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Moradores de João Neiva abrem as portas de casa para disseminar cultura

Moradores de João Neiva abrem as portas de casa para disseminar cultura

O artista plástico Rick Rodrigues e o professor Hélder Guasti oferecem oficinas, biblioteca, contação de histórias e muita cultura para crianças e educadores

Publicado em 11 de setembro de 2019 às 01:34

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Rick Rodrigues abriu as portas da sua casa e transformou o próprio quarto num ateliê. Chamado de Quarteliê, ele oferece oficinas culturais para crianças e educadores. (Júnior Luís Paulo)

Num período em que a cultura no Brasil passa por cortes de verbas, ameaças de censura e pouco fomento, pequenas ações fazem toda a diferença para melhorar esse quadro. Rick Rodrigues e Hélder Guastti despontam em João Neiva como protagonistas da transformação de toda a cidade. Moradores dos bairros Crubixá e Bairro de Fátima, eles abriram as portas de suas casas para realizarem projetos que incentivam e disseminam a cultura na região.

O artista plástico Rick Rodrigues, de 30 anos, transformou seu refúgio e local de trabalho entre exposições e mostras por diversas partes do país numa espécie de galeria-escola aberta a toda a comunidade. Para se ter uma ideia, o quarto que o artista dividia com os dois irmãos nos fundos de sua casa virou um "Quarteliê" - jeito carinhoso de chamar o cômodo que virou o ateliê. Lá, ele ministra oficinas gratuitas para crianças e formação em arte contemporânea para educadores.

"Meu trabalho enquanto artista só se completa quando consigo chegar ao outro, sobretudo à comunidade que me cerca", destaca. 

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Ao final das oficinas, as obras dos alunos são expostas e os educadores se sentem mais bem preparados para serem multiplicadores de cultura, para levarem isso às escolas e a outros jovens

Rick Rodrigues, artista plástico
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REFLEXO

Ao abrir as portas de sua própria casa, Rick fortalece uma corrente com outras pessoas que também enxergam a arte e a cultura como forma de educação e formação social. Um desses elos é o educador Helder Guastti, que coordena o projeto "Confabulando", que visa estimular o acesso à literatura por meio de empréstimo de livros, da disponibilização de um espaço desenvolvido para a leitura e de contação de histórias direcionadas a crianças de João Neiva.

"Passamos muito tempo nos perguntando o que poderíamos fazer para 'mudar o mundo' e, após muitos trabalhos desenvolvidos, muitas fantasias costuradas e muitas histórias contadas, resolvemos abrir um espaço de leitura em nossa casa, unindo duas das coisas que mais amamos: crianças e livros”, conta o professor sobre o projeto criado com sua mãe, Rogéria Guastti, também educadora.

Criado em 2016 como um livro escrito e financiado por Hélder, o "Confabulando" saiu das páginas e ganhou espaço físico em sua própria casa no ano seguinte com recursos de um financiamento coletivo virtual. O projeto é mantido com recursos dos dois professores e, quando a compra de livros se faz necessária, eles buscam apoio entre amigos e apoiadores na comunidade.

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Sempre prezamos por livros de qualidade estética e literária, buscando materiais que vão para além da leitura superficial, mergulhando nas entrelinhas e potencializando inúmeras discussões e debates. Temos livros dos mais diversos tipos, temas, suportes, gêneros por aqui

Hélder Guastti, professor
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FORMAÇÃO

Desenvolvendo trabalhos na própria comunidade em que foi criado, Rick inspira outras pessoas a seguirem trajetória semelhante à sua - a qual inclui graduação e mestrado em artes pela Ufes, exposições em diversos estados, presença em relevantes eventos como a SP Arte e trabalhos expostos em outros países.

A professora de educação infantil Géssica Mantovani participou de uma das oficinas do Quarteliê, de Rick, e destacou a relevância do projeto na complementação de sua formação enquanto educadora. "Além de debater diversos assuntos como educação, política e inclusão social, também aprendi um pouco de bordado, como ele pode ser utilizado em materiais diferentes dos tecidos habituais e como levar isso para a sala de aula. É uma nova perspectiva para ver arte e educação juntas".

Géssica Mantovani (centro) participou de uma das oficinas do Quarteliê. (Júnior Luís Paulo)

Géssica também salienta que esse tipo de projeto é de grande importância para levar cultura e conhecimento àqueles que normalmente ficam à margem da sociedade. "Ainda que algumas pessoas achem que a arte não seja importante, projetos assim nos mostram como ela é necessária nos processos de educação e de formação de indivíduos e que há muitas crianças com habilidades, precisando apenas de direcionamento e oportunidade para transformarem suas vidas".

MAIS PROJETOS

A fala da professora sobre a possibilidade de transformar vidas não é utópica. Com cerca de 150 casas, a maioria de programas governamentais, o Crubixá convive cotidianamente com problemas sociais e a evasão escolar é frequente entre os jovens da região. Esse duro reflexo da falta de atividades artísticas, culturais, esportivas e de investimento educativo ganha contornos mais suaves por meio das ações de Rick e Hélder.

Além do Quarteliê, o artista plástico estabeleceu na cidade a Galeria Muros - projeto vencedor do edital da Secretaria de Estado de Cultura (Secult) - onde os muros do bairro Crubixá "ganham vida" com obras de diversos artistas. Alecs Power foi o primeiro convidado a dar mais cor ao bairro grafitando o muro do próprio Quarteliê.

Chamado de Quarteliê, o projeto oferece oficinas culturais para crianças e educadores. (Júnior Luís Paulo)

"A ideia da Muros é levar artistas para dialogar com a comunidade, fomentando a formação de todos os envolvidos. Inicialmente essa parte do projeto será desenvolvida por meio de recursos da Secult, mas ao longo do projeto buscarei parceiros que acreditam nesse propósito, sejam moradores que queiram disponibilizar seus muros para serem trabalhados, sejam pessoas que possam contribuir com material ou verba", explica Rick.

O artista Alecs Power pintando dando início ao projeto Muros, em João Neiva. (Ester Guastti)

Já o Confabulando também realiza mensalmente a "Manhã Confabulatória”, com contação de histórias e intervenções artísticas baseadas em contos. Para isso, os organizadores recorrem a voluntários que colaboram encenando as histórias, fazendo apresentações ou contribuindo com o lanche oferecido para as crianças.

"No espaço de leitura, os adultos se tornam crianças, sentam no chão, ouvem histórias e se divertem junto com os pequenos. Isso nos faz lembrar da importância dos livros em dias nos quais telas luminosas tomam conta das casas", afirma Nicole Laporti, que é voluntária no projeto.

Na inauguração do projeto Muros, de Rick Rodrigues, foi realizada uma edição do "Manhã Confabulatória", de Hélder Guastti, em frente ao Quarteliê. (Júnior Luís Paulo)

"O Confabulando estimula a imaginação e ajuda a criança a se desenvolver. Seria transformador se mais ideias assim se concretizassem em outras cidades", completa Nicole, que também leva seus filhos para participarem das contações de histórias.

Como árvores plantadas pelos dois jovens em solo pouco fértil, os projetos crescem regados pela crença de um futuro com mais oportunidades, mais justo e acessível para todos. Assim, essas árvores de transformação social crescem e seus frutos chegam cada vez mais longe, espalhando sementes por outros lugares e fazendo história.

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