Dez dias depois de sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), a primeira-dama do Estado, Maria Virgínia Casagrande, testou positivo para o coronavírus. A situação da primeira-dama chamou a atenção para a possibilidade de relação entre a Covid-19 e o AVC. A reportagem de A Gazeta ouviu especialistas, e eles explicam que existem hipóteses sendo estudadas sobre o assunto e como isso poderia acontecer no organismo humano.
As análises surgiram a partir de relatos feitos por médicos de vários países. Em artigo publicado no periódico Cell Press, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontam evidências de que o coronavírus poderia culminar em encefalite uma inflamação severa do cérebro. Isso ajudaria a explicar sintomas como a confusão mental e dores de cabeça. Já pesquisas publicadas pela revista Jama Neurology, da Associação Médica Americana, apontaram que 36% de 214 portadores da doença apresentaram algum problema cerebral.
O neurologista da Rede Meridional, José Antonio Fiorot Júnior, explica que não existe um posicionamento definitivo sobre a ligação entre o ataque do coronavírus no organismo e o AVC. No entanto, há hipóteses baseadas em observações com pacientes. "O que sabemos é que as formas graves da Covid-19 cursam para o estado pró-trombótico, o sangue fica grosso como se fala popularmente. A doença causa coágulos que entopem vasos sanguíneos e que, comumente, provocam a insuficiência respiratória", pontua.
É exatamente esse mesmo fenômeno de coagulação que aumenta as chances de trombose em outras partes do corpo, inclusive nos vasos que levam o sangue para o cérebro. "O que temos encontrado em relatos da literatura e aqui no Estado, são pacientes admitidos no hospital com AVC na forma clássica, com paralisia facial e de parte do corpo, sem nenhum sintoma de Covid-19. Porém, de três a quatro dias depois o paciente começa a apresentar os sintomas de contaminação pelo coronavírus", observou o médico.
Fiorot disse que isso intriga a classe médica, pois sustenta a tese do AVC ser o primeiro sintoma do coronavírus, mesmo não sendo o mais lógico. "O mais comum é a forma clássica da Covid-19, com os problemas respiratórios graves. Na fase seguinte, cerca de sete dias depois dos primeiros sintomas, vem a fase pró-trombótica que pode dar ensejo a um AVC", observou o neurologista.
No entanto, isso não descarta que uma contaminação do paciente de AVC possa ter ocorrido dentro do hospital ao ser socorrido.
A médica capixaba Margareth Dalcomo, que é pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também pontua que o vírus possa ser o estopim do AVC.
"O coronavírus é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica. Ele realmente entra no sistema nervoso central, portanto é capaz de provocar alguns fenômenos, sejam hemorrágicos ou isquêmicos. Isso é ligado à doença. A doença tem manifestações muito diversificadas. Em algumas pessoas, predominam os sintomas respiratórios, em outras, os renais. Alguns fenômenos cardiológicos também podem ocorrer, de modo que ela é uma doença muito polimorfa", explicou Dalcomo.
Considerando que os estudos são muito recentes, o professor de Fisiologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e coordenador de pesquisas do Hucam, José Geraldo Mill, explica que o AVC acontece em razão da obstrução provocada pelo processo inflamatório do vaso. Assim, se a Covid-19 é uma doença inflamatória, ela pode sim predispor a ocorrência do acidente vascular cerebral.
"Não temos evidência documentada de que isso ocorra, mas sabemos que a Covid-19 vai além dos sintomas gripais. Por exemplo, há quem desenvolve dores abdominais devido ao processo inflamatório do intestino. Há estudos que mostram que a Covid-19 provoca inflamação da artéria, chamada de arterite, quando chega ao estágio avançado. A arterite pode predispor a infarto, AVC, derrame e diversas lesões por entupimento de vasos", argumentou José Geraldo Mill.
O AVC de grau leve da primeira-dama aconteceu no dia 15 de maio. Maria Virgínia foi levada para um hospital particular, onde ficou internada até ao dia seguinte, quando recebeu alta. Em casa, a primeira-dama começou a ter sintomas comuns da Covid-19, assim como o governador Renato Casagrande, o qual também fez teste que confirmou a doença, de acordo com nota oficial enviada pela assessoria de imprensa do governador.
Assessoria também informou que não é possível afirmar onde a primeira-dama e o governador foram contaminados nem o dia exato e se a doença teria causado o AVC.
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