> >
Em nome da paz: missa é celebrada no alto da Piedade

Em nome da paz: missa é celebrada no alto da Piedade

A igreja fechou as portas por conta da insegurança da região. Uma missa foi realizada no local na manhã deste domingo (17), mas ainda não há confirmação de que o funcionamento voltou ao normal

Publicado em 17 de junho de 2018 às 21:15

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Missa realizada na igreja católica no Morro da Piedade em Vitória . (Facebook Catedral Metropolitana de Vitória)

Quatro dias após fechar as portas por causa da guerra do tráfico, a igreja católica da comunidade São Vicente de Paulo, que fica no Morro da Piedade, em Vitória, teve uma missa na manhã deste domingo (17). Com o objetivo de propagar a paz, essa foi a primeira celebração depois da retirada de objetos religiosos considerados sagrados do local. Cerca de 111 pessoas deixaram a comunidade nos últimos dias com medo de tiroteios e execuções.

A retirada dos objetos sagrados, inclusive o sacrário, pelo padre e um diácono da Catedral de Vitória aconteceu na última quarta-feira (13), por motivos de segurança. 

A reportagem do Gazeta Online esteve na comunidade durante a tarde da última quarta-feira (13). Apesar da movimentação de saída dos moradores não ter sido tão intensa como na segunda (11) e na terça (12), foi possível flagrar algumas famílias ainda retirando os últimos pertences dos antigos lares.

Entre os que faziam a mudança, o diácono Paulo Roberto carregava o sacrário da Comunidade São Vicente de Paulo. “Estamos levando os objetos de valor religioso porque temos medo do que pode acontecer. Por enquanto, a igreja ficará fechada”, lamentou.

Diácomo Paulo Roberto deixando o Morro da Piedade. (Fernando Madeira | GZ)

Procurada, a Arquidiocese de Vitória informou que as atividades na Comunidade estão temporariamente suspensas. A Comunidade Nossa Senhora da Piedade, que também fica no morro, continua aberta.

Em um texto divulgado no site da Arquidiocese de Vitória, o padre Renato Criste, Pároco da Catedral de Vitória, relatou o impacto da violência na vida da comunidade da Piedade. “Nos últimos meses, antecedeu-se aos sons dos sinos das igrejas os sons das balas no morro da Piedade anunciado mais uma tragédia“, disse.

Ele descreveu a sensação de conviver, diariamente, com os barulhos de uma violência que parece não ter uma data para acabar. “Nos centros de nossas cidades o som dos sinos se misturam ao som das balas que aterrorizam, causam medo e matam”.

Em sua reflexão sobre os sons que ecoam o medo de toda uma comunidade, Padre Renato afirma que a violência parece não mais incomodar a sociedade, que aos poucos se acostuma com a agitação dos centros e das periferias.“O som das balas disparadas sempre comunicam uma só coisa: o medo que limita ou tira a vida. O som dos sinos, mesmo que anunciam uma morte ou uma catástrofe natural, ainda querem comunicar a vida”, escreveu.

Finalizando, o padre reforçou o que a comunidade mais precisa nesse momento de terror: piedade.

O TEXTO NA ÍNTEGRA

"Nos últimos meses, no domingo de Ramos da Paixão do Senhor e no 10º do Tempo Comum, antecedeu-se aos sons dos sinos das igrejas – convidando a todos para o louvor a Deus no dia especialmente dedicado a Ele – os sons das balas no morro da Piedade anunciando mais uma tragédia no morro, misturados ao grito de desespero da mãe que vê a vida dos seus filhos jovens ceifada ou da criança apavorada.

Os sinos sempre tiveram a finalidade de evocar os sentidos humanos a elevar o coração para o alto. Nas igrejas e nos vilarejos, sempre havia um sino como “instrumento de comunicação”. O toque dos sinos servia, por exemplo, para convidar para uma reunião, ou para anunciar o falecimento de alguém, para avisar de um incêndio, para pedir socorro e alertar em situações de catástrofes naturais.

Mais especificamente, nas torres das igrejas, os sinos serviam para marcar as horas de oração. Assim, o sino pode ser entendido como símbolo de comunhão, anúncio, convocação e, principalmente, como chamado a viver o Amor de Deus. Nos centros de nossas cidades o som dos sinos se misturam ao som das balas que aterrorizam, causam medo e matam. Estas quase sufocam o embalo dos sinos sincronizados ressoando a harmonia e convidando a despertar.

A religião não é uma invenção humana, ela antecede à profissão de fé do crente e desta não depende. O ser humano é um ser religioso. Este se descobre limitado e dependente, e ao mesmo tempo num conflito com algo que o interpela e abre um espaço que parece não ter fim. O homem sempre precisou de elementos sensíveis que pudessem mediar aquilo que ainda assim não cabe dentro dos nossos conceitos e imagens.

Pensar a religião e uma experiência religiosa autênticas não só deveriam comprometer o homem a viver o seu tempo como um lugar de transformação, isto é, um “kairós” (tempo da graça de Deus), como uma resposta à aquilo que o angustia na profundeza do seu ser. A religião autêntica comporta, portanto, tanto uma dimensão ética no sentido do compromisso humano a partir da sua experiência de Deus que o interpela, como também uma dimensão terapêutica que o liberta daquilo que o oprime e fere.

A violência é um estrondo que parece não incomodar mais a todos. Aos poucos vamos nos acostumando com a agitação das periferias e dos centros de nossas cidades, com o gritos oriundos das balas disparadas. Assim como os sinos parecem ter perdido o seu lugar e a sua função, quando ainda não perturbam “a paz e sossego” de alguns habitantes, nós nos esquecemos dos sinos das igrejas.

O som das balas disparadas sempre comunicam uma só coisa: o medo que limita ou tira a vida. O som dos sinos, mesmo que anunciam uma morte ou uma catástrofe natural, ainda querem comunicar a vida. Sua função é ser um som que alerta e faz ecoar o valor da vida que deve ser valorizada, defendida e divinizada.

Penso que é tempo de prestar atenção no ressoar dos sinos, decifrar as suas notas musicais a fim de despertar o ser humano do estupor que paralisa convidando-o novamente a abrir-se a Deus e ao irmão na comunhão. O som dos sinos esquecidos das igrejas é uma mensagem urgente para os homens do nosso tempo. Querem ser um grito suave da vida que é mais forte que a morte, verdadeiros tons de esperança que anunciam dias melhores.

Contudo, como explica o apóstolo Paulo, “ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine.” (1 Coríntios 13,1). Portanto, se não houver em nós o amor verdadeiro, seríamos apenas como um sino barulhento que mais irrita os que o ouvem do que produziríamos um som melodioso e agradável. Ou a ostentação de um poder arbitrário com discursos vazios e palavras mortas sem ter na verdade um objetivo proveitoso. Que o som das balas silencie, que o som dos sinos ressoe, assim como a nossa voz a clamar: Senhor, PIEDADE de nós!"

LIVRE-ARBÍTRIO

A saída dos moradores acontece mesmo após o secretário de Estado da Segurança Pública (Sesp), Nylton Rodrigues, garantir, na última terça-feira (12), que os moradores não precisavam sair, pois a polícia iria continuar na região.

Este vídeo pode te interessar

Já o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alexandre Ramalho, disse, na segunda-feira (11), que a decisão de algumas famílias de saírem da Piedade por se sentirem inseguras é de “livre-arbítrio” delas. Ele afirmou que desde domingo (10) mais de 60 PMs fazem o patrulhamento na comunidade.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais