma coletividade.

Isso é reflexo da sociedade patriarcal?

Pode ser, sim, um reflexo. Não dá para negar esse histórico. As mulheres vêm conquistando cada vez mais posições de liderança e essa diferença vem reduzindo, mas esse reflexo tem seu preço. Muitas mulheres nem sabem que são mal remuneradas em relação a outra pessoa com a mesma posição em uma empresa. Ela nem imagina que tamanha injustiça possa existir. Quando ela descobre a discrepância, aí sim ela pleiteia seus direitos. Existem países como Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra que estão começando a criar leis para obrigar as empresas a informarem se existe diferença salarial entre pessoas da mesma posição por gênero.

O que além de salário pode ser negociado no trabalho?

Salário não é tudo. Vejo cada vez mais profissionais buscando flexibilidade, qualidade de vida e melhores condições de trabalho. Sempre falo que em negociação é preciso pensar no pacote de remuneração como um todo. As vezes um pai ou uma mãe que acabaram de ter um filho preferem poder trabalhar um dia de home office ou então sair mais cedo duas vezes por semana ao invés de receber mais R$ 500 por mês. É importante a pessoa ter uma visão ampla, listar seus interesses e suas prioridades.

Quais dicas você gostaria de deixar para as pessoas?

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As pessoas precisam parar de pensar a negociação como uma batalha de posições pensando que para um ganhar o outro tem que perder. Essa visão estreita faz com que os acordos sejam pobres, estejam sempre baseados em uma parte ceder. Na negociação como um processo colaborativo cada um tem seus interesses e só vão conseguir resolver um problema se decidirem conversar e compartilhar as necessidades. Eu gosto muito de uma frase do Martin Luther King que diz “construa pontes e não muros”. É muito fácil em uma negociação chegar em um impasse. Mas a mentalidade do negociador deve ser sempre de encontrar uma forma do acordo ser possível, construir uma ponte, um caminho que seja viável para todos. As pessoas só vão conseguir algo se dialogarem.

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