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Município com 2.300 habitantes se revolta com proposta de extinção

Município com 2.300 habitantes se revolta com proposta de extinção

Torre de Pedra tinha 2.254 habitantes no último Censo do IBGE, de 2010. Pelas estimativas da prefeitura, a população do município, que tem 70 quilômetros quadrados e fica a 167 quilômetros da capital, teria passado de 3.000

Publicado em 9 de novembro de 2019 às 19:22

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Com 2.300 habitantes, Torre de Pedra se revolta contra proposta de extinção de pequenas cidades. (Youtube)

Dois dias após o governo propor reduzir o número de municípios pequenos que não conseguem se manter sozinhos, Dona Socorro, uma senhora conhecida pelos moradores de Torre da Pedra (SP), foi à Prefeitura exigir apoio.

"Estava aos prantos na minha frente. 'Você tem que fazer alguma coisa, pelo amor de Deus, não deixe isso acontecer'", conta o prefeito Emerson José da Mota (PTB) ao explicar o clima de consternação na cidade.

Torre de Pedra tinha 2.254 habitantes no último Censo do IBGE, de 2010. Pelas estimativas da prefeitura, a população do município, que tem 70 quilômetros quadrados e fica a 167 quilômetros da capital, teria passado de 3.000.

O cenário local não é alentador para a arrecadação. A maioria dos moradores já está na terceira idade, a agricultura local é de subsistência e há pouca oferta de emprego. A maioria dos postos de trabalho é oferecida pelo comércio familiar de pequenas lojas.

A arrecadação da cidade foi de 1,74% da sua receita total, de R$ 243.520, em 2018, o que enquadra Torre de Pedra no perfil dos municípios marcados para se fundir a outro pelas regras propostas na reforma do Estado do governo Bolsonaro.

Segundo a PEC, não poderiam persistir municípios com menos de 5.000 habitantes que não tenham arrecadação própria superior a 10% de sua receita. As cidades nessa situação seriam incorporadas a municípios vizinhos.

Torre de Pedra poderia ser incorporada a três cidades: Guareí, Bofete ou Porangaba. Como foi distrito desta última até conseguir a emancipação em 1991, os torrepedrenses especulam que voltem à antiga administração pública.

Apesar da inexistência de indústria no município e da dependência da União, os moradores exaltam a melhoria na qualidade de vida da cidade desde que saiu da guarda de Porangaba.

"Temos tudo. A saúde é excelente. Morei anos em São Paulo e, se precisasse chamar ambulância, lá teria morrido de espera. Aqui, não", diz Raimundo Freire de Lima, 67, aposentado e marido de Dona Socorro.

A saúde e o bem-estar são considerados as maiores vantagens na cidade, de acordo com moradores ouvidos pela reportagem.

"Temos ambulância em menos de 12 minutos. A qualidade de vida é muito boa, ainda dá para dormir de janela aberta", afirma Almir Costa, 72, zootecnista aposentado.

De acordo com o presidente da Câmara Municipal, Profeta Gomes, 43, em Torre de Pedra, "quem não tem sítio é aposentado" e "todo mundo é parente". Eleitor de Jair Bolsonaro, como 77% dos eleitores da cidade, ele diz esperar regras mais inteligentes para essa decisão.

"Se voltar a ser um distrito, a qualidade de vida cai. Não tem ninguém rico aqui, mas vivemos com o que precisamos. Estamos a 20 quilômetros da cidade. Antes não havia saúde, polícia, nada. Vamos retroceder?", questiona. A população entende que, ao se juntar a outro município, o centro administrativo será priorizado, e não as áreas mais distantes.

Uma das saídas para aumentar a arrecadação municipal, segundo ele, é a regularização de terrenos. Como há muitos contratos de gaveta, a administração conseguiu um convênio com o governo federal para regularizar mil escrituras, o que deve aumentar a arrecadação de impostos, diz Profeta.

Outras iniciativas em curso são o estímulo à agricultura familiar, por meio de cursos, e a criação de um parque temático para atração de turistas, que vão à cidade conhecer a estrutura rochosa que dá nome ao local.

A população defende que tenha o poder para decidir em um plebiscito o destino que quer para a administração. Os munícipes também apoiam que sejam avaliados outros pontos dos municípios listados, como a qualidade da gestão.

"Também deveria ocorrer uma análise por estrutura. Temos menos de 5% de arrecadação? Sim. Mas viram as estradas rurais, a qualidade de saúde? Tem município muito maior com folha atrasada, a gente está preparando o 13º salário", diz o prefeito.

A prefeitura tem 168 funcionários. Há uma pré-escola municipal, um colégio público mantido por recursos estaduais e federais, um posto de saúde com 13 profissionais e mais auxiliares.

A administração municipal também diz arcar com 100% do transporte de jovens que queiram estudar nas universidades de cidades próximas e dispor de um programa para bem-estar de idosos, que inclui ginástica e passeio gratuito.

A resistência à ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, é majoritária. "Acho que não precisávamos de nove vereadores para menos de 3.000 habitantes, mas tirar emancipação agora seria deixar a população daqui esquecida", diz Gerson Teixeira, 50, ex-motorista de ônibus afastado.

Em rodas de conversas informais, até o anúncio da liberdade do ex-presidente Lula foi encarado como uma chance de reverter a proposta do governo. "De uma coisa ruim pode sair uma boa, vai que ele [Lula] se mobiliza contra isso. O Nordeste tem um monte de município assim", disse um morador que votou em Bolsonaro.

"É para quando isso? 2026? Vamos começar a colar cartaz na rua para o pessoal fazer filho para chegar no 5.000", brincou outro.

O dono da principal farmácia da cidade, Gerivaldo Vincentini, também vereador, pertence a uma das famílias que se empenhou para emancipar a cidade. "Lutamos para ter um município próprio. A verba que tinha para manter os dois lugares [Torre de Pedra e Porangaba] não chegava. De lá para cá, nos desenvolvemos muito. É um desrespeito com a população", diz.

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Seu sogro, Peres Camargo, já morto, foi o primeiro prefeito de Torre de Pedra. "Teria um infarto se estivesse vivo vendo isso".

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